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Delação não pode ser anulada unilateralmente por capricho do Estado

O artigo aborda a complexidade da rescisão de acordos de delação, enfatizando que a unilateralidade do Estado na anulação desses contratos, por capricho, é inadequada. Os autores discutem a importância da boa-fé e a necessidade de uma análise cuidadosa da violação das cláusulas, defendendo que a rescisão deve ser responsabilidade do colegiado, respeitando o devido processo legal e evitando enfraquecer a validade do instituto da delação. O texto destaca a relação entre a legalidade e a prática penal, ressaltando a necessidade de renegociação quando aspectos secundários do acordo não forem cumpridos.

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Com a homologação, então, o jogo de longa duração não terminou, justamente porque, do modo como as cláusulas são redigidas, qualquer “derrapagem” pode ser o argumento “oportunista” para retirada de sua eficácia. Joesley, por exemplo, recebeu um contragolpe. O ex-procurador-geral da República Rodrigo Janot, diante das últimas mídias apresentadas, em especial o diálogo entre Joesley Batista e Ricardo Saud, requereu a instauração de procedimento para verificar se os delatores (aqui) teriam violado a cláusula 12 do termo de colaboração (aqui). Cuida-se de uma sucessão de golpes estratégicos, em que se obteve a prova da delação e depois se rescindiu unilateralmente a avença, de modo que caberia a discussão de cláusula puramente potestativa.

Dito de outro modo, em face do surgimento de novas informações, como as mídias de Joesley e Saud, em princípio comprometedoras da boa-fé dos delatores (Joesley-Saud), caberá ao relator/colegiado a análise da rescisão dos termos, com a retirada do prêmio do colaborador e da sua obrigação de cooperação, embora a prova entregue continue sendo válida — com mais razão caberia discussão da cláusula leonina. Mas a questão da (in)validade não é tão simples ou pacífica assim, na medida em que, se tomarmos por base a teoria da invalidade dos atos processuais, é inevitável a aplicação do princípio da contaminação, pois evidente o nexo causal. O que não se pode é distribuir “a la carte” ou por conveniência a validade dos atos processuais. A prova obtida a partir do acordo de delação (mesmo desfeito posteriormente) se situa na linha causal do seu desdobramento, estando umbilicalmente a ele ligada. Existe um vínculo genético, que se alimenta da sua licitude/validade. Portanto, como ensina Fazzalari, a validade do ato posterior está condicionada à validade do ato anterior, não subsistindo sem ela. Portanto, o tema é complexo e não se pense — de forma tão simples e direta — que se poderá salvar a prova obtida a partir da delação sem afrontar as regras do jogo. Seria mais uma manifestação do nefasto vale-tudo no qual querem transformar o processo penal. Existe um preço a ser pago, na democracia, pela legalidade, e uma imensa responsabilidade por parte dos agentes do Estado.

Anote-se que, diante da decisão tomada na Petição 7.071, pode-se aventar que a rescisão seja competência do colegiado, garantido o devido processo legal, porque refoge aos limites da mera homologação, diante do conteúdo decisório da configuração da violação contratual e suas consequências[1]. Os contratos de delação devem ser cumpridos, e a não observância pode gerar o desfazimento da eficácia do instrumento. Todavia, a rescisão não pode decorrer da vontade unilateral, devendo-se apurar a efetiva violação dos termos pactuados. Discute-se a dimensão do descumprimento, até mesmo com a possibilidade da Teoria do Adimplemento Substancial, mas, verificado o descumprimento, cabe ao órgão julgador (e não ao relator), garantido o contraditório, analisar as razões legais para desfazimento dos efeitos do acordo. Há invasão civilista no processo penal.

O Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do REsp. 1.581.505 (min. Antônio Carlos Ferreira), deixou assentado que o cumprimento dos contratos deve ser a regra e que o critério de aplicação da teoria do adimplemento substancial não deve ser meramente quantitativo: “A aplicação da Teoria do Adimplemento Substancial exigiria, para a hipótese, o preenchimento dos seguintes requisitos: a) a existência de expectativas legítimas geradas pelo comportamento das partes; b) o pagamento faltante há de ser ínfimo em se considerando o total do negócio; c) deve ser possível a conservação da eficácia do negócio sem prejuízo ao direito do credor de pleitear a quantia devida pelos meios ordinários”.

É claro que, se a parte faltante for a principal, de fato, não há sentido em se aplicar a teoria do adimplemento substancial, mas se pode também reconhecer que, se os aspectos principais foram corroborados, eventual ineficiência que não atinja o núcleo, somada à boa-fé do negócio, deve implicar cumprimento[2]. Verificado que foi blefe do delator[3], modifica-se a dinâmica e se pode rescindir. Por exemplo, se o delator “abre o saco de informações” contra 30 delatados e obtém resultado positivo em 29, viola a boa-fé rescindir por ausência de corroboração em face de um delatado, desde que não seja o principal foco da avença. Será sempre na especificidade do caso em que se poderá falar em (des)cumprimento do termo de acordo. Tratar-se-ia, assim, de cláusula leonina.

O que se deverá avaliar, diante da dimensão da delação, é a violação da boa-fé, para não se excluir a validade do instituto da delação por questões irrelevantes, a saber, o descumprimento deverá ser capaz de excluir o núcleo do termo de delação, sob pena de levar o instituto ao descrédito e desencorajar novos delatores — talvez um fim anunciado. Pode-se, ainda, falar de adimplemento substancial. Estipuladas as obrigações dos contratantes, no caso de ampla colaboração do delator, com muitos delatados e multiplicidade de informações, pode-se discutir a substancial performance adimplida.

Isso porque, a partir da boa-fé objetiva e do dever de cooperação, eventual erro ou falta de informações corroboradoras de pequena parcela do conteúdo delatado pode significar a deslealdade do Estado, via resolução do termo de acordo de delação. O acordo compra informações e cooperação, e não a alma do delator, sob pena de virar um pacto com o Diabo, como se critica no ambiente do plea bargaining[4]. Deve-se prever possibilidade de renegociação (recall) e, atendidas as peculiaridades do caso penal, reconhecer-se o adimplemento substancial[5].

***

Um abraço ao Luiz Carlos Cancellier de Olivo, magnífico reitor da UFSC. A luta nunca termina, e nossa luta pelo processo penal democrático continuará sempre.

[1] Questão de ordem na Petição 7.074; relator: min. Edson Fachin; DJE 143, divulgado em 29/6/2017. [2] TERRA, Aline de Miranda Valverde; GUEDES, Gisela Sampaio da Cruz. Adimplemento substancial e tutela do interesse do credor: análise da decisão proferida no REsp. 1.581.505. Revista Brasileira de Direito Civil – RBDCivil, Belo Horizonte, bol. 11, p. 95-113, jan-mar. 2017, p. 105: “Em definitivo, a Teoria do Adimplemento Substancial protege o devedor, ao impedir que o credor lhe imponha remédios que lhe causarão sacrifícios desproporcionais à lesão que o descumprimento causou ao seu interesse na prestação. No entanto, não encerra salvo-conduto para que o devedor se exima das obrigações contratualmente assumidas, afinal, pacta sunt servanda”. [3] MORAIS DA ROSA, Alexandre. Teoria dos Jogos e Processo Penal. Florianópolis: Empório Modara, 2017. [4] MACHADO, Helena: PRAINSACK, Barbara. Tecnologias que incriminam: olhares de reclusos na era do CSI. Coimbra: Almedina, 2012, p. 17: “Por isso, o acordo entre as partes (plea bargain) é uma espécie de pacto com o Diabo, algo de que todos os que fazem parte do sistema de justiça criminal têm perfeita consciência”. [5] Conferir o excelente trabalho de: CHUIERI, Rodrigo Cunha. Adimplemento Substancial: prática contratual e critérios qualitativos. Curitiba: Juruá, 2017.

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