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‘Não julgue o livro pela capa’, nem o precedente pela ementa: modelo Irac

O artigo aborda a importância da ementa no contexto das decisões judiciais, destacando sua função como resumo que pode não refletir adequadamente a complexidade e os detalhes do raciocínio jurídico contido na decisão completa. Os autores discutem a proposta de padronização das ementas pelo CNJ, inspirada no modelo Irac (Issue, Rule, Application, Conclusion), que visa melhorar a transparência e a precisão na comunicação dos precedentes. Ressaltam que confiar apenas na ementa pode levar a interpretações errôneas e recomenda a leitura integral das decisões para uma compreensão adequada da ratio decidendi.

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Se a decisão, a teor do artigo 489 do CPC e do artigo 381 do CPP, é composta por relatório, motivação/fundamentação e dispositivo, única parte que transita em julgado, aliás, então, qual é a função da ementa?

No direito brasileiro, a ementa deveria representar o breve resumo do julgado, contendo a síntese da premissa fática, da premissa normativa, do raciocínio aplicado e da conclusão, favorecendo a transparência, a localização e a consulta das razões (ratio decidendi) do precedente (vinculante ou persuasivo).

Nesse sentido, o Conselho Nacional de Justiça emitiu a Recomendação 154/2024 e o Manual de Padronização de Ementas (aqui), com a finalidade de “otimizar a utilização de precedentes nas decisões judiciais (…), facilitando a busca da jurisprudência, inclusive por meio de inteligência artificial. Para esse fim, é fundamental a padronização das ementas, em âmbito nacional”. A iniciativa assume, com ajustes, o modelo Irac (Issue, Rule, Application, Conclusion), amplamente utilizado nos EUA, orientando os membros do Poder Judiciário a produzirem ementas seguindo o protocolo:

“O cabeçalho deverá conter as seguintes informações sequenciais, preferencialmente com um máximo de quatro linhas e formatação com efeito versalete (small caps): área do direito; tipo de ação; tema geral; algum complemento necessário; solução do caso (ex: provimento, desprovimento). Os demais itens são autoexplicativos: I. Caso em exame: sumária descrição da hipótese (fato relevante e pedido); II. Questão em discussão: breve relato da questão ou questões controvertidas objeto da apreciação judicial; III. Razões de decidir: solução proposta e sucinta motivação; IV. Dispositivo e tese: conclusão do julgamento (provimento do recurso, desprovimento do recurso) e tese, quando for o caso

No entanto, diante da ausência de metodologia, treinamento ou coercitividade, prevalece ainda a ampla liberdade para elaboração de ementas, ocasionando divergências, ambiguidades e descolamento temático entre o caso decidido e o conteúdo da ementa. A ementa nem sempre reflete necessariamente a totalidade do raciocínio jurídico empregado pelo órgão julgador, nem cobre os pontos decididos, omitindo premissas, contextos, argumentos dominantes e dominados, prejudicando a identificação da ‘ratio decidendi’ (o núcleo da motivação e do fundamento adotado pelo Tribunal).

Nos Estados Unidos, os julgamentos não possuem “ementas” no mesmo formato utilizado no Brasil, por força das diferenças estruturais dos sistemas jurídicos common law (EUA) e civil law (Brasil), bem como às práticas culturais e técnicas de redação judicial (não estamos valorando; somente descrevendo). No sistema norte-americano, a força do direito está nos *precedentes vinculantes* (stare decisis), e as decisões judiciais são redigidas como ‘opiniões detalhadas’, cobrindo os fatos do caso, as regras, a aplicação ou raciocínio utilizado e a conclusão (em geral, votos concordantes e dissidentes em colegiados).

O precedente é o produto completo da deliberação, sem que haja a necessidade de uma “ementa” oficial, já que a íntegra do texto é o que importa para definir o holding (parte vinculante ou persuasiva da decisão), distinguindo o “obter dicta” ou “dicta” (argumentos ou comentários circunstanciais ou contingentes, sem efeito vinculante). A tradição do common law valoriza a descrição completa do raciocínio judicial que serve de orientação às futuras decisões em casos equivalentes.

O máximo que os operadores do Direito encontrarão são resumos temáticos (headnotes) produzidos por professores, profissionais ou empresas privadas que buscam sintetizar o conteúdo das decisões. Entretanto, não são oficiais. Em geral, o modelo assume o formato Irac (Issue, Rule, Application, Conclusion) que apresenta uma estrutura sistemática para analisar precedentes, por nós, apresentado em formato de tabela:

O modelo Irac aceita ajustes (ampliações ou restrições) associadas ao contexto do caso (complexidade, nuances, detalhes), auxiliando a extração, a organização e o arquivamento da ratio decidendi e dos pontos principais do precedente (vinculante ou persuasivo), garantindo a aplicação futura em casos equivalentes, além de mitigar erros decorrentes da má-compreensão das premissas (fática e normativa) do precedente invocado.

Um exemplo concreto pode tornar mais precisa a abordagem. No julgamento do caso Brady v. United States, em 1970, pela Suprema Corte, o resumo no formato Irac seria:

Guardadas as devidas proporções, a ementa pode ser comparada à sinopse de um filme ou à orelha de um livro, apresentando uma visão geral do enredo, do pano de fundo e da sequência de fatos, embora não consiga capturar todos os detalhes, fatos, argumentos, razões, diálogos ou reviravoltas que somente podem ser aferidas se assistido o filme por completo.

Por outro lado, o ditado popular: “não julgue o livro pela capa” serve como uma analogia para explicar por que não se deve avaliar um julgamento apenas pela ementa. Assim como a capa de um livro pode ser atraente, mas não revelar a complexidade da narrativa, os personagens ou os temas profundos explorados na obra, a ementa de um julgamento, sem o formato Irac, é apenas uma visão sintética e parcial da decisão judicial. Daí que a ementa, embora útil para uma primeira aproximação, não representa, nem substitui a leitura integral da decisão judicial, na qual deveriam estar descritas as premissas fáticas, normativas, o raciocínio judicial e a conclusão, especificado no caso analisado.

A ementa é um resumo que, como todo resumo, tende a omitir detalhes essenciais. O direito é um domínio que depende do contexto (espaço; tempo; dinâmica), dos argumentos apresentados e debatidos e do raciocínio aplicado à solução do caso. Em consequência, a mera referência a uma ementa amplia o risco de se confundir as premissas, com o uso descontextualizado, impertinente ou irrelevante, às vezes, ainda, precedido de um genérico ‘mutatis mutandis’ que serve de álibi retórico para evitar o dever de apresentar as razões que justificam a aplicação do precedente ao caso concreto.

Por exemplo, uma ementa pode destacar a prevalência de um princípio jurídico, mas não explicar o raciocínio aplicado em relação a outros princípios (ponderação, proporcionalidade etc.), causando ambiguidade e risco de aplicação mecânica e equivocada em casos futuros.

A ratio decidendi é o núcleo do fundamento da decisão, aquilo que efetivamente vincula casos futuros. A ementa, porém, nem sempre reflete com precisão essa razão de decidir. O uso excessivo, indevido ou exclusivo da ementa, em detrimento da análise da ratio decidendi, pode gerar um “efeito cascata”, em que um erro inicial se propaga e se amplifica, levando a interpretações equivocadas e à cristalização de inferências inválidas, comprometendo a pretensão de coerência e integridade do sistema de precedentes em casos futuros.

A ementa, a teor do artigo 489 do CPC, não substitui a fundamentação detalhada da decisão. Assim como não se deve julgar um livro pela capa, não se deve avaliar um julgamento apenas pela ementa. Ao se contentar com a ementa, o operador do direito pode estar ignorando a obrigação de analisar a motivação completa do julgado, permitindo que a aparência da decisão prevaleça sobre o conteúdo deliberado, indo na contramão do que se espera de um sistema de precedentes (análise contextualizada, crítica e específica de casos; orientação futura).

A ementa é um ponto de partida, raramente o ponto de chegada (ressalvados, no limite, os instrumentos de fixação de precedentes vinculantes: Repercussão Geral, ADin, ADPFs, IRDR e AC).

Luis Alberto Warat dizia que os julgadores, em vez de construir argumentos a partir de uma análise lógica e contextualizada das premissas fáticas e normativas associadas ao raciocínio judicial aplicado ao caso, muitas vezes se limitam a “citar decisões anteriores” como se fossem autoridade suficiente para justificar suas conclusões, situação rejeitada pelos artigos 489 do CPC e 315 do CPP, aptas a criar um ciclo vicioso de anemia lógico-racional:

As decisões judiciais se baseiam em outras decisões, sem questionar a ratio decidendi associada às premissas, argumentos e raciocínio empregado no precedente original; A autoridade do precedente é tomada como um dogma (axioma ou postulado), em vez de ser submetida a uma crítica racional e contextualizada ao caso concreto; A retórica da autoridade substitui a racionalidade do argumento (citar é citar-se); e, Ementas servem de suporte a casos dissociados de seus fundamentos de origem, produzindo decisões descontextualizadas.

Por consequência, quando o órgão julgador se limita a citar precedentes sem analisar o contexto original, corre o risco de aplicar inferências descontextualizadas, porque:

A ratio decidendi (razão de decidir) de um caso está diretamente associada à premissa fática da situação analisada, não necessariamente equivalente ao atual. Ao transplantar uma decisão para um contexto diferente, sem prévia análise crítica, o órgão julgador pode distorcer, ainda que culposamente, o sentido original do precedente; O efeito é a transformação da lógica de precedentes em um modelo mecânico de suposta coerência, com suporte em retórica de aparente solidez que impede o julgamento justo (fair trail) do caso concreto, inclusive por meio da efetiva participação das partes na construção do provimento judicial (a suposta autoridade do precedente é usada como um atalho para evitar o esforço da análise dos argumentos)

A racionalidade, que deveria ser o núcleo da decisão judicial, é substituída por uma retórica contundente e vazia, na qual a linguagem jurídica se torna um fim em si mesma, com citações de ementas que impressionam os mais desavisados, mas que não resistem ao olhar mais acurado (argumentos coerentes, consistente e aderentes ao caso concreto). O modelo decisório passa a funcionar como um sistema autopoiético (fechado), em que as decisões se referem umas às outras, sem conexão com a realidade do concreto) ou abertura crítica para o caso específico, de distinções ou de superações dos argumentos anteriores.

Em resumo, enquanto no Brasil a ementa é uma ferramenta de eficiência processual, nos EUA a integridade do precedente depende da leitura atenta da decisão completa, com primazia do texto integral sobre os resumos (“o diabo está nos detalhes”). Assim como a sinopse de um filme ou a orelha de um livro, a ementa serve como um guia inicial, mas nunca substitui a análise profunda e contextualizada do caso concreto.

O modelo Irac que serviu de inspiração ao CNJ pode melhorar a qualidade da transparência das decisões e qualidade da comunicação, desde que conte com a devida compreensão dos operadores jurídicos e a adesão efetiva, ainda tímida, dos órgãos julgadores (uma Resolução em vez de Recomendação do CNJ serviria de incentivo). Um sistema de precedentes efetivo demanda ajustes ao longo da implementação associada à coragem dos tomadores de decisão, contribuindo para que se realize, minimamente, as promessas de integridade e coerência. É o que esperamos.

*Na comunidade Criminal Player os modelos de linguagem (chats de jurisprudência e doutrina, equivalentes ao GPT4) resumem os precedentes no formato Irac, favorecendo a compreensão e se alinhando à diretriz da Recomendação 154/2024 materializada no Manual de Padronização de Ementas (aqui), com o fim de facilitar “busca da jurisprudência, inclusive por meio de inteligência artificial”. Confira gratuitamente como funciona aqui. O futuro chegou.

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