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Não podemos cair nas armadilhas paranoicas: o caso do menino Arthur

O artigo aborda a complexidade e os riscos do processo penal diante do clamor social no caso do menino Arthur, destacando como a polícia, em meio à pressão midiática, pode cair em armadilhas cognitivas ao antecipar conclusões sem evidências sólidas. Os autores discutem a reatividade de instituições policiais e os efeitos de práticas processuais inadequadas, evidenciando a necessidade de se respeitar garantias fundamentais e a legalidade durante investigações. Por fim, alertam para o impacto negativo dessas ações na justiça e na sociedade, demandando uma reflexão crítica sobre as abordagens tradicionais do sistema penal.

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Os direitos e as garantias fundamentais também não têm muito o que comemorar. O luto é diário. E, lamentavelmente, nesse caso não seria diferente. O clamor social e o apelo midiático se transformaram em fonte de ansiedade. E a Polícia Civil, incumbida de investigar, no afã de elucidar o fato emblemático, parece ter caído em uma triste armadilha do acaso (dessas que acontecem diariamente nos tribunais brasileiros).

É que, paralela e diversamente do lamentável fato ocorrido com Arthur, a Polícia Civil de São Paulo investigava outros crimes mediante o procedimento de interceptações telefônicas. Durante a escuta, um homem que estava com o telefone interceptado teria comentado em uma conversa que um conhecido estava desesperado porque teria efetuado disparos de arma de fogo para cima na noite da virada e temia ser o autor da morte da criança[2].

Pronto. Em uma cidade da dimensão de São Paulo, isso, e apenas isso, foi suficiente para a polícia sair às ruas, deter o suspeito, interrogá-lo e requerer sua prisão temporária. Trata-se de uma antecipação dos efeitos via pergunta-heurística, que manipulam a premissa e geram erros cognitivos[3], a saber, se alguém deu o tiro para cima, foi o autor do disparo que matou Arthur.

Serendipidade era o instituto jurídico que se amoldava ao clamor social e ao apelo midiático, pensaram os policiais. Será que tiveram tamanha sorte e, fortuitamente, encontraram a prova do terrível crime que ocorreu com o menino Arthur?

A hipótese estava levantada e, no processo penal inquisidor, infelizmente, ela vale mais do que os direitos e garantias fundamentais, como alinha Franco Cordero[4], tão bem trabalhado por Jacinto Nelson de Miranda Coutinho[5]. Conforme alerta Aury Lopes Jr.[6], trata-se de um erro grave capaz de criar um quadro mental paranoico, no qual os órgãos de investigação se contaminam por uma hipótese levantada e direcionam suas atuações para tentar justificar o que as certezas antecipadas querem acreditar. Aparentemente, foi o que de fato ocorreu. O Instituto de Criminalística verificou que a bala que matou Arthur não saiu da arma do suspeito, o Poder Judiciário negou o pedido de prisão temporária, e agora a polícia já descarta sua participação.

A teoria da serendipidade é utilizada quando, do cumprimento de alguma diligência investigativa, a autoridade policial encontra provas relativas à uma infração penal diferente da inicialmente investigada. Trata-se de tema complexo que provoca controvérsia na doutrina e jurisprudência. Ocorre que o fato só pode ser recebido como prova no mesmo processo se o delito descoberto for praticado pelo mesmo agente investigado ou se houver conexão entre as infrações, caso contrário, deve ser considerado como mera notitia criminis para deflagração de novas investigações[7].

O fato é que, ultrapassada a barreira da polícia, o primeiro julgador é a sociedade. Por isso, é preciso cautela no processo penal democrático. A hipótese levantada não pode ser levada ao cabo sem a realização de garantias, nem antecipados os efeitos. O processo penal (e o inquérito) deve desenvolver um papel contramajoritário[8] e não se deixar levar pela vontade deste ou daquele grupo, sob pena de inviabilizar o direito das minorias.

Não se pode começar um ano novo com práticas processuais velhas. Não é possível pensar em um futuro para o processo penal se continuarmos agindo com uma mentalidade do passado. O momento da investigação, como fase pré-processual, também se insere na noção de devido processo legal[9] e deve ter sua atuação dentro das margens da mais estrita legalidade, pois a resposta para o luto processual penal só pode ser dada pelo próprio direito. Um certo cuidado em antecipar os efeitos do que se acredita é o preço de se investigar e acusar em democracia.

[1] http://sao-paulo.estadao.com.br/noticias/geral,menino-de-5-anos-morre-atingido-por-bala-perdida-no-reveillon-em-sp,70002135948 [2] https://g1.globo.com/sp/sao-paulo/noticia/policia-pede-a-justica-prisao-temporaria-do-suspeito-de-matar-menino-com-tiro-durante-festa-de-reveillon-em-sp.ghtml [3] WOJCIECHOWSKI, Paola Bianchi; MORAIS DA ROSA, Alexandre. Vieses da Justiça: como as heurísticas e vieses operam nas decisões penais atuação contraintuitiva. Florianópolis: Emodara, 2018, 88p. [4] CORDERO, Franco. Guida alla procedura penale. Torino: UTET, 1986. [5] Em texto clássico: MIRANDA COUTINHO, Jacinto Nelson de. A lide e o conteúdo do Processo Penal. Curitiba: Juruá, 1998. [6] LOPES JUNIOR. Aury. Direito Processual Penal. 11. ed. São Paulo: Saraiva, 2014. p. 156. [7] No mesmo sentido, STJ, 5ª Turma, HC 33.462/DF, rel. min. Laurita Vaz, j. 27/9/2015, DJ 7/11/2005, p. 316. [8] CASARA. Rubens R. R. Processo penal do espetáculo: ensaios sobre o poder penal, a dogmática e o autoritarismo na sociedade brasileira. Florianópolis: Empório do Direito, 2015, p. 27. [9] ROSA, Alexandre Morais da. Guia do processo penal conforme a Teoria dos Jogos. 4 ed. rev. atual. e ampl. Florianópolis: Empório do Direito, 2017. p. 413.

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