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Quem você deixou de admirar no Direito em 2018?

O artigo aborda a complexa reflexão sobre a natureza da culpa e da humanidade através da carta de Otto Dietrich zur Linde, um torturador que, prestes a ser executado, busca compreensão para suas ações sob a influência da ideologia nazista. A narrativa revela a dualidade entre opressores e oprimidos, questionando a construção de um mundo melhor e a alienação provocada por discursos de poder. Por fim, provoca o leitor a confrontar sua própria história e as figuras que perdeu a admiração no contexto de uma sociedade marcada pelo terror e pela desumanização.

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Neste olhar perdido no horizonte, no desejo de preencher o vazio, o escritor argentino Borges aponta a carta escrita por Otto Dietrich zur Linde (Deutsches Réquiem[1]), herdeiro de uma família de militares honrados que morreram, na sua maioria, em batalhas heroicas na defesa da pátria alemã. Ele, contudo, foi condenado a ser fuzilado como torturador e assassino. Na véspera de sua execução, escreve uma carta.

Não reclama do julgamento do tribunal, o qual agiu de forma correta — como afirma —, até porque desde o início se declarou culpado. Não quer a absolvição ou clemência: quer ser compreendido; quer explicar sua motivação de agir, sem temor e/ou pretensão de ser perdoado, porque não há culpa nele. Nascido em 1908, narra seu crescimento na Alemanha, o contato com Brahms e Schopenhauer, a influência poética de Shakespeare; em 1927, toma contato com o pensamento de Nietzsche e Spengler e, então, em 1929, entra no partido.

Narra sua formação e a absoluta falta de vocação para a violência. Compreendeu, todavia, que estava a bordo de um novo tempo, comparável às épocas iniciais do islã ou do cristianismo e por isso exigia homens novos; homens com a esperança de construir um mundo melhor. Apesar da ausência de admiração pelos companheiros, já não eram mais indivíduos, mas homens a serviço de uma causa e a espera da guerra inexorável que provaria a fé. Bastava a certeza de que seria um soldado de suas batalhas.

O azar ou o destino lhe tirou essa possibilidade ao receber um tiro que varou sua perna, a qual foi amputada. Enquanto a Alemanha entrava na guerra, estava no hospital lendo Schopenhauer e na borda da janela dormia o símbolo de seu vão destino: um gato enorme e fofo. Depois de muito meditar sobre a motivação da amputação, acreditou entender: morrer por uma religião é mais simples do que a viver na plenitude.

Pouco tempo depois foi nomeado, em 7 de fevereiro de 1941, subdiretor do campo de concentração de Tarnowitz, no qual o exercício do cargo não lhe foi muito grato, porém — disse —, nunca pecou pela negligência. O covarde se prova entre as espadas; o misericordioso, o piedoso, busca o exame dos cárceres e da dor alheia. O nazismo, intrinsecamente, é um fato moral, um se despojar do velho homem, que está viciado, para vestir o novo. E no campo de concentração a piedade surge; a piedade pelo homem superior é o último pecado de Zaratrusta.

Confessa que quase o cometeu quando mandaram para seu campo de concentração o poeta David Jerusalém, homem de 50 anos, pobre de bens do mundo, perseguido, negado, mas que se alegrava com cada coisa da vida, com minucioso amor… Homem de memoráveis olhos, de pele citrina, de barba quase negra, protótipo de judeu sefardi, se bem que pertencia aos depravados ashkenazim. Afirmou com orgulho que foi severo com ele, sem que a compaixão ou a glória fossem motivos para abrandar a aflição imposta. No final de 1942, ele perdeu a razão, e em março de 1943 logrou morrer.

Ignorava se Jerusalém compreendeu que, se o destruiu, foi para destruir sua própria piedade, porque ante aos seus olhos não era um homem nem sequer um judeu, havia se transformado no símbolo de uma detestada zona de sua própria alma. Agonizou com ele, morreu com ele, de algum modo perdeu com ele… Por esse motivo foi implacável.

Enquanto isso girava sobre sua atmosfera grandes noites de uma guerra feliz, um sentimento parecido com o de amor; de esperança em dias melhores; tudo era distinto, até o sabor dos sonhos… Com a derrocada do Terceiro Reich, alguma coisa ocorreu que, enfim, acreditou entender. Pensou que a derrota lhe satisfazia porque o redimia do castigo. Contudo, esbarrou com o verdadeiro motivo: todos os homens nascem aristotélicos ou platônicos e, disso, ninguém escapa, nem ele. E, assim, deu-se conta de que Hitler, acreditando estar lutando por um país, lutou por todos, ainda aqueles que agrediu e detestou: a luta contra o judaísmo que foi combatida com a fé na espada. Para um mundo melhor, é preciso destruir muitas coisas, para somente então se edificar a nova ordem. Agora ele sabia que a Alemanha era uma dessas coisas. Tinham dado algo mais que nossa vida, tinham dado a sorte do querido país. Que uns maldigam e outros chorem, a ele regozijava que o dom alemão fosse perfeito.

O mundo se encobria de uma época implacável e disse: nós a forjamos e somos agora suas vítimas; se a vitória, a injustiça e a felicidade não eram para a Alemanha, que sejam para outras nações; que o céu exista ainda que nosso lugar seja o inferno. Termina dizendo: olho minha cara no espelho para saber quem sou, para saber como me portarei dentro de umas horas, quando me enfrentar com o meu fim. Minha carne pode ter medo, eu não.

Neste conto de Borges, percebe-se que a esperança em um mundo melhor não realizado, mas possível, permeia tanto a ação do opressor como do oprimido, que acabam, mudando-se alguns nomes próprios e datas, por inverter seus papéis, na alienação nossa de todos os dias. O fascínio do viés destrutivo seduz… e mata. O que se deve dar conta é que o mundo gira e no futuro a coisa pode se complicar, justamente porque o poder somente se exerce e, de um dia para o outro, perde-se. E aí quem você tratou como inimigo…

Se você foi criado para ter medo e ser aterrorizado, precisa se olhar no espelho e contar sua história de vida, dos seus antepassados, para se posicionar e, quem sabe, se for capaz, ter coragem, vergonha e/ou nojo. Fazer uma lista de quem você deixou de admirar e/ou respeitar e os motivos ajuda a situar sua vida.

[1] BORGES, Jorge Luis. Narraciones. Madrid: Cátedra, 2001, p. 161-168.

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