Artigos Conjur – Limite Penal: Duração razoável sem contrapartida é prometer amor

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Limite Penal: Duração razoável sem contrapartida é prometer amor

O artigo aborda a questão da duração razoável do processo penal, ressaltando como a percepção do tempo varia entre os envolvidos no sistema judiciário, especialmente acusados e vítimas. Discute a necessidade de medidas compensatórias para garantir que a lentidão processual não se torne uma forma de tortura psicológica, destacando a importância de um olhar mais humano e reflexivo sobre o tema. Os autores argumentam que promessas de duração razoável sem ações efetivas são vazias e requerem um engajamento real dos atores processuais.

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Basta lembrar da primeira vez em que dirigimos um carro. O que era uma atividade do S2 nas primeiras vezes, com o tempo, passa a ser uma atividade realizada pelo piloto automático. E dirigimos sem pensar. Ainda que os sistemas (S1 e S2) trabalhem em sequência, por sermos humanos, não se problematiza muito, justamente porque a resposta pronta está dada. Modificar exige tempo e esforço mental. No campo do processo penal esse modo de pensar leva muitas vezes a erros (vieses), dado que a reflexão não é acionada. Isso porque a atenção é cara e escassa[1].

Daí que podemos entender como a construção do estereótipo acusado (perigoso, criminoso, condenável etc.) faz com que não se dê muita importância às prisões cautelares, tidas como necessárias. Recentes dados do Conselho Nacional de Justiça mostram que já estamos no pódio mundial de presos, na sua boa parte cautelar. A absolvição de pessoas ao final do processo ou mesmo em segundo grau não é raridade. Mas, simplesmente, na lógica dos atores jurídicos, acontece. É uma externalidade negativa do sistema processual penal. Opera-se, no tocante à cautelar, munido do S1, sem esforço, na facilidade retórica da decretação da prisão.

Com Sylvio Lourenço da Silveira Filho escrevi um livro denominado Medidas compensatórias da demora jurisdicional: a efetivação do direito fundamental à duração razoável do processo penal[2], em que mostramos que a dimensão temporal é culturalmente apreendida e que varia conforme a posição subjetiva. As coordenadas fabricam sistemas de pensamento que servem racionalmente para dar sentido e diminuir a complexidade, embora não consigam expressar a dimensão pessoal do impacto do tempo. A partir da noção de perspectiva (espacial) e expectativa (temporal), vinculadas na representação racional moderna, as quais se encontram imbricadas, pode-se apontar as compreensões do tempo.

A sensação do tempo depende de diversos fatores pessoais e, por isso, não compartilhados, podendo-se apontar as variáveis da idade, gênero, profissão, ansiedade, estresse, rotina, atividade realizada, lugar de sua realização, em suma, cenário e contexto da experiência de tempo. Assim é que, para o acusado, o prolongamento do processo pode ser compreendido de maneira diversa dos jogadores processuais (Ministério Público, Defensor, Advogado, Magistrado).

A garantia da Duração Razoável do Processo, aparentemente inserida pela Emenda Constitucional 45, não se trata de novidade, dado que já discutida em diversos âmbitos, especialmente na Europa. Ademais, prevista nos documentos internacionais, embora ignorada pelo senso comum teórico (Warat). Na verdade, prometer-se a duração razoável sem medidas compensatórias é o mesmo que se prometer amor. Para além do Direito (ao amor ou à duração razoável do processo) é preciso estabelecer-se as garantias. Em ambos os casos, todavia, diante da ineficácia dos mecanismos de garantia, muitas vezes o Direito não se efetiva. A luta para que o processo possa acontecer em padrões que reduzam o sofrimento, contudo, varia conforme a posição subjetiva do ator processual.

O sofrimento experimentado pelo acusado ou pela vítima é manifestado desde seu lugar de implicado (interno). Por outro lado, tanto Ministério Público, Magistratura e Defensoria (pública ou privada), normalmente, tratam o processo singular do acusado e da vítima como sendo mais um. Apenas mais um na rotina diária de enfrentamento da avalanche processual, movido, então, pelo S1. Com a criminalização do cotidiano, das relações afetivas e do incremento dos tipos penais, cada vez mais nos arrostamos com o aumento do número de ações penais. O que pode ser um problema de gestão para alguns, externos ao processo, para os internos – acusado e vítima — a questão é de vida ou morte. E o tempo é um paradoxo. Nem muito rápido que impeça a reflexão, nem muito longo que não faça sentido. Nesse contexto, a luta pelo razoável esbarra nas motivações dos sujeitos do mundo da vida e dos sujeitos processuais. Na fusão de horizontes em que o processo é o palco, não raro a angústia autêntica é só dos diretamente envolvidos, os quais possuem a perspectiva interna, principalmente o acusado.

Logo, como apontam André Nicollit e Aury Lopes Jr., dentre outros, há uma diretriz constitucional que se integra ao patrimônio da dignidade da pessoa humana e que está para além da gestão de processos. As vidas que se escondem por detrás dos números precisam ser resgatadas. Daí a pretensão é a de reler o instituto com cuidado (Tania da Silva Pereira), tanto para os envolvidos diretamente como para os demais. E é preciso fazê-lo resgatando a origem, discussões e critérios para o enfrentamento da duração demasiada do processo, estabelecendo-se mecanismos de mensuração e compensação (dentre eles a atenuante genérica do artigo 66 do Código Penal, consoante explicamos no livro com Sylvio Lourenço). Essa é uma forma de mitigar os nefastos efeitos que um processo causa. Até porque a maioria dos acusados ocupa o lugar de Josef K, de Kafka, ou seja, não entende o que se passa, salvo que demora muito.

Nos julgamentos pelo Tribunal do Júri, o paroxismo chega ao ponto de, em muitos casos, o sujeito ser processado, com recebimento da denúncia, instrução e decisão de pronúncia, mas, em plenário, o membro do Ministério Público requerer a absolvição. A absolvição, nesse contexto, não significa direito à indenização, conforme a posição majoritária. Simplesmente se roubou o tempo da vida do sujeito, por aplicação irrefletida do S1.

Precisamos, definitivamente, falar sobre a duração razoável do processo. Isso porque se o acusado inicia a partida processual com a presunção de inocência, a demora no desfecho do processo é uma forma de tormento torturante e deve ser mitigado com medidas paliativas, sob pena de praticarmos a tortura psicológica com a demora processual. Para tanto, precisamos compreender os lugares e nos implicarmos nas posições, especialmente de garantes, para que tudo não passe de uma promessa de amor.

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