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Por um jurista que desconfia do que vê e faça prova de si mesmo

O artigo aborda a importância do autoquestionamento para juristas, que muitas vezes se veem como detentores de uma verdade absoluta por meio da Norma. Alexandre Morais da Rosa alerta sobre os perigos da rigidez mental e da confiança excessiva, enfatizando a necessidade de se desconfiar das próprias percepções e de realizar um “teste da realidade” para evitar delírios de grandeza. Assim, o autor defende um olhar crítico sobre o Direito e a construção de narrativas, destacando o desafio de se manter a humildade diante da complexidade das relações humanas e do poder.

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O desafio será explorar o desconhecido, as ideias diferentes, as perspectivas que desalinham o nosso modo tão seguro (e, quem sabe, ingênuo) de achar regularidade (consonância) em conformidade com nossas crenças preliminares. O sujeito pode achar que é portador de luzes que não foram dadas a outros mortais, que dispõe de capacidades cognitivas especiais ou mesmo iluminação por entidades transcendentes (Deus, seres mitológicos, espíritos-mestres, extraterrestres etc.), assim como o juiz Scherber. É necessário muito autoquestionamento, porque é fronteiriço esse estado que pode tomar contornos de delírio de grandeza e excesso de confiança. Aliás, sabe-se que um dos critérios para que se saiba que não se padece dessa condição é, mesmo, a constante dúvida acerca de suas próprias percepções: o “teste da realidade”. Essa atividade de se autoconfrontar deve levar o sujeito a se enxergar cruamente e a perceber os próprios delírios — o que é sinal de “salvação de si mesmo”, de seu próprio mundo, e de que ainda se encontra na realidade. Mas também a rigidez mental pode ser a fissura subjetiva do jurista que, por lidar com a norma, que estatui, conforma, sente-se na posição de um semideus: ele “sabe o que é”, sabe o que “é a verdade do caso”, sabe o que é o certo, tudo “porque está escrito”.

Nesse sentido, a substituição do grande ente moral unificador divino foi substituído pelo Estado e pela Norma posta. Mas ainda o jurista se arroga o grande glosador do que é e do que deve ser. Sua atividade de parecerista junto à grande Norma lhe alça a alguém diferente dos comuns mortais, esses que não dominam o sistema, que não entendem a estrutura das coisas, que não entendem o grande poder que lhes pode expropriar o patrimônio, os filhos, salário, o deus secular ocidental, em que a democracia garante o culto monoteísta.

Daí o complexo de divindade daqueles que lidam com Esta, a Norma, a-que-tem-a-última-palavra, toda. Dizendo isso é que se pode compreender porque cada vez mais é comum no universo jurídico gente que não mais aposta no procedimento, que a verdade, entendida como consonância perfeita com um ato pretérito, só é possível reavivar em fragmentos e mediante construção comunicativa de sentidos. Fato é que conhecer é poder, e o jurista, por conhecer, caminha nas bordas da deformação que o peso do poder provoca. Aliás, a força do poder substitui a da realidade, e o jurista se tornou perito em dar as roupagens da ocasião a fatos. Esses, que creem em uma entidade mítica superior, que regule o juízo em última análise, de algum modo deveriam então confiar mais na justiça superior (um dia virá, se for o caso) e parar de se arvorar no lugar daquele que tudo sabe.

Porque não pensar por outra mirada: se acredito num Ser superior que trará justiça, “ainda que tardia”, não posso querer fazê-la agora, fora das regras dos homens — ou não? — apenas de acordo com a minha convicção, eu, semideus. Quando se julga além do que se pode provar, é como se dissesse “eu sei o que aconteceu, mas como a justiça suprema vai demorar, eu a executo agora”, ou “eu executo o que sei ser a justiça suprema”, e essa operação entra quando as provas falham. É mais justo admitir sua impotência, sua humilde condição de mero sujeito, e seguir as regras. Esse é o grande risco de o jurista, “o escolhido”, fazer “justiça com as próprias mãos” — meio não houve para que a justiça fosse feita (não houve elementos), então eis aí as próprias mãos do Juiz, entregues a fazer a justiça. Os donos da verdade se arvoram em enunciar o mundo como ele é aos seus próprios olhos, agindo de forma intolerante com o diferente, até mesmo no dissenso.

O mundo é complexo, cada vez mais descobrimos que as verdades sedimentadas foram superadas, mas em nosso mundinho, talvez, tenhamos “cegueira cognitiva” para manter as verdades costumeiras: o grande problema disso é quando, diante de si, tem-se o outro, para julgá-lo. O universo das relações humanas é multifatorial para afirmações definitivas. Se você olhar ao seu relógio agora, será que a hora é a correta? Tente. E as horas não representam o tempo, mas a convenção coletiva acerca do tempo: em última análise, nos pautamos sempre sobre o que alguém disse — seja a ciência, o autor, o livro, a novela, o amigo… Nenhuma opinião se forma sem que um enunciador enuncie — e isso é linguagem — e daí lhe convença de algo; ainda que nos rebelemos contra enunciadores e enunciados, ainda assim há sempre um enunciador a criar um enunciado, um estatuto, convicção em que me apoio, e dele parto para o seguinte, ou não. A grande questão é a flexibilidade que se tenha a ter consciência desse processo, e de quem você é nele e, principalmente, de que sempre se é produto de algum enunciado, ou do conjunto deles. O produto de todos eles em cada um é que parece ter a cor e o sabor particulares. Ou quem nunca detestou um enunciado verdadeiro porque o enunciador é um desgosto em pessoa? Ou quem nunca aceitou uma boa mentira porque o enunciador é uma pessoa cortês? Ou seja: mais importa é o que fazemos dos enunciados, dos significantes que condicionam nosso agir no mundo. Esse é o fator que mostra o quanto a interação é determinante, aliás.

Sublinho essas questões porque no processo público de verdades construídas “a minha verdade”, embora vestida corretamente de roupagem democrática, tem gerado um impasse, em que a enunciação tomou moldes de um mau combate, porque é inconsistente, em que tudo é decidido pelo protagonismo de verdade de alguns poucos. Na guerra de narrativas, uma má narrativa não pode prevalecer. Porque ainda que se tenha o poder de enunciar na vida pública, decidindo, existem balizas históricas que apitaram quando forem ultrapassadas. O poder, a força, tem um histórico de horror desde que nas mãos dos seres humanos. E daí se falar em garantias que as tradições — as enunciações-acordo feitas — sejam limites para os enunciadores do momento. As certezas tão evidentes, tão próximas, geram o deslumbramento delirante do enunciador que comparece, todos os dias, no campo do Direito Penal, e não faz o teste da realidade.

Acostumar os olhos a ver mais longe, antecipar as dificuldades, passa a ser o desafio de uma geração que se nega a delirar, como antes, como hoje, em cada opinião lotada de verdade. Esvaziar as verdades a priori talvez possa ser uma das tarefas do devido processo legal. Um critério é útil — em situações de dúvida, lá no íntimo, com o que será mais confortável conviver: o peso de uma condenação errada ou o peso de uma absolvição errada? É a resposta a essa pergunta que pode ajudar a separar o ideológico do técnico. Mas, quando o sujeito já sabe da verdade, o devido processo é da ordem do estorvo. Delírios sinceros me interessam, e contaminam. Desconfiar do produto é a recomendação das ciências exatas, que exigem a prova real das operações para que se enuncie nessa linguagem. Daí que ressalto a necessidade, na ciência jurídica, de um jurista que faça a prova real de si mesmo, o teste da realidade, para que se salve de si mesmo enquanto andar nas bordas limítrofes do poder: a cidade dos Reis, em que se pode se perder olhando apenas para seu próprio reflexo.

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