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O estranho caso do RHC109.530 (STJ)

O artigo aborda a problemática da aplicação da teoria dos precedentes no Direito Processual Penal, destacando a necessidade de respeitar as garantias constitucionais e os princípios que regem o sistema penal. Os autores discutem o caso RHC 109.530, analisando como decisões recentes do STF e STJ podem prejudicar direitos dos acusados, especialmente no que se refere à retroatividade de precedentes que afetam a prescrição penal. A crítica central reside na potencial criação de uma “vulnerabilidade precedental” que compromete a proteção das liberdades individuais no contexto judicial.

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Inicia-se afirmando o óbvio: a teoria dos precedentes penais deve observar a sistemática normativo-constitucional do Direito Penal e do Processual Penal. Ora, o Estado legisla, investiga, acusa e julga — caberia ainda a ele alterar as regras da partida processual em seu curso? Nesse cenário, sob pretexto de tratar da aplicação da teoria dos precedentes à seara processual penal, o ensaio trata da necessária percepção segundo a qual a teoria dos precedentes penais deve sofrer necessária influência da carga principiológica e valorativa de modo distinto do processo civil, porquanto diversas as balizas constitucionais.

Com o Código de Processo Civil de 2015 (CPC/2015, artigo 489, §1º, V e VI), restou clara a tentativa de inserir na cultura jurídica brasileira conceitos do Common Law relativos aos precedentes, tais como a distinção (distinguishing) e a superação (overruling), diretamente conectados ao dever de fundamentação das decisões judiciais. (CR, artigo 93, IX). Nessa senda, alguns buscaram na aplicação subsidiária do Processo Civil ao Processo Penal (CPP, artigo 3º) o acesso formal a essa realidade dos precedentes. Fato é que, diante da sistemática dos recursos repetitivos e até mesmo do dever de autorreferência e boa-fé dos julgadores, a teoria dos precedentes vem sendo aplicada ao Direito Processual Penal.

Há perigos, contudo. E tais perigos se avolumam quando os intérpretes das normas e dos precedentes olvidam que o sistema penal possui perspectivas normativas próprias, com um Direito Constitucional Penal e Processual Penal muito mais voltado à proteção da liberdade e dignidade do sujeito em relação ao qual se dirige a atuação estatal — seja legislativa, investigativa, persecutória ou judicante. Mas o que houve no tal estranho caso do RHC 109.530/RJ mencionado inicialmente?

Tudo se inicia antes mesmo do julgado que se pretende tratar: no STF, no HC nº 176.473, sob relatoria do ministro Alexandre de Moraes. Nesse caso, rompeu-se com a normatividade dos precedentes nessa temática e com a própria literalidade penal, para se entender pela interrupção da prescrição no acórdão confirmatório da sentença condenatória. Com efeito, a posição anterior era profilática, estimulando os sujeitos processuais interessados no cumprimento de pena a diligenciarem pela razoável duração processual penal e pela retirada da “espada de dâmocles” processual penal do pescoço do jurisdicionado, seja lá qual fosse o resultado processual. Contudo, com a mencionada guinada jurisprudencial ocorrida no STF em 24 de abril (fim do plenário virtual), o debate agora mudara seu julgado de referência.

É nesse ponto que o “O estranho caso dos EDcl no AgRg no RHC nº 109.530” passou a tomar forma, a pretexto da “(n)ecessidade de adequação da jurisprudência deste Tribunal ao entendimento firmado pela Suprema Corte, de modo que o acórdão que confirma a condenação seja considerado, também, marco interruptivo da prescrição” (trecho da ementa), o STJ acolheu os embargos de declaração com efeito infringente do mérito para afastar a ocorrência da prescrição da pretensão punitiva anteriormente reconhecida, em 26 de maio.

Para que não reste dúvidas, demarca-se o campo processual:

I) Marco Processual 1 — O STJ, por sua 5ª Turma, reconheceu a prescrição em favor do acusado no dia 12 de novembro de 2019;

II) Marco Processual 2 —Em 27 de novembro de 2019, foram opostos os embargos de declaração nos autos pelo órgão de acusação buscando efeito infringente no mérito por suspostamente existirem “omissões”, por inexistência de amparo legal e por afirmar que a posição do embargante equivaleria ao “atual entendimento que vem se firmando no Supremo Tribunal Federal, no sentido de que o acórdão confirmatório da condenação constitui marco interruptivo da prescrição” (conforme relatório no EDcl no AgRg no RHC nº 109.530/RJ) — ou seja, naquela data da oposição do recurso aclaratório, o embargante alegava um posicionamento do STF que poderia vir a se formar (ou não)…

III) Marco Processual 3 — posteriormente, em 24 de abril deste ano (fim do julgamento virtual), o Plenário do STF alterou os parâmetros interpretativos da prescrição com notório prejuízo aos acusados em geral. Ou seja, trata-se da uma mudança maléfica à defesa diante do Estado quem como se disse, já legisla, investiga, acusa e julga.

IV) Marco Processual 4 — Finamente, no dia 26 de maio, a 5ª Turma do STJ volta a se pronunciar sobre a matéria, mas aplicando o precedente maléfico superveniente de modo retroativo e prejudicial ao acusado.

Diante dos quatro marcos processuais indicados, deve ficar claro ao leitor: à época do marco 1 (decreto prescricional pelo STJ), inexistia o precedente invocado, o qual, de fundo penal, sobreveio de modo extremamente nocivo à defesa. Isto é, mesmo que se alegasse a omissão na análise de precedentes utilizando como parâmetro subsidiário a lógica processual civil (CPC/2015, artigo 1.022, p.u., I e II), diante dessa “nova” funcionalidade dos embargos dos declaração no cenário dos precedentes, inexistiria omissão jurisprudencial contemporânea ao julgado a ser saneada quando da oposição dos embargos de declaração.

Cabe invocar, ainda, as regras da Lei de Introdução às normas do Direito Brasileiro (LINDB): a) “Artigo 23 — A decisão (…) judicial que estabelecer interpretação ou orientação nova sobre norma de conteúdo indeterminado, impondo novo dever ou novo condicionamento de direito, deverá prever regime de transição quando indispensável para que o novo dever ou condicionamento de direito seja cumprido de modo proporcional, equânime e eficiente e sem prejuízo aos interesses gerais”; b) “Artigo 24 — A revisão, nas esferas administrativa, controladora ou judicial, quanto à validade de ato, contrato, ajuste, processo ou norma administrativa cuja produção já se houver completado levará em conta as orientações gerais da época, sendo vedado que, com base em mudança posterior de orientação geral, se declarem inválidas situações plenamente constituídas”.

Assim, se por um lado um novo precedente possa vir a ser objeto de discussão em sede de embargos de declaração, por outro, a lógica dos precedentes na área sob análise deverá observar também a sistemática constitucional dos Direitos Material e Processual Penal, tais como a lógica da irretroatividade maléfica (CRFB/1988, artigo 5º, XL: “a lei penal não retroagirá, salvo para beneficiar o réu”) e demais garantias penais, além das disposições da LINDB.

Com efeito, a lógica dos precedentes do Processo Civil foi reprisada no artigo 315 do CPP. Isso não significa dizer, repita-se, que o arcabouço normativo-interpretativo será o mesmo. O cenário normativo-constitucional é distinto e, assim também distinta deve ser sua aplicabilidade. Até mesmo a gestão da “teoria do caso” no Direito Processual Penal exigirá forte análise da concretude de cada situação sub judice.

Por outro lado, o “estranho caso” da aplicação retroativa do entendimento maléfico ao acusado ainda parece possuir outro ponto preocupante: a ausência de contraditório qualificado na formação e aplicação dos precedentes. Ora, se os embargos de declaração foram opostos em 27 de novembro de 2019, e a determinação de intimação do embargado para contraditório ocorrera em 5 de maio de 2020 (conforme sítio eletrônico do STJ) sem que ainda fosse disponibilizado o inteiro teor do precedente do STF, aparentemente não foi dado às partes a possibilidade de debate qualificado sobre a ratio decidendi do superveniente precedente do STF, posterior à oposição dos embargos.

Mesmo se compreendendo que o novo precedente poderia ser aplicado de ofício, isso não deveria retirar o direito das partes — principalmente a parte prejudicada — de se pronunciar analiticamente sobre a razão de decidir do caso que veio a ser invocado pelo STJ. Embora tal conclusão decorra do direito ao contraditório e ampla defesa constitucionais (CR/1988, artigo 5º, LV), a inspiração subsidiária do artigo 10 do CPC/2015 poderia servir à iluminação do contraditório qualificado para aplicação e interpretação dos precedentes na seara penal. É nesse sentido que se falaria de um processo colaborativo e policêntrico no Direito Processual Penal na aplicação-interpretação dos precedentes, porquanto o “cooperacionismo processual” implicaria em “redimensionar o contraditório”.

Não bastassem as criticadas retroatividade maléfica do precedente penal e ausência de contraditório qualificado sobre a ratio decidendi do precedente maléfico superveniente, o caso tem incalculável impacto sobre revisões criminais. Se antes existia uma certa resistência jurisprudencial por aceitar a retroatividade dos precedentes nessa seara, agora o cenário parece ter mudado: se (inconstitucionalmente) neste “estranho caso” o precedente penal maléfico retroagiu para prejudicar, por que não retroagiria para beneficiar à luz do artigo 5º, XL, da Constituição?

Outrossim, para uma teoria dos precedentes penais constitucionalmente adequada, diante da carga objetivo-interpretativa do STJ e do STF em suas competências judicantes sobre a lei federal e da Constituição, a (ir)retroatividade dos seus respectivos precedentes penais deve, insofismavelmente, passar pela análise da: I) irretroatividade das posições malignas à defesa; e II) pela retroatividade das decisões benignas e interpretações favoráveis in favor libertatis, sob pena de criação de uma trágica “vulnerabilidade jurisprudencial” ou “vulnerabilidade precedental” (com o perdão pelo neologismo proposto) aos acusados no Direito Processual Penal, isso como forma de vulnerabilidade processual diante da guinada trágica e inadvertida da famigerada ”jurisprudência banana boat“ lesiva à expectativa pró-liberdade do cidadão alvo da persecução penal. Assim sendo, qualquer proposta de teoria penal dos precedentes deve estar em conformidade com o inciso XL do artigo 5º da Constituição, com suas respectivas regras de (i)rretroatividade, e demais garantias processuais penais.

Com efeito, a teoria processual penal já apontava para a possibilidade de retroatividade dos precedentes penais benignos por decorrência do favor rei e, agora com o ”estranho caso“ comentado, parece inexistir obstáculo contra tal argumentação em sede de revisão criminal pró-réu. Resta aguardar os impactos do caso, inclusive no cenário dos juízos de execução, porquanto a aplicação da novatio legis in melius ou do precedente benigno cabe ao juízo da execução (LEP, artigo 66; STF, verbete sumular nº 611).

Desse modo, regressando ao ponto de partida, se o Estado legisla, investiga, acusa e julga, não é dado a ele próprio alterar as regras do jogo contra as liberdades do sujeito durante a partida do jogo processual penal. Dito de outro modo, os precedentes judiciais maléficos à defesa não podem ter eficácia retroativa no Direito Penal e Processual Penal por ordem constitucional (artigo 5º, XL), sob pena de indevida ofensa às garantias constitucionais, configurando duvidosa inovação do ”dono da bola“, inadmissível no fair play aguardado pelo devido processo legal.

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