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Callegari e Linhares: As joias da Coroa e as tipificações penais

O artigo aborda a polêmica em torno das joias introduzidas no Brasil por assessores do ex-presidente, questionando se houve lavagem de dinheiro, descaminho ou peculato. Os autores discutem as possíveis implicações legais das condutas envolvidas, considerando a falta de declaração de bens e a natureza dos itens como doações ao Estado. Por fim, examinam se a ocultação dos bens poderia caracterizar a lavagem de dinheiro, analisando o impacto sobre a ordem socioeconômica e a administração da justiça.

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Diante da repercussão do caso das joias introduzidas no país por assessores do ex-presidente da República, tem sido por alguns setores da imprensa levantada a indagação de se, nesse contexto, pode ter sido praticado o delito de lavagem de dinheiro. Há circunstâncias a serem ainda apuradas em relação a tal fato, bem como outros a esse semelhantes. Mas a questão é polêmica e merece algumas digressões para se chegar a uma conclusão, ainda que preliminar.

Em primeiro lugar, esclarecemos que o delito de lavagem de dinheiro pode ser conceituado como aquela conduta destinada a dar aparência de licitude a bens, direitos ou valores que são procedentes de uma atividade delitiva prévia; ou seja, a lavagem tem como antecedente um delito praticado e gerador dos ativos a serem lavados. Feita essa conceituação inicial, deve-se indagar, agora em relação ao específico caso em exame, se houve a prática de algum crime antecedente que possa dar vez a eventual lavagem de dinheiro.

Ao analisar as condutas até então noticiadas, em tese praticadas para introduzir objetos de elevado valor no país sem a devida declaração à Receita Federal, em se considerando tais bens como de propriedade privada, estaremos diante de um possível crime de descaminho (artigo 334, CP), que se traduz no ato de “iludir, no todo ou em parte, o pagamento de direito ou imposto devido pela entrada [no País], pela saída [do País] ou pelo consumo de mercadoria”.

Como não teria havido o pagamento do tributo devido quando da introdução da mercadoria no país (no caso, as joias), poder-se-ia então cogitar da consumação de crime de descaminho no momento da entrada irregular dos itens de valor no país. Diante disso, teríamos aqui um possível delito antecedente, apto a possibilitar uma posterior prática do delito de lavagem, se condutas dessa natureza fossem verificadas.

Por outro lado, esse caso possui uma peculiaridade: os bens doados por autoridade de Estado estrangeiro a autoridade do Estado brasileiro, sobretudo quando a doação ocorre em atos oficiais do governo, devem ser considerados parte do patrimônio da Presidência da República e, com isso, incorporados ao acervo da presidência, conclusão que se extrai da legislação brasileira sobre o assunto, bem como do entendimento já manifestado pelo TCU (Tribunal de Contas da União).

Em outras palavras, tais bens pertenceriam ao Estado brasileiro, e não ao acervo privado da pessoa do presidente. Aqui, o problema do caso reside na possível falta de declaração nesse sentido, elemento indicativo de que o objetivo poderia ser a posterior apropriação dos bens, fato que caracterizaria o delito de peculato — ou seja, a apropriação, por funcionário público, de bem móvel de que tem a posse em razão do cargo.

Para além da possível ocorrência do crime de peculato, surge ainda o questionamento sobre eventual prática de crime de lavagem de dinheiro. Afinal, em uma avaliação do elemento subjetivo do crime de lavagem (ou seja, se os atos foram praticados com o objetivo de ocultação ou dissimulação), pelo que se tem notícia até o momento, a finalidade precípua pode realmente ter sido a de ocultação; tanto é que também se noticiou que outros bens já haviam sido introduzidos no país, e, ao que parece, só não foram descobertos porque não se sujeitaram ao crivo da fiscalização da autoridade aduaneira — ou seja, a introdução de tais bens parece ter ocorrido de forma oculta.

O problema subjacente é verificar se esta ocultação tinha por fim dar posterior aparência de licitude aos bens provenientes da atividade delitiva anterior, porque, do nosso ponto de vista, a mera ocultação por si só não tipifica a lavagem de dinheiro. Exige-se uma finalidade específica, que coloca em jogo o bem jurídico tutelado por este delito. Nesse caso, se entendermos que o bem jurídico tutelado pela criminalização da lavagem é a administração da Justiça, então poderia ser fundamentada uma ofensa ao bem tutelado em razão de a introdução de bens escamoteados no país impedir (ou dificultar) a descoberta de delitos antecedentes pelos órgãos de persecução. Da mesma forma, se consideramos que se trata de um delito pluriofensivo, ou seja, que atenta contra mais de um bem jurídico — p.ex., administração da justiça e ordem socioeconômica —, da mesma forma ao menos um dos bens jurídicos tutelados poderia ter sido atingido.

De outro lado, se entendermos que o bem jurídico tutelado é a ordem socioeconômica, igualmente é possível se pensar em ofensa, em razão do desequilíbrio econômico gerado por aquisições patrimoniais em desacordo com as normas reguladoras desse sistema. Afinal, é pressuposto do hígido funcionamento do sistema econômica que seus atores desenvolvam atividades de forma lícita; agir contrariamente a essas normas provoca um desequilíbrio no sistema, comprometendo a transparência que nele deve imperar, e instituindo uma situação de desleal concorrência.

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