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ANPP e Direito Penal do autor

O artigo aborda os acordos de não persecução penal (ANPP) no contexto do Direito Penal, destacando a necessidade de desafogar o sistema judiciário e oferecer alternativas aos réus. O autor, André Callegari, critica a utilização de critérios subjetivos, como a profissão do autor, que impactam a aceitação desses acordos, argumentando que tal abordagem remete a um Direito Penal do autor, em vez de se basear nos fatos cometidos. A proposta é que a análise dos acordos de não persecução penal deva focar no ato em si e não na personalidade ou posição social do autor, reafirmando os direitos e garantias fundamentais.

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Os institutos dos acordos vieram para desafogar a Justiça brasileira de um lado e, de outro, para oferecer, àqueles que não querem se ver processados, uma oportunidade de aceitar determinadas condições em troca de uma possível sentença condenatória.

Afora a crítica da confissão, combatida por muitos, inclusive com projeto de lei para retirá-la como requisito do acordo de não persecução penal, o instituto tem avançado no quotidiano do Judiciário brasileiro. Na recente questão controversa sobre a retroatividade, a Corte Constitucional já se manifestou em sede de repercussão geral.

Apesar dos avanços desse novel instituto, ainda esbarramos nos requisitos subjetivos invariavelmente impostos pelo Ministério Público. Isto é, fica a critério do responsável pela persecução penal verificar se o acordo é ou não suficiente para a prevenção e reprovação do crime, conforme disposto no artigo 28-A, do CPP.

Esse requisito merece ser revisitado e beira a inconstitucionalidade porque, de fato, não diz respeito muitas vezes sobre a prevenção e reprovação do crime, servindo, na maioria das vezes, como um “às na manga” ou um coringa que justifica a recusa na proposta do acordo. Isso tem ocorrido nos casos em que o autor do delito exerce ou exerceu uma função pública, servindo como critério para barrar a oferta do acordo.

Por que afirmamos que esse critério da profissão exercida pelo investigado beira a inconstitucionalidade? Porque o Direito Penal moderno reprova a conduta praticada, e não quem é o autor ou qual profissão ele exerce ou exercia. O juízo de reprovação não pode levar em conta se o sujeito era funcionário público ou não, porque isso demonstraria um Direito Penal do autor e não do fato.

O Direito Penal do fato é aquele em que a punibilidade se vincula a uma ação concreta descrita tipicamente, e a sanção representa somente a resposta ao fato individual e não a toda condução de vida do autor ou aos perigos que no futuro se esperam do mesmo. Já no Direito Penal do autor a pena se vincula à personalidade do autor e à sua não sociabilidade e ao grau da mesma o que decida sobre a sanção. O que torna culpável aqui o autor não é que tenha cometido um fato, mas somente que o autor seja “tal”. Isso se converte em objeto de censura legal; ali entre os pressupostos da cominação legal se inclui algo distinto e mais que o “se” e o “como” de uma ação individual, e onde esse algo mais deve buscar-se na peculiaridade humana do autor. Neste caso, estamos ante um sistema em que a pena se dirige ao autor como tal [1].

Como visto, o Direito Penal do autor se vincula a sua personalidade, ao que ele é ou ao seu modo de condução de vida, mas não ao fato praticado. A perspectiva de reprovar o sujeito pelo que ele é ou pela sua condução de vida foi superado pela história e demonstra que não foi um bom caminho a ser seguido. Atualmente, a dogmática penal refuta este tipo de reprovação e somente se justifica a reprovação do fato praticado, não se levando em conta quem é o autor ou qual o seu modo de condução de vida.

Subterfúgio

Voltando ao tema dos acordos de não persecução penal, o requisito subjetivo e discricionário da suficiência para a prevenção e reprovação do crime não pode estar alicerçado na profissão exercida pelo autor, isto é, se ele praticou o fato quando exercia alguma função pública. Sob este manto de discricionariedade se encontra justamente o problema da reprovação de quem é a pessoa – ou sua função pública – e não a do fato praticado (direito penal do fato).

Assim, se houver a recusa da proposta de não oferta do acordo de não persecução penal fundada em razões subjetivas – profissão do agente, por exemplo – ela não deveria ser aceita pelo magistrado. Isso porque se encontra travestida de um requisito não previsto em lei. Ainda que a lei fale na suficiência para a prevenção e reprovação do crime, não se justifica o subterfúgio da profissão do autor do crime como fator impeditivo da proposta. Porque alegar simplesmente que o sujeito não merece o acordo porque exercia um cargo público foge do escopo de um moderno Direito Penal.

Dito tudo isso, a lei prevê que na recusa por parte do Ministério Público em propor o acordo de não persecução penal, ainda resta ao investigado o requerimento para que os autos sejam remetidos ao órgão superior, nos termos do artigo 28, do CPP. Neste caso, caberia ao órgão superior superar esse requisito de ordem subjetiva e determinar a oferta de proposta do acordo afastando o Direito Penal do autor, ou seja, a recusa em face de quem o agente é ou o cargo público que exerce ou exerceu. Esse deve ser o caminho que respeita os direitos e garantias fundamentais.

[1] ROXIN, Claus. Derecho Penal. Parte General. Tomo I. Traducción de Diego-Manuel Luzón Peña, Miguel Díaz y Garcia Conlledo y Javier de Vicente Remesal. Madrid: Civitas, 1997, pp. 176/177.

Referências

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