Artigos Conjur – Revisitando a lavagem de dinheiro: está na hora de uma revisão da lei?

Artigos Conjur
Artigos Conjur || Revisitando a lavagem de di…Início / Conteúdos / Artigos / Conjur
Artigo || Artigos dos experts no Conjur

Revisitando a lavagem de dinheiro: está na hora de uma revisão da lei?

O artigo aborda a necessidade de revisão da legislação brasileira sobre lavagem de dinheiro, destacando a expansão do Direito Penal que criminalizou diversas condutas. Os autores questionam a falta de critérios objetivos para tipificação dos delitos antecedentes e a adequação das penas, propugnando por uma reflexão sobre a responsabilidade penal das pessoas jurídicas nos crimes econômicos, visando uma abordagem mais eficaz e proporcional no combate à criminalidade econômica.

Artigo no Conjur

Nos últimos anos a política expansiva do Direito Penal abarcou uma série de condutas antes não tipificadas. Muitas dessas novas rubricas ficavam a cargo apenas do Direito Administrativo sancionador — uma espécie intermediária do Direito Penal, já que não conduz às consequências jurídicas da pena nem ao estigma de processado e/ou condenado.

Este fenômeno expansivo culminou, dentre outros delitos, na criminalização da lavagem de capitais, com uma finalidade específica de tutela de um bem jurídico não bem definido pela doutrina ou pelo legislador.

Por falta de sistematização em nosso Código Penal, a lei se encontra em legislação extravagante sem nenhum indicativo de qual o objetivo de proteção do legislador, relegando este debate a doutrina.

Veja-se que a men legis em 1998 não era a de englobar todo e qualquer delito antecedente como potencial delito gerador de lavagem de capitais.

Havia uma preocupação do legislador em criminalizar delitos antecedentes graves e de transcendência internacional, conforme se verifica na exposição de motivos da Lei 9.613/98. À época da edição da referida lei houve também a preocupação legislativa de se limitar o rol dos delitos aptos a gerar bens, direitos e valores a conduta de lavagem de capitais, (segunda geração da lei de lavagem).

Porém, já em 2012, atendendo às demandas internacionais do combate à lavagem de dinheiro, houve alteração legislativa que eliminou o rol taxativo de crimes antecedentes, possibilitando que qualquer delito que gere bens, direitos e valores possa dar vez ao crime que nos traz a este artigo.

Essa alteração impulsionou, em conjunto com a Lei 12.850, de forma significativa as imputações penais a diversos sujeitos investigados, independente de qualquer outro critério objetivo, como a lesão ao bem jurídico ou valor supostamente lavado.

De outro lado, o rol de sujeitos obrigados a reportar atividades financeira suspeitas cresce na mesma medida das imputações, inclusive transformando determinados sujeitos em garantes do Estado (crimes comissivos por omissão).

A explicação lógica é busca desenfreada pelo controle de ativos supostamente ilícitos que ingressam no mercado legal nacional. Como a descoberta pelas autoridades não é tarefa fácil, os sujeitos obrigados transformam-se numa espécie de fiscais ou “policiais” do Estado, devendo reportar as informações de atividades financeiras suspeitas.

De acordo com Feijóo Sanchez, “é evidente que a globalização está provocando uma expansão da ‘lógica da lavagem de dinheiro’”.

“Nos anos oitenta do século passado, quando se viu a necessidade de perseguir a dimensão econômica das grandes organizações criminosas, especialmente àquelas dedicadas ao narcotráfico, os países ocidentais tomaram a seguinte decisão: como era enormemente custoso criar uma polícia financeira encarregou-se a determinados particulares os deveres de quase-policiais de prevenção ou colaboração com o Estado.”

Evidentemente que o Brasil criou seus órgãos e departamentos especializados no combate à lavagem de dinheiro, porém, isso não justifica o incremento legal dos sujeitos obrigados, pois a famosa regra do “conheça o seu cliente” tem tomado outra dimensão, inclusive diante da sanha em fazer dos advogados parte desse rol.

Sobre este aspecto já escrevi dizendo que o advogado litigante, ou seja, defensor do seu cliente em processo, não está obrigado a reportar dúvida ou suspeita sobre os valores que lhe foram entregues a título de honorários advocatícios.

Feita essa digressão, há outra questão importante: a problemática não está propriamente nos sujeitos obrigados ou no eficaz combate ao escamoteamento de capitais de origem ilícita, mas na falta de limites objetivos sobre quais delitos concretamente merecem uma reprimenda em conjunto com o delito de lavagem de dinheiro.

Dito de outro modo: nem todo delito antecedente tem uma afetação ao bem jurídico tutelado que mereça um reforço de penal através de um concurso de crimes com a lavagem de dinheiro (na modalidade de concurso material).

Em muitos casos pode acontecer o paradoxo de que a pena do delito antecedente seja inferior à da lavagem, o que levaria ao critério de que o bem jurídico tutelado seria o do crime antecedente.

Isso porque a lavagem, enquanto crime acessório, seria somente um reforço de pena ao crime antecedente. Como o objeto não é a discussão do bem jurídico no presente artigo, essa questão foi posta somente a título de crítica.

A questão central é se toda e qualquer conduta que gere bens, direitos e valores através da comissão de um crime merece a tipificação de lavagem de dinheiro. Atualmente, pela alteração legislativa de 2012 a resposta é afirmativa.

O que podemos mudar sem alterar substancialmente a lei de combate à lavagem de dinheiro? É preciso ter em mente que não se está pregando uma abolição desta moldura penal, mas apenas uma correta adequação dentro dos critérios de lesão ao bem jurídico tutelado e proporcionalidade. Assim, a pena que já começa em três anos deveria sofrer uma adequação legislativa em relação ao bem jurídico que a norma visa proteger no crime antecedente, se a ideia é, de fato, um reforço de pena.

Na Espanha, por exemplo, a pena da lavagem de capitais começa em 6 (seis) meses e é aumentada gradativamente em relação aos crimes cometidos (delitos antecedentes).

Também pode-se elencar um fator digno de nota que seria em relação ao montante produzido pela comissão do delito prévio, que, ao não ser significante, não seria necessária uma pena de reforço alta quando da aplicação da expiação da lavagem de dinheiro.

Toda essa temática é levantada em momentos que se colocam cada vez mais latentes os anseios de combate à criminalidade econômica com medidas mais duras, porém, o incremento de penas privativas de liberdade, embora possa ser uma solução no âmbito da prevenção em sua modalidade especial, não parece ser o caminho adequado dogmaticamente.

Significa dizer que está na hora de o Brasil refletir sobre a ampliação da responsabilidade penal da pessoa jurídica para crimes econômicos. Isso talvez possa incentivar as normas de integridade, compliance criminal, cooperação com as autoridades, além de evitar penas de longa duração e determinar sanções específicas as empresas.

Muitos países já adotam essas medidas como alternativas à prisão, desde que ocorra uma efetiva colaboração das pessoas físicas e jurídicas no esclarecimento do delito praticado no seio empresarial. Essa discussão encontra detratores já que nem todos admitem que as pessoas jurídicas podem delinquir diante de sua ausência de capacidade de ação. Mas este seria um tema para outro artigo.

Nesse pequeno escrito o que se buscou foi polemizar sobre o tema da lavagem de dinheiro, inclusive provocando o legislador se não está na hora de uma revisão da lei. Claro que há muitos outros pontos para o debate, mas acredito que esse já seja um bom começo.

Referências

Relacionados || Outros conteúdos desse assunto
    Mais artigos || Outros conteúdos desse tipo
      André Callegari || Mais conteúdos do expert
        Acesso Completo! || Tenha acesso aos conteúdos e ferramentas exclusivas

        Comunidade Criminal Player

        Elabore sua melhor defesa com apoio dos maiores nomes do Direito Criminal!

        Junte-se aos mais de 1.000 membros da maior comunidade digital de advocacia criminal no Brasil. Experimente o ecossistema que já transforma a prática de advogados em todo o país, com mais de 5.000 conteúdos estratégicos e ferramentas avançadas de IA.

        Converse com IAs treinadas nos acervos de Aury Lopes Jr, Alexandre Morais da Rosa, Rodrigo Faucz, Gabriel Bulhões, Cristiano Maronna e outros gigantes da área. Explore jurisprudência do STJ com busca inteligente, análise de ANPP, depoimentos e muito mais. Tudo com base em fontes reais e verificadas.

        Ferramentas Criminal Player

        Ferramentas de IA para estratégias defensivas avançadas

        • IAs dos Experts: Consulte as estratégias de Aury Lopes Jr, Alexandre Morais da Rosa, Rodrigo Faucz, Gabriel Bulhões e outros grandes nomes por meio de IAs treinadas em seus acervos
        • IAs de Jurisprudência: Busque precedentes com IAs semânticas em uma base exclusiva com mais de 200 mil acórdãos do STJ, filtrados por ministro relator ou tema
        • Ferramentas para criminalistas: Use IA para aplicar IRAC em decisões, interpretar depoimentos com CBCA e avaliar ANPP com precisão e rapidez
        Ferramentas Criminal Player

        Por que essas ferramentas da Criminal Player são diferentes?

        • GPT-4 com curadoria jurídica: Utilizamos IA de última geração, ajustada para respostas precisas, estratégicas e alinhadas à prática penal
        • Fontes verificadas e linkadas: Sempre que um precedente é citado, mostramos o link direto para a decisão original no site do tribunal. Transparência total, sem risco de alucinações
        • Base de conhecimento fechada: A IA responde apenas com conteúdos selecionados da Criminal Player, garantindo fidelidade à metodologia dos nossos especialistas
        • Respostas com visão estratégica: As interações são treinadas para seguir o raciocínio dos experts e adaptar-se à realidade do caso
        • Fácil de usar, rápido de aplicar: Acesso prático, linguagem clara e sem necessidade de dominar técnicas complexas de IA
        Comunidade Criminal Player

        Mais de 5.000 conteúdos para transformar sua atuação!

        • Curso Teoria dos Jogos e Processo Penal Estratégico: Com Alexandre Morais da Rosa e essencial para quem busca estratégia aplicada no processo penal
        • Curso Defesa em Alta Performance: Conteúdo do projeto Defesa Solidária, agora exclusivo na Criminal Player
        • Aulas ao vivo e gravadas toda semana: Com os maiores nomes do Direito Criminal e Processo Penal
        • Acervo com 130+ Experts: Aulas, artigos, vídeos, indicações de livros e materiais para todas as fases da defesa
        • IA de Conteúdos: Acesso a todo o acervo e sugestão de conteúdos relevantes para a sua necessidade
        Comunidade Criminal Player

        A força da maior comunidade digital para criminalistas

        • Ambiente de apoio real: Conecte-se com colegas em fóruns e grupos no WhatsApp para discutir casos, compartilhar estratégias e trocar experiências em tempo real
        • Eventos presenciais exclusivos: Participe de imersões, congressos e experiências ao lado de Aury Lopes Jr, Alexandre Morais da Rosa e outros grandes nomes do Direito
        • Benefícios para membros: Assinantes têm acesso antecipado, descontos e vantagens exclusivas nos eventos da comunidade

        Assine e tenha acesso completo!

        • 75+ ferramentas de IA para estratégias jurídicas com base em experts e jurisprudência real
        • Busca inteligente em precedentes e legislações, com links diretos para as fontes oficiais
        • Curso de Alexandre Morais da Rosa sobre Teoria dos Jogos e Processo Penal Estratégico
        • Curso Defesa em Alta Performance com Jader Marques, Kakay, Min. Rogério Schietti, Faucz e outros
        • 5.000+ conteúdos exclusivos com aulas ao vivo, aulas gravadas, grupos de estudo e muito mais
        • Fóruns e grupos no WhatsApp para discutir casos e trocar experiências com outros criminalistas
        • Condições especiais em eventos presenciais, imersões e congressos com grandes nomes do Direito
        Assinatura Criminal Player MensalAssinatura Criminal Player SemestralAssinatura Criminal Player Anual

        Para mais detalhes sobre os planos, fale com nosso atendimento.

        Quero testar antes

        Faça seu cadastro como visitante e teste GRÁTIS por 7 dias

        • Ferramentas de IA com experts e jurisprudência do STJ
        • Aulas ao vivo com grandes nomes do Direito Criminal
        • Acesso aos conteúdos abertos da comunidade

        Já sou visitante

        Se você já é visitante e quer experimentar GRÁTIS por 7 dias as ferramentas, solicite seu acesso.