Artigos Conjur – Sonegaçao fiscal e lavagem de dinheiro (parte 2)

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Sonegaçao fiscal e lavagem de dinheiro (parte 2)

O artigo aborda a controvérsia em torno da sonegação fiscal como crime antecedente à lavagem de dinheiro, destacando a mudança na legislação brasileira que, desde 2012, permite qualquer delito como infração prévia. A discussão se concentra na falta de incorporação de novo patrimônio pela sonegação, e na dificuldade de qualificá-la como lavagem, uma vez que os valores sonegados permanecem acessíveis aos órgãos fiscais e não se configuram como ocultos. Além disso, o texto analisa a distinção entre os conceitos de ocultar e dissimular dentro do contexto penal.

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A discussão segue candente sobre o problema de o delito de sonegação fiscal constituir crime antecedente ao de lavagem de dinheiro.

Quando editada, a Lei 9.613/98 era taxativa ao enumerar os delitos antecedentes que poderiam dar vez ao posterior crime de lavagem de capitais, características da segunda geração legislativa no combate ao crime em comento.

Desde 2012 o Brasil eliminou o rol taxativo de delitos prévios que poderia geram bens, direitos ou valores aptos a serem lavados posteriormente. Atualmente qualquer delito é apto a figurar como infração penal antecedente.

A questão tormentosa e de escassa produção doutrinária e jurisprudencial é a que diz respeito ao delito tributário como crime antecedente ao de lavagem de dinheiro. Já de início a exposição de motivos da Lei 9.613/98 indicava que o delito de sonegação fiscal não incorporava novo patrimônio ao do agente, razão pela qual, não estava expressa no rol dos delitos antecedentes.

O exame sobre a incorporação de novo patrimônio ao agente é apenas um dos pontos que pode e deve ser explorado no delito de sonegação fiscal como delito antecedente ao de lavagem, já que este apenas deixa de recolher um valor que é devido a título de tributo tanto quanto à pessoa física ou jurídica.

Verbos nucleares

De outro lado, há uma consideração pouco explorada sobre a impossibilidade de o delito de sonegação dar vez ao posterior delito de lavagem de dinheiro. Isso decorre da dicção dos verbos nucleares do tipo penal previsto no artigo 1º da Lei 9.613/98, que taxativamente descrevem a conduta como ocultar ou dissimular a natureza ou origem de bens, direitos ou valores provenientes de infração penal.

Pela simples leitura do tipo penal já restaria inviabilizada a rubrica de lavagem de bens que não são ocultados ou dissimulados do fisco, já que as movimentações na esfera pessoal e empresarial são de conhecimento dos órgãos fiscalizadores. Tanto é verdade que se procedem às autuações quando não há o lançamento correto dos valores devidos a título de tributação.

No sentido gramatical, o termo “ocultar” significa “não deixar ver”, “encobrir”, “esconder”, ou, também “esconder fraudulentamente” [1]. O sentido da ocultação exposta no tipo pelo legislador brasileiro não é muito distinto do sentido gramatical, já que a previsão como delito busca justamente evitar o ocultamento das mencionadas características dos ativos que tenham origem em infrações penais antecedentes.

A doutrina assinala que ocultar é justamente a conduta de esconder, tornar algo inacessível a outras pessoas [2], o que não se contrapõe ao sentido gramatical anteriormente referido. Por conseguinte, o que se busca com esse verbo típico é evitar a ocultação da origem, localização, disposição, movimentação ou propriedade dos bens, direitos ou valores que decorram de infrações penais quaisquer.

O segundo verbo previsto no tipo penal é o de “dissimular” a natureza, origem, localização, disposição, movimentação ou propriedade dos bens, direitos ou valores provenientes de infrações penais. Em sentido gramatical, o termo “dissimular” difere do sentido do verbo “ocultar”, pois exige um algo mais em relação à ocultação.

O termo “dissimular” significa “ocultar ou encobrir com astúcia”, “disfarçar”, “fingir”, “simular” [3]. Assim, pode-se afirmar que a ocultação seria o simples encobrimento, e a dissimulação seria a ocultação adjetivada, ou seja, sempre mediante o emprego do engano, do disfarce, da utilização de uma técnica que permite esconder com astúcia os bens provenientes das infrações antecedentes.

Na realidade, o delito não muda pelos verbos empregados, pois tanto a ocultação quanto a dissimulação são apenadas da mesma forma e não há agravamento da pena pela dissimulação, ainda que esta pareça mais grave pela sua forma de realização. Diante dessa interpretação gramatical dos verbos nucleares do delito de lavagem de dinheiro não se pode afirmar que a sonegação fiscal se enquadraria nestes verbos.

Ainda que a sonegação também importe em ocultar ou deixar de mencionar algo, a sonegação fiscal propriamente dita implica no ato de deixar de declarar ou mentir para as autoridades fiscais com o intuito de pagar menos tributo, porém, não há um ato de ocultar ou de esconder no sentido de tornar algo inacessível a outras pessoas, porque, como já mencionado, as autoridades fiscais têm acesso aos dados contábeis das empresas, ou, ao menos, ao volume patrimonial do que foi realizado em determinado período.

Incorporação do proveito do crime

Superado este argumento acima, que ainda pode gerar controvérsia, faltaria a finalidade do agente de incorporar o proveito do crime no tráfico lícito de bens, isso porque o suposto proveito do crime já existia dentro do patrimônio do agente. De uma forma singela, o que já é do agente não pode ser incorporado novamente em seu patrimônio e nesse sentido foi a exposição de motivos da lei antilavagem ainda em 1998.

Aliás, a própria preexistência da parte tributária no patrimônio do sujeito, dentro dos canais existentes econômicos lícitos, priva-lhe de sua condição de objeto suscetível de lavagem, afinal, não é preciso acudir ao crime que se trata para reintroduzi-la no ciclo econômico-financeiro de curso legal. Dessa maneira, a lavagem nesses termos, seria inidônea [4].

Como já escrevi anteriormente, citando González Uriel, a sonegação carece de objeto idôneo para ser lavado, já que a parte ou cota tributária se encontra no patrimônio do fraudador e não precisa ser legitimada nem aflorada para ser introduzida no mercado econômico-legal, dado que nunca saiu deste [5].

Para essa conclusão deve-se recorrer à letra da lei que refere sobre a ocultação ou dissimulação de bens, direitos ou valores provenientes de infração penal. Na sonegação fiscal não existe uma ocultação propriamente dita porque os valores sempre estiveram à vista da fiscalização. O que de fato ocorre é o não recolhimento destes valores, mas isso não significa a incidência nos termos dos verbos nucleares do tipo de lavagem [6].

[1] Novo Dicionário da Língua Portuguesa, 1975, p. 999.

[2] TIGRE MAIA, Rodolfo. Lavagem de Dinheiro. São Paulo: Malheiros, 1999. p. 66.

[3] Novo Dicionário da Língua Portuguesa, p. 485; nesse sentido: TIGRE MAIA, Rodolfo. Lavagem de Dinheiro. São Paulo: Malheiros, 1999. p. 66.

[4] GONZÁLEZ URIEL, Daniel. Relaciones entre el delito de blanqueo de dinero y el delito de defraudación tributaria. Navarra: Aranzadi, 2022, p. 212.

[5] GONZÁLEZ URIEL, ibidem, p. 212.

[6] Ver a respeito CALLEGARI, André Luís; LINHARES, RAUL MARQUES. Lavagem de Dinheiro. 2ª. Edição. São Paulo: Marcial Pons, 2023, p. 144.

Referências

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