Artigos Conjur – Delação seduz porque transforma réu em arrependido purificado

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Delação seduz porque transforma réu em arrependido purificado

O artigo aborda a crítica à prática da confissão e delação no sistema penal, destacando como essa abordagem se topa com a lógica de arrependimento e redenção, onde réus podem se transformar em “arrependidos purificados”. Os autores discutem a relação de poder envolvida no processo de confessar, e como a sedução da delação é alimentada pelo desejo social de salvação e pela redução do ônus probatório para os juízes. Essa análise alerta para a superficialidade moral que pode existir por trás das delações, transformando traidores em colaboradores respeitáveis, mas sempre sob a sombra da culpa inerente à condição humana.

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Se o sujeito se nega a confessar, então, o aparato de “fazer confessar” é acionado, quer por instrumentos de torturas físicas, psicológicas e/ou midiáticas, como prisões no Jornal Nacional ou dilaceramento preventivo de reputações. Enfim, no Processo Penal do Espetáculo, como diz, Rubens Casara[3], a confissão/delação é extorquida, dada a lógica do “animal-objeto-confidente-delator”.

Alguns aplaudem, quem sabe por guardar a projeção da culpa nossa de todos os dias, não necessariamente por desvios criminais, mas sim pela culpa pressuposta de todo sujeito sob a Lei do Pai, como nos ensinava Freud e Lacan, tão bem indicado por Agostinho Ramalho Marques Neto: “Foi a experiência clínica com seus pacientes [Freud] que o levou à ‘surpreendente descoberta ´de que ações delituosas ‘eram praticadas principalmente por serem proibidas e por sua execução acarretar, para seu autor, um alívio mental. Este sofria de um opressivo sentimento de culpa, cuja origem não conhecia, e, após praticar uma ação má, essa opressão se atenuava”[4]. E os que fomentam a “tortura soft” justificam-se em nome do interesse público.

A lógica é a do pecado, do arrependimento sincero, da confissão e da redenção, ou seja, do crime, do arrependimento sincero, da confissão/delação e da redenção/punição. Com isso articula-se a obrigação de confessar[5].

Claro que o julgador também adora uma confissão, pois ela lhe retira a culpa de punir, permitindo que inflija o mal com o pleno consentimento do punido. Nada melhor do que poder punir sem a necessidade de submeter ao contraditório, ao conflito ritualizado e possível gerador de dúvidas. Não existe qualquer tipo de dissonância no sistema cognitivo e tampouco estresse por ter que decidir entre duas teses conflitantes. Sem falar que representa um sedutor ‘atalho para a verdade’, reduzindo a quase nada o labor probatório e a axiologia decisória.

Aliás, o Facebook e as redes sociais talvez comprovem o desejo de se confessar, de expor sua vida, exibir-se, ganhando a compaixão dos demais e demonstrando que o sujeito é um confessante virtual. Neste contexto, a sedução pela redenção e o regozijo dos demais, possa ser uma chave interpretativa da sedução pelos delatores que, de um momento para o outro, depois de purificados pela delação, passam a ser “respeitáveis arrependidos”. Abandonados da malícia e arrependidos colaboradores, desfilam como novos incluídos ao exército do bem.

Uma vez mais Foucault: “Ora, a confissão é um ritual de discurso onde o sujeito que fala coincide com o sujeito do enunciado; é, também, um ritual que se desenrola numa relação de poder, pois não se confessa sem a presença ao menos virtual de um parceiro, que não é simplesmente o interlocutor, mas a instância que requer a confissão, impõe-na, avalia-a e intervém para julgar, punir, perdoar, consolar, reconciliar; um ritual onde a verdade é autenticada pelos obstáculos e as resistências que teve de suprimir para poder manifestar-se; enfim, um ritual onde a enunciação em si, independentemente de suas consequências externas, produz em quem a articula modificações intrínsecas; inocenta-o, resgata-o, purifica-o, livra-o de suas faltas, libera-o, promete-lhe a salvação.”[6]

Esta leitura dialoga com o custo-benefício de confessar e delatar, próprio de uma lógica utilitarista e pragmática, como já foi abordado anteriormente[7], mas que cobra o preço das imagens manipuladas todos os dias. No ambiente interno, todavia, um traidor sempre será um traidor, mesmo com boas razões. Mas o arrependido está salvo e mostra que há um caminho imaginário de salvação, daí a sedução. Terminamos com a advertência de Freud: “Nisto a psicanálise apenas confirma o costumeiro pronunciamento dos piedosos: todos nós não passamos de miseráveis pecadores”.[8] Bons pecados.

[1] FOUCAULT, Michel. História da Sexualidade, vol. I – vontade de saber. Trad. Maria Thereza da Costa Albuquerque e J. A. Guilhon Albuquerque. Rio de Janeiro: Graal, 1988, p. 58. [2] FOUCAULT, Michel. História da Sexualidade, vol. I – vontade de saber. Trad. Maria Thereza da Costa Albuquerque e J. A. Guilhon Albuquerque. Rio de Janeiro: Graal, 1988, p. 59. [3] CASARA, Rubens. Processo Penal do Espetáculo. Florianópolis: Empório do Direito, 2015. [4][iv] MARQUES NETO, Agostinho Ramalho. Sentimento Inconsciente de Culpa e Necessidade Inconsciente de Punição: uma questão para o Direito Penal. In. PINHO, Ana Cláudia Bastos de; GOMES, Marcus Alan de Melo. Ciências Criminais. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009, p. 1-12. [5] TEDESCO, Ignacio. F. El acusado em el ritual judicial. Buenos Aires: Del Puerto, 2007, p. 329-331. [6] FOUCAULT, Michel. História da Sexualidade, vol. I – vontade de saber. Trad. Maria Thereza da Costa Albuquerque e J. A. Guilhon Albuquerque. Rio de Janeiro: Graal, 1988, p. 61. [7] LOPES JR, Aury; MORAIS DA ROSA, Alexandre. Processo Penal no Limite. Florianópolis: Empório do Direito, 2015. [8] FREUD, Sigmund. Totem e Tabu & outros trabalhos. Trad. Jayme Salomão. São Paulo: Imago, 1996.

Referências

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