Artigos Empório do Direito – Cuidado: ementa – embalagem não é tudo

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Cuidado: ementa – embalagem não é tudo

O artigo aborda um julgado do Superior Tribunal de Justiça que discute a validade de laudos periciais realizados por profissionais sem especialização específica em casos de perícias complexas. Os autores, Salah Khaled Jr. e Alexandre de Morais da Rosa, destacam a importância de se interpretar adequadamente os julgados, criticando a manipulação das informações e a superficialidade nas análises. Enfatizam que a qualificação dos peritos é essencial para a comprovação da materialidade do crime, ressaltando a necessidade de uma leitura crítica das ementas e decisões judiciais.

Artigo no Empório do Direito

Por Salah Khaled Jr e Alexandre Morais da Rosa – 23/02/2015

Julgado do Superior Tribunal de Justiça (Resp. n. 1383693-DF) ganhou destaque, injustamente negativo, por ter afirmado que nos casos de perícias complexas, mesmo ausente perito com aquela qualificação, os demais, também peritos oficiais e concursados, poderiam dar validade à materialidade do crime.

Alguns, por motivos sensacionalistas ou ideológicos, narraram situação diversa, mas conveniente, afirmando que não seria causa de nulidade a falta de formação específica dos profissionais e que o conjunto da prova deveria ser analisada, já que o juiz não está adstrito ao laudo. A notícia conta somente metade do caso. E nós, os chatos, fomos ler o voto do relator, Ministro Rogério Schietti Cruz.

Em acidente náutico, diferente da ausência de peritos ou de um curioso que tenha sido chamado a emitir o laudo, 4 (quatro) peritos oficiais foram convocados, com diplomas de Engenharia Elétrica, Mecânica, Civil e Odontologia. Emitiram o laudo, formalmente adequado, com as medições e dinâmicas próprias. A defesa insurgia-se com a alegação de que seria necessário Engenheiro Naval. Diante do caso específico, ou seja, da robustez do laudo emitido, a 6ª Turma do STJ rejeitou o argumento, sublinhando, o relator: “Destaco que, na hipótese dos peritos oficiais, a atribuição para realizar a prova técnica decorre, além da previsão do art. 159 do CPP, do próprio Regimento Interno da Polícia Civil do Distrito Federal (Decreto n. 30.490/2009, art. 96).”

Assim é que a cada vez ficamos mais incomodados com a utilização das embalagens dos julgados, sem que a facticidade seja sequer questionada. Uma leitura mais apressada poderia induzir à conclusão de que a partir de agora seria desnecessária a qualificação dos peritos e que a materialidade poderia ser aferida por qualquer um. Não é o caso. Mas não duvidamos que em casos posteriores em que inexista peritos ou mesmo pessoas qualificadas, a notícia ou uma fatia do julgado seja selecionada para dar ares de autoridade ao decisionismo.

Nosso sistema processual regulamento requisitos específicos para comprovação da materialidade dos crimes. Exige perícia apurada no momento da descoberta da infração, salvo impedimento demonstrado, daí a possibilidade indireta (CPP, art. 167). A ausência de condições materiais do Estado não pode ser, ademais, argumento apto para excluir o levantamento da materialidade. Por exemplo, no caso de furto qualificado pelo rompimento de obstáculo (CPP, art. 155, § 4º, I), a ausência de levantamento do local porque inexistiam peritos não pode ser suprida pela prova testemunhal (CPP, art. 167), justamente porque somente é cabível a prova indireta na impossibilidade da direta (a casa ruiu). Quando a direta não for realizada por culpa do Estado. Logo, o Estado cria as regras penais, as processuais e deve proporcionar a estrutura para o respectivo levantamento, mas não o faz. Logo, não se pode invocar o art. 167 do CPP para driblar a inefetividade Estatal, embora seja corriqueiro nos foros e julgados. O jeitinho processual com o fim de condenar, mais uma vez se apresenta. Aqui as regras do jogo são manipuladas. No julgado comentado, Resp. n. 1383693-DF, todavia, não houve manipulação.

Até porque o relator Ministro Rogério Schietti Cruz, mais adiante no voto, bem aponta que não é medieval. Só os de mentalidade medieval continuam acreditando em Verdade Real, com a ingenuidade ou esperteza condenatória que subjaz. Isso porque: “Com efeito, como pontua Luigi Ferrajoli, um dos maiores problemas da atividade jurisdicional, na busca da verdade dos fatos que lhe são submetidos a julgamento, reside na impossibilidade de ser alcançada uma verdade certa, objetiva e absoluta, sendo mais razoável afirmar que dela se pode apenas aproximar, tanto por meio de processos indutivos (verdade fática) quanto dedutivos (verdade jurídica) (FERRAJOLI, Luigi. Derecho y razón. Ed. Trotta).”

Assim é que cada vez mais é necessário superar as embalagens dos julgados, ler para além das ementas e das notícias. As manipulações do marketing jurisprudencial tomam uma decisão e difundem sentido incompatível com o conteúdo dos julgados. Em um mundo da velocidade ainda poderemos encontrar, no futuro, esse julgado sendo invocado no sentido contrário. Alguns seduzidos pela embalagem das ementas e outros de má-fé mesmo. O tempo dirá.

De nossa parte fica o convite para consultar os julgados nos sítios de internet e ler as razões, não se seduzindo pelas aparências, porque as aparências podem enganar, principalmente aos que não querem compreender os casos penais, mas sim manipular os sentidos.

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Salah Hassan Khaled Junior é doutor e mestre em Ciências Criminais, mestre em História e especialista em História do Brasil. Atualmente é professor adjunto da Universidade Federal do Rio Grande, professor permanente do PPG em Direito e Justiça Social.

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Alexandre Morais da Rosa é Doutor em Direito (UFPR), Professor da UFSC e UNIVALI e Magistrado (TJSC). __________________________________________________________________________________________________________________ Imagem Ilustrativa do Post: sem título 2 // Foto de: Eduardo Fonseca // Sem alterações Disponível em: https://www.flickr.com/photos/caixadodudu/7167555044/

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