Artigos Conjur – O jurista que “simplesmente não viu que ficou pra trás”

Artigos Conjur
Artigos Conjur || O jurista que “simplesmente…Início / Conteúdos / Artigos / Conjur
Artigo || Artigos dos experts no Conjur

O jurista que “simplesmente não viu que ficou pra trás”

O artigo aborda a crescente importância da adaptação tecnológica por parte dos agentes processuais, destacando como a obsolescência digital pode comprometer a eficácia no processo penal. Discute a disparidade entre as capacidades tecnológicas das partes, evidenciando a necessidade de atualização constante frente à evolução dos recursos disponíveis. Os autores defendem que a tecnologia não deve substituir a decisão humana, mas sim atuar como um apoio crítico, ampliando a capacidade analítica e estratégica dos profissionais do Direito.

Artigo no Conjur

Todo agente processual preocupado em melhorar o desempenho precisa adquirir habilidades tecnológicos. A capacidade de se adaptar às abruptas mudanças tecnológicas consiste em uma das melhores características dos agentes procedimentais focados na competitividade. Para além das objeções negacionistas da tecnologia, existem diversos sistemas capazes de apoiar a atividade dos agentes processuais (investigador, acusador, defensor e julgador; por exemplo, Marcella e Fabiana Mascarenhas aqui). Estamos cercados de computadores, máquinas inteligentes, capazes de realizar tarefas humanas (inteligência artificial fraca) com maior eficiência e eficácia do que humanos em algumas tarefas específicas.

A exclusão digital se classifica em três aspectos: a) indisponibilidade de acesso (contexto social e/ou geográfico); b) meios de aquisição (econômico, financeiro); e, c) compreensão (incapacidade de domínio e uso dos artefatos digitais).

A tecnologia invadiu silenciosamente o processo penal. Muitos de nós ainda não nos demos conta ou procrastinamos a constatação. Acostumados com as práticas de sempre e com a tendência à inércia, podemos pensar: “em time que está ganhando não se mexe”. O problema do imobilismo tecnológico é o da perda das condições mínimas de exercer as nossas funções, uma forma de “obsolescência voluntária” ou mesmo “cegueira tecnológica”. Quando sequer sabemos que alguma coisa existe, nem ao menos podemos sentir falta dela. O problema é: quando o oponente se vale de aparatos tecnológicos, sem que nós saibamos, tenhamos ideia do que se trata e, muito menos, que tínhamos ferramentas tecnológicas à nossa disposição, mas que desconhecíamos, falhamos no nosso dever profissional de atualização constante (vide o “Manto da Invisibilidade Digital” aqui).

O Estado está investindo cada vez mais em tecnologia para investigação criminal. O Ministério Público Federal e os de vários estados estão investindo pesado em aparatos tecnológicos. A Defensoria Pública não consegue recursos para investimentos, enquanto advogados privados dependem das disponibilidades orçamentárias e de iniciativas fragmentadas. A ausência de “paridade de armas” tecnológicas tende a se ampliar no curto prazo. Se a acusação cada vez mais se vale de investigação tecnológica, de unidades de inteligência, pouco importa as armas defensivas analógicas da objeção ou de argumentação, porque a disparidade de condições impede o estabelecimento do contraditório significativo. Com Alexandre José Mendes falamos das “Armas Matemáticas de Investigação em Massa” (aqui). Muitas vezes a defesa sequer tem condições de “rodar” os dados entregues pela acusação, quanto mais realizar análise qualificada de conteúdo (não consegue classificar os dados, quanto mais encontrar uma oportunidade ou erro). Em matéria probatória, a depender do caso, as condições de contraditório, sequer existem, dada a disparidade de meios.

A diferença de abordagem do caso penal em face da tecnologia se coloca entre os: a) continuístas: que acreditam que a tecnologia é somente mais um recurso probatório, defendendo a mera continuidade do avanço tecnológico (pensam linearmente), e b) disruptivistas: que compreendem a invasão tecnológica como um novo modo de engajamento no processo penal, dado que modifica a experiência interativa (pensam não linearmente).

Enquanto os continuístas usam a tecnologia quando preciso, os disruptivistas se valem da tecnologia como pressuposto de atuação, a saber, incorporaram a tecnologia em suas tarefas diárias, desde a gestão das tarefas até a estratégia processual. Os disruptivistas tendem a sobreviver, já que a mudança precisa ser radical e não apenas reformista. Tecnologia não é mais um recurso, e sim o pressuposto de atuação profissional competitiva. O incremento tecnológico, ademais, é dinâmico. Além disso, diante da incapacidade de avaliação sobre as funcionalidades dos produtos tecnológicos, em geral, perdem-se muitas chances de melhoria de performance.

Os agentes procedimentais trazem consigo um conjunto de convicções robustas e entrincheiradas. A posição analógica pode gerar a falsa sensação de segurança, mas no mundo digital significa defasagem. O agente procedimental analógico corre sérios riscos porque a aceleração tecnológica é silenciosa e avassaladora, sem que, talvez, tenha sequer tempo suficiente para recuperar a desvantagem tecnológica atual, além de, depois de se dar conta, perceber que sua resistência pode ter lhe custado erros crassos, derrotas evitáveis.

É do constante trabalho de atualização das antigas convicções em face dos avanços tecnológicos que surge a capacidade de compreender melhor o ambiente processual penal invadido pela tecnologia. Será preciso reconhecer que alguns comportamentos simplesmente ficaram obsoletos/ultrapassados.

O futuro do Direito depende de uma decisão pessoal. De uma atitude. O ambiente digital do processo penal modificou-se e os agentes processuais precisam assumir as evidências: ou se atualizam tecnologicamente, ou continuarão em flagrante desvantagem competitiva.

Uma observação importante: as máquinas ou a tecnologia não substituirão os agentes processuais na decisão. O que as máquinas podem fazer é apoiar a nossa decisão, ampliar o nosso horizonte cognitivo, processar imensas quantidades de dados. Quem fará a diferença, ao fim e ao cabo, continuará sendo o humano. Aliás, as propostas que defendemos, na linha das Resoluções 332 e 363 do Conselho Nacional de Justiça, somente serão eficazes se soubermos as utilizar em apoio à decisão. A nossa aposta é a de que poderemos decidir mais bem apoiados pela tecnologia. Em nenhum momento defendemos, na esfera criminal, a substituição do agente processual humano, porque seremos nós os únicos responsáveis pelas decisões, até porque há sutilizas humanas no jogo penal.

O trabalho dos agentes processuais (com tecnologia) será cada vez mais artesanal, de um modo diverso. A capacidade de customização do caso penal, diante das potencialidades cognitivas das máquinas, amplia os horizontes, mas depende dos parâmetros, da seleção dos dados, das fontes, realizadas sob a nossa supervisão. O que faremos é mostrar como a máquina, sempre supervisionada por humanos, pode melhorar (muito) o nosso desempenho, em alguns casos, conferir condições mínimas de “paridade de armas” (matéria probatória, principalmente). A nossa capacidade de singularizar/individualizar o caso penal será a alavanca capaz de conferir tração cognitiva aos sistemas de apoio à decisão.

Cada um de nós (com nossos atributos, habilidades e inteligência) é o único capaz de tomar decisões em contextos dependentes da interação humana, como o processo penal, porque temos o potencial de mudar os rumos do caso penal, a saber, de assumir as responsabilidades inerentes à função, dentro das regras do jogo, e fazer a diferença: um game changer. Em artigo com Aury Lopes Jr e Daniel Kessler de Oliveira, desenvolvemos o argumento (aqui), sublinhando que a atitude de enfrentar as adversidades, pensar o impensado, arriscando a própria pele, dentro das regras, em ações limite, transforma as adversidades em oportunidades de virada dos rumos do caso penal. Essa é a nossa aposta: podermos fazer a diferença, ainda mais quando as máquinas podem nos apoiar (e muito) na tomada das melhores decisões.

P.S. Se você ficou curioso, consulte o site da A2BL. Pode ouvir o podcast Legal Driver. Em breve trarei novidades interessantes por lá. Uma delas aposto que irá te surpreender.

P.S. 2. Homenagem do título. Dona Ivone Lara, na voz de Vanessa da Mata (aqui).

P.S. 3. Hoje é aniversário de Jacinto Nelson de Miranda Coutinho. Aprendi e aprendo todos os dias com o meu eterno orientador de doutorado. Parabéns. Abraços e admiração.

Referências

Relacionados || Outros conteúdos desse assunto
    Mais artigos || Outros conteúdos desse tipo
      Alexandre Morais da Rosa || Mais conteúdos do expert
        Acesso Completo! || Tenha acesso aos conteúdos e ferramentas exclusivas

        Comunidade Criminal Player

        Elabore sua melhor defesa com apoio dos maiores nomes do Direito Criminal!

        Junte-se aos mais de 1.000 membros da maior comunidade digital de advocacia criminal no Brasil. Experimente o ecossistema que já transforma a prática de advogados em todo o país, com mais de 5.000 conteúdos estratégicos e ferramentas avançadas de IA.

        Converse com IAs treinadas nos acervos de Aury Lopes Jr, Alexandre Morais da Rosa, Rodrigo Faucz, Gabriel Bulhões, Cristiano Maronna e outros gigantes da área. Explore jurisprudência do STJ com busca inteligente, análise de ANPP, depoimentos e muito mais. Tudo com base em fontes reais e verificadas.

        Ferramentas Criminal Player

        Ferramentas de IA para estratégias defensivas avançadas

        • IAs dos Experts: Consulte as estratégias de Aury Lopes Jr, Alexandre Morais da Rosa, Rodrigo Faucz, Gabriel Bulhões e outros grandes nomes por meio de IAs treinadas em seus acervos
        • IAs de Jurisprudência: Busque precedentes com IAs semânticas em uma base exclusiva com mais de 200 mil acórdãos do STJ, filtrados por ministro relator ou tema
        • Ferramentas para criminalistas: Use IA para aplicar IRAC em decisões, interpretar depoimentos com CBCA e avaliar ANPP com precisão e rapidez
        Ferramentas Criminal Player

        Por que essas ferramentas da Criminal Player são diferentes?

        • GPT-4 com curadoria jurídica: Utilizamos IA de última geração, ajustada para respostas precisas, estratégicas e alinhadas à prática penal
        • Fontes verificadas e linkadas: Sempre que um precedente é citado, mostramos o link direto para a decisão original no site do tribunal. Transparência total, sem risco de alucinações
        • Base de conhecimento fechada: A IA responde apenas com conteúdos selecionados da Criminal Player, garantindo fidelidade à metodologia dos nossos especialistas
        • Respostas com visão estratégica: As interações são treinadas para seguir o raciocínio dos experts e adaptar-se à realidade do caso
        • Fácil de usar, rápido de aplicar: Acesso prático, linguagem clara e sem necessidade de dominar técnicas complexas de IA
        Comunidade Criminal Player

        Mais de 5.000 conteúdos para transformar sua atuação!

        • Curso Teoria dos Jogos e Processo Penal Estratégico: Com Alexandre Morais da Rosa e essencial para quem busca estratégia aplicada no processo penal
        • Curso Defesa em Alta Performance: Conteúdo do projeto Defesa Solidária, agora exclusivo na Criminal Player
        • Aulas ao vivo e gravadas toda semana: Com os maiores nomes do Direito Criminal e Processo Penal
        • Acervo com 130+ Experts: Aulas, artigos, vídeos, indicações de livros e materiais para todas as fases da defesa
        • IA de Conteúdos: Acesso a todo o acervo e sugestão de conteúdos relevantes para a sua necessidade
        Comunidade Criminal Player

        A força da maior comunidade digital para criminalistas

        • Ambiente de apoio real: Conecte-se com colegas em fóruns e grupos no WhatsApp para discutir casos, compartilhar estratégias e trocar experiências em tempo real
        • Eventos presenciais exclusivos: Participe de imersões, congressos e experiências ao lado de Aury Lopes Jr, Alexandre Morais da Rosa e outros grandes nomes do Direito
        • Benefícios para membros: Assinantes têm acesso antecipado, descontos e vantagens exclusivas nos eventos da comunidade

        Assine e tenha acesso completo!

        • 75+ ferramentas de IA para estratégias jurídicas com base em experts e jurisprudência real
        • Busca inteligente em precedentes e legislações, com links diretos para as fontes oficiais
        • Curso de Alexandre Morais da Rosa sobre Teoria dos Jogos e Processo Penal Estratégico
        • Curso Defesa em Alta Performance com Jader Marques, Kakay, Min. Rogério Schietti, Faucz e outros
        • 5.000+ conteúdos exclusivos com aulas ao vivo, aulas gravadas, grupos de estudo e muito mais
        • Fóruns e grupos no WhatsApp para discutir casos e trocar experiências com outros criminalistas
        • Condições especiais em eventos presenciais, imersões e congressos com grandes nomes do Direito
        Assinatura Criminal Player MensalAssinatura Criminal Player SemestralAssinatura Criminal Player Anual

        Para mais detalhes sobre os planos, fale com nosso atendimento.

        Quero testar antes

        Faça seu cadastro como visitante e teste GRÁTIS por 7 dias

        • Ferramentas de IA com experts e jurisprudência do STJ
        • Aulas ao vivo com grandes nomes do Direito Criminal
        • Acesso aos conteúdos abertos da comunidade

        Já sou visitante

        Se você já é visitante e quer experimentar GRÁTIS por 7 dias as ferramentas, solicite seu acesso.