Sistema acusatório: o juiz das garantias e o interesse dos juízes
O artigo aborda a introdução do juiz das garantias no sistema processual penal brasileiro, enfatizando sua relevância no fortalecimento do sistema acusatório e as controvérsias geradas por sua implementação. O autor discute as resistências enfrentadas por esse instituto, especialmente por parte de instituições da magistratura, e a decisão do STF que manteve sua constitucionalidade, mas com restrições que podem comprometer sua eficácia. Por fim, destaca a importância de os juízes compreenderem e utilizarem este modelo para garantir um processo penal mais democrático, apesar das dificuldades inerentes ao sistema inquisitorial vigente.
Artigo no Conjur
O juiz das garantias, quando for introduzido no sistema inquisitorial brasileiro em vigor, deve servir – quem sabe tão só – aos juízes; quando, por evidente, deveria servir a todos. É razoável tentar explicar tal assertiva de modo a que, antes de tudo, os próprios juízes possam melhor esclarecer a situação e, depois, aderiram ao acolhimento da refundação do sistema, a fim de que se faça vivo, de fato, o sistema acusatório.
De fato, a introdução do juiz das garantias, no ordenamento jurídico brasileiro, como se sabe, foi efetivada pela Lei n° 13.964, de 24/12/2019, o chamado “Pacote Anticrime” que, nascendo no executivo, ganhou alterações (dentre elas as referentes ao juiz das garantias) na Câmara dos Deputados, como obra de uma comissão ali formada.
Era, de certa forma, uma aspiração antiga da doutrina democrática do processo penal, porque o instituto sempre esteve vinculado ao Sistema Acusatório, e por ele se lutava e luta até hoje. Estava previsto, antes, de lege ferenda, nos artigos 15 a 18, do PLS n° 156/09, o Projeto de reforma global do Código de Processo Penal.
Parecia, com a previsão legal, que se estava dando o passo mais importante para a implantação do único sistema processual penal compatível com a Constituição da República. Não era uma refundação propriamente dita porque se tratava de uma reforma parcial mas, mesmo assim, um substancioso primeiro passo. Admitia-se que “O processo penal terá estrutura acusatória…” (Artigo 3°-A, primeira parte), ou seja, que todo o processo penal seria regido por tal sistema, de modo a que se não invocasse, contra o dispositivo da lei (plenamente compatível com a CR, repita-se), as inconstitucionalidades, incoerências e maldades do velho sistema inquisitório. Era uma luz no fim do túnel.
A esperança de se ter um processo penal democrático começou a estremecer quando instituições ligadas à magistratura (Associação de Magistrados do Brasil (AMB); e Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe), logo depois da publicação da lei, propuseram a ADI n° 6.298, com questionamentos sérios, embora improcedentes; e logo em seguida os partidos políticos Podemos e Cidadania propuseram a ADI n° 6.299, assim como o PLS de n° 6.300. Por fim, a Associação Nacional dos Membros do Ministério Público (Conamp), propôs a ADI n° 6.305. Todos, em ultima ratio, não queriam a implantação do Juiz das Garantias, o que significava manter o status quo, o qual foi mantido em face de liminar concedida pelo relator, ministro Luiz Fux, suspendendo a eficácia de vários preceitos, mormente, quanto ao juiz das garantias, aqueles do art. 3°-A a 3°-F. A matéria só volta à pauta em junho de 2023, com a conclusão do julgamento em 23.06.23. Nele, a corte (contra o voto do relator) decidiu, no mérito, pela constitucionalidade e obrigatoriedade do juiz das garantias, o que aparentemente garante que será implementado.
Mas a corte, porém, mexeu de tal forma no texto referente ao juiz das garantias, com interpretações criativas e outras diatribes que acabou por criar um monstro, uma aberração jurídica. No fundo, confirmou a introdução do instituto (sabidamente ligado ao sistema acusatório), mas glosou (por “interpretações conforme” e declarações de inconstitucionalidade) os preceitos da lei para manter o atual sistema inquisitorial.
Como ele fazia sentido e era adequado aos preceitos que com ele vieram, a perspectiva – não se pode duvidar – é que a experiência não dê certo. E não pelo próprio instituto do juiz das garantias e, sim, pela manutenção do sistema inquisitorial. Por sinal, desde este ponto de vista, pode ser um fracasso como, de regra, acontece com institutos importados do sistema acusatório e alojados no sistema inquisitório, dentre outras coisas pelo fato de terem fundamentos diferentes e, portanto, uma epistemologia que não dialoga com aquela do estranho. Resta o perigo – que sempre ronda situações assim – do instituto ser acusado de não responder ao que veio, embora, com ele fora do devido lugar, seria um despautério.
Por outro lado, se ele vingar, tende a ser por motivo diverso daquele pelo qual responde a sua finalidade.
Ora, o juiz das garantias – pensado como no sistema acusatório – atua basicamente na fase de investigação preliminar e até o recebimento da inicial acusatória, razão por que a ele é dada (inclusive por coerência) o juízo de admissibilidade da acusação. Com isso, decide sobre as questões – começando pelas constitucionais – da referida fase, ou melhor, até o juízo de admissibilidade da acusação. Deste modo, não tem iniciativa probatória (para se garantir sua imparcialidade em relação às referidas questões), por um lado, mas, pelo outro, impedido de julgar o mérito e remeter o material recolhido (salvo as provas irrepetíveis) para a fase seguinte, garante ao juiz do processo a originalidade cognitiva. E nisso residem os principais pilares de sustentação de um sistema acusatório democrático.
Se tudo isso ficou consumido na decisão do STF, o que sobra de importante ao juiz das garantias tupiniquim?
Por certo que tendo competência funcional, não será – e não deve ser – um mero juiz auxiliar do juiz do processo. Longe disso, embora alguns devam pensar desta forma e, outros, queiram que assim seja na prática, mesmo porque na estrutura inquisitorial do processo penal brasileiro quase tudo é possível. Algo do gênero, então, seria um desastre.
Mas atenção! Ter-se-á, no processo penal, dois juízes atuando no mesmo processo em primeira instância e, portanto, tende a diminuir substancialmente a carga de trabalho do juiz do processo. Não se perde – e isso é muito claro – a jurisdição, logo, o poder; e sim uma parte da competência, ou seja, do trabalho, ou, para ser mais técnico, do exercício jurisdicional. A decisão do STF, deste modo, vem ao encontro de uma demanda histórica da magistratura, qual seja, aquela que aponta para a redução da carga de trabalho.
O que resta saber é se o juiz das garantias, com o arranjo feito pelo STF, irá beneficiar tão só aos juízes que, hoje, carregam o trabalho inteiro da persecutio criminis.
A resposta, ao que parece, não se pode dar imediatamente, mesmo porque ela depende – e agora sem a base legal – daquilo que irão fazer os juízes na função de juiz das garantias. A subjetividade, enfim, define o desempenho da função e o que se pode esperar é que todos entendam o instituto como um elemento efetivamente importante do sistema acusatório, fazendo dele algo democrático mesmo que metido na estrutura inquisitorial. E isso se pode afirmar porque se tratam de situações diferentes. Afinal, o sistema processual penal brasileiro é – reconhecidamente – inquisitorial e muitos – muitos! – juízes são democráticos, inclusive por aplicarem de modo estrito a CR (Constituição da República) e as leis, o que tem sido motivo de larga reputação, mesmo em tempos sombrios.
A decisão do STF, por outro lado, mostrou, escancaradamente, que muitos dos ministros não tinham o conhecimento desejado (em suma: que deveriam ter) sobre o tema dos sistemas processuais penais, o que acabou sendo determinante para a decisão tomada – e ficou estampado nos votos –, a qual se valeu de um decisionismo inconcebível e inaceitável. A exceção – e está registrado – foi o ministro Edson Fachin, que votou contra a maioria em grande parte das questões envolvendo a matéria, sendo sempre vencido. É certo, porém, que se trata de um tempo difícil para discutir tema tão sensível à democracia, o que se percebe pelos inquéritos conduzidos pelo ministro Alexandre de Moraes no STF. De qualquer forma – e mais uma vez –, há de se notar que são coisas diferentes; e isso é importante perceber para não se deixar de pensar que as decisões de Brasília, hoje, quase que instantaneamente produzem efeitos no Brasil inteiro. Só Brasília que, não raro, não percebe isso; talvez porque em muitos aspectos siga longe demais do Brasil.
*este texto é a primeira parte de um ensaio elaborado em homenagem à memória do professor e amigo Julio Maier.
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