Artigos Conjur – O enfrentamento dos modelos de prova nos debates em plenário

Artigos Conjur
Artigos Conjur || O enfrentamento dos modelos…Início / Conteúdos / Artigos / Conjur
Artigo || Artigos dos experts no Conjur

O enfrentamento dos modelos de prova nos debates em plenário

O artigo aborda a importância do debate probatório no Tribunal do Júri, destacando que o discurso retórico deve ser complementado pela análise criteriosa das provas apresentadas. Os autores ressaltam a relevância de um procedimento estruturado que leve em conta a responsabilidade das partes em construir argumentos sólidos, promovendo a interação e a dialética entre os jurados. Além disso, enfatizam que a qualidade da argumentação pode influenciar diretamente a percepção e a decisão do Conselho de Sentença, afastando visões simplistas e românticas sobre o papel da prova no julgamento.

Artigo no Conjur

Um julgamento perante o Tribunal do Júri é sempre sedutor. Plateia normalmente cheia, ainda que não se trate de fato midiático. Nessa ambiência, ao lado dos interessados no caso (familiares do réu e da vítima), se alocam também estudantes de Direito e curiosos em geral. A espera, em regra, é dirigida ao momento dos debates, em que as partes desenvolvem seus raciocínios argumentativos e técnicas de oratória.

Da apreciação do discurso romantizado, a atenção ao aspecto probatório — inclusive digital — ganha proeminência nas tomadas de decisão. Consequentemente, sustentações em que a retórica exercia supremacia ao debate probatório estão cada vez mais descontextualizadas. Claro que as sustentações em plenário, frequentemente, ainda abarcam graus de emoções intrínsecas aos crimes dolosos contra a vida. Mas o tribuno tem de refletir, cada vez mais, que o contexto probatório ganha espaço ao aspecto retórico de qualquer julgamento. E isso não seria diferente no júri.

Perpassando por essa significativa mudança, e levando em consideração as peculiaridades do procedimento do júri, três pontos se destacam: 1º) um procedimento bifásico; 2º) o tempo destinado às partes para apresentação de suas teses; 3º) a participação popular na tomada de decisões. Para a construção do presente artigo, daremos ênfase ao segundo ponto a partir dos modelos teóricos de prova [1] submetidos aos debates em plenário.

Preceitua o artigo 476 do CPP que, encerrada a instrução probatória, será concedida às partes o momento de apresentação dos seus argumentos por período de uma hora e meia ou, na hipótese de mais de um acusado, duas horas e meia, sem contar com a réplica e tréplica. Eis o cerne da questão a ser enfrentada. Seguimos pelo foco exclusivamente probatório neste ato processual (não como direito probatório, mas como são formados e instruídos os resultados extraídos dos elementos de prova), deixando os limites normativos do próprio debate (artigos 478 e 479, CPP) e judiciais (ADPF 779, por exemplo) para outro momento.

A abordagem, nos textos que seguem na coluna, diz respeito à forma — “a arrumação” — como os elementos de prova devem ser apresentados nos debates orais em plenário para que surtam efeitos na valoração da prova pelo Conselho de Sentença. Apresentaremos, de forma não exauriente [2], os modelos teóricos de provas (um esboço de esquematização) e a necessidade de seguirmos além de uma lógica informal, que muito se assemelha ao enfrentamento retórico de apresentação e valoração da prova.

Para além dos vários conceitos de argumento, para o nosso contexto fático-probatório, deve-se observar que a relevância da análise diz respeito à responsabilidade de cada parte em formar uma estrutura argumentativa durante o confronto, objetivando o convencimento do seu auditório (no caso do júri, os jurados). Por isso, a argumentação eficaz é a que consegue aumentar a intensidade da adesão da pretensão do interlocutor à conclusão [3].

Cada etapa da argumentação fática possuirá, em regra, um substrato probatório subjacente, não havendo apenas a consideração “como um todo” (um conjunto probatório), e sim baseado pela análise dos vários elementos de forma individualizados no caso concreto, o que caracteriza esse modelo como “atomístico” [4]. Resulta, portanto, na caracterização individual dos elementos de prova e condiciona críticas tópicas sobre seus valores. Disso deriva a necessidade de eleger e de indicar a força probatória de cada elemento de prova a partir dos argumentos de exposição e refutação (tema que já enfrentamos nesta coluna).

Por outro lado, qualquer argumento em termos práticos possui a função precípua de persuadir o seu público específico, objetivando a formação do convencimento sobre a exposição da tese exposta. Esse é o papel — desafiador — das partes na apresentação de seus argumentos em qualquer ambiência da vida cotidiana e, claro, no Tribunal do Júri.

Da mesma forma, não há como ignorar o processo de raciocínio argumentativo para a formação da prova e a produção de seus efeitos, mormente porque qualquer substrato cognitivo do processo — e a decisão dos jurados faz parte integrante desse conjunto — só terá um valor condigno com o saber através da atividade controversa para que haja afastamento de uma lógica informal e/ou retórica, objetivando ingressar em sua própria coerência jurídica [5].

Esse modelo “arranjo” argumentativo da prova em muito se destaca nos debates perante o julgamento pelo tribunal do júri, em que as partes conseguem aprimorar a forma de exposição de todos os elementos, justamente pelo tempo destinado pelo procedimento, aliado, ainda à originalidade cognitiva dos jurados.

O que denota importante na linha do estudo sobre a argumentação, em sentido genérico, ou mesmo no contexto afirmativo sobre os fatos, é que o processo de argumentação será reconhecido como processo de justificação [6], porquanto o caminho trilhado a partir de elementos de prova sobre fatos imputados, e sua refutação, desemborcará na formação da consequência jurídica pelo Conselho de Sentença [7].

Neste ponto, torna-se visível que, para além do modelo narrativo (tema que ainda discutiremos), o modelo argumentativo alicerça todo esse momento de debate, na medida em que a responsabilidade das partes deve ser conferida através do diálogo intraprocessual. A principal característica desse modelo está na necessária interação entre um argumento com todos os outros argumentos (argumentos e contra-argumentos) expostos neste ato em que se caracteriza e maximiza a dialética processual [8].

Logo, a questão jurídico-processual a ser enfrentada diz respeito à formação de um nexo necessário entre a estrutura argumentativa e os elementos de provas que são produzidas, em especial, na instrução em plenário, por isso, fomentamos, ao máximo, a produção de provas em plenário (veja o artigo em que abordamos a questão). Dessas explanações, decorre uma ilação lógica: no plenário do júri, não subsiste espaço para apresentação de uma visão romântica alicerçada em uma sustentação vazia.

Consequentemente, a formação dialógica do debate em plenário dependerá, também, dessa referência, em que as partes possuirão função primordial no estabelecimento dessa concepção, na medida em que os esquemas de argumentação virão sempre com um conjunto de alegações e questões críticas a serem enfrentadas pelo Conselho de Sentença.

Pode-se indicar, portanto, que o elenco de argumentos trazidos nos debates estabelece uma importante função de modelagem do estado das provas que deve ser construída pelas partes, afastando o entendimento simplório de que o rol de informações seria a base exclusiva para a direção do conjunto de provas [9] e a formação da decisão penal.

Destaca-se que, os argumentos realizados pelas partes não configuram, em regra, uma simples afirmação ou negação de um ato ou de uma estrutura normativa destituída de referência fática-probatória. A consolidação da lógica argumentativa deverá estar arraigada de necessária justificação dos atos realizados e fatos afirmados pelos elementos de prova constantes, o que acabado sendo mais visível no julgamento perante o júri, em virtude do tempo destinado à exposição oral das partes (lembramos que no procedimento comum cada parte processual possui, no máximo, trinta minutos — artigo 403, caput, CPP [10]). Essa será a formação do conteúdo do modelo argumentativo sobre a contextualização da prova penal no plenário do júri.

Mas, para que esse modelo argumentativo seja efetivado, para além do storytelling, necessário ilustrá-lo com um esquema de apresentação, o que faremos no artigo da próxima semana.

[1] Para a reflexão adota-se como referência a modelos que “implicam a construção de uma teoria ou de um esboço hipotético relativamente a uma determinada esquematização”. PEREIRA, Rui Soares. Modelos de Prova. In Prova Penal Teórica e Prática. Coord. Paulo de Sousa Mendes e Rui Soares Pereira. Coimbra: Almedina, 2019, p. 49.

[2] Analisamos essa questão com mais profundidade em SAMPAIO, Denis. A Valoração da Prova Penal. O problema do livre convencimento e a necessidade de fixação do método de constatação probatório como viável controle decisório. 1ª. ed. Florianópolis: Emais, 2022. no capítulo III

[3] PERELMAN, Chaïm e OLBRECHTS-TYTECA, Lucie. Tratado da argumentação. A nova retórica. Trad. Maria Ermantina de Almeida Prado Galvão. São Paulo: Martins Fontes, 2005, p.50.

[4] TWINING, William. Lawyers’ Stories. In Rethinking Evidence. Exploratory Essays. 2ª. ed. New York: Cambridge University Press, 2006, p. 309. PEREIRA, Rui Soares. Evidence models and proof of causation. In Law, Probability and Risck. n. 12, 2013, p. 233, nrp. 17.

[5] “As sentenças não resultam de proposições verdadeiras retiradas de um silogismo, mas em respostas mais aceitáveis, adaptadas e integradas numa argumentação.” CALHEIROS, Maria Clara. A construção retórica do processo penal. In Que Futuro para o Direito Processual Penal? Simpósio em Homenagem a Jorge de Figueiredo Dias por ocasião dos 20 anos do Código de Processo Penal Português. Coord. Màrio Ferreira Monte et al. Coimbra: Coimbra, 2009, p. 367/368.

[6] MacCORMICK, Neil. A argumentação jurídica e teoria do direito. Trad. Waldéa Barcellos. Martins Fontes: São Paulo, 2006. p. 19.

[7] BEX, Floris J. e VERHEIJ, Bart. Legal Stories and the Processo f Proof. In Artificial Intelligence and Law 21(3), p.254.

[8] PRAKKEN, Henry. Analysing reasoning about evidence with formal models of argumentation. In Law, Probability and Risck. n. 3, 2004, p. 38.

[9] Nessa linha, criticando a autonomia das fontes de prova, indica Stein que o valor probatório somente estará identificado quando houver a argumentação sobre as fontes de prova, ou seja, o peso e a credibilidade de um elemento de prova não se constitui apenas pela fonte, mas pelos argumentos expostos em relação ao conteúdo probatório. STEIN, Alex.The Refoundation of Evidence Law. In Canadian Journal of Law and Jurisprudence. vol. IX, nº 2, 1996, p. 308.

[10] Essa é a regra normativa e de aplicação imprescindível ao estabelecimento do princípio acusatório. Contudo, a nossa cultura inquisitória ainda produz certa refração à aplicação da oralidade e estabelece a escrita como prática forense.

Referências

Relacionados || Outros conteúdos desse assunto
    Mais artigos || Outros conteúdos desse tipo
      Daniel Avelar || Mais conteúdos do expert
        Denis Sampaio || Mais conteúdos do expert
          Gina Muniz || Mais conteúdos do expert
            Rodrigo Faucz || Mais conteúdos do expert
              Acesso Completo! || Tenha acesso aos conteúdos e ferramentas exclusivas

              Comunidade Criminal Player

              Elabore sua melhor defesa com apoio dos maiores nomes do Direito Criminal!

              Junte-se aos mais de 1.000 membros da maior comunidade digital de advocacia criminal no Brasil. Experimente o ecossistema que já transforma a prática de advogados em todo o país, com mais de 5.000 conteúdos estratégicos e ferramentas avançadas de IA.

              Converse com IAs treinadas nos acervos de Aury Lopes Jr, Alexandre Morais da Rosa, Rodrigo Faucz, Gabriel Bulhões, Cristiano Maronna e outros gigantes da área. Explore jurisprudência do STJ com busca inteligente, análise de ANPP, depoimentos e muito mais. Tudo com base em fontes reais e verificadas.

              Ferramentas Criminal Player

              Ferramentas de IA para estratégias defensivas avançadas

              • IAs dos Experts: Consulte as estratégias de Aury Lopes Jr, Alexandre Morais da Rosa, Rodrigo Faucz, Gabriel Bulhões e outros grandes nomes por meio de IAs treinadas em seus acervos
              • IAs de Jurisprudência: Busque precedentes com IAs semânticas em uma base exclusiva com mais de 200 mil acórdãos do STJ, filtrados por ministro relator ou tema
              • Ferramentas para criminalistas: Use IA para aplicar IRAC em decisões, interpretar depoimentos com CBCA e avaliar ANPP com precisão e rapidez
              Ferramentas Criminal Player

              Por que essas ferramentas da Criminal Player são diferentes?

              • GPT-4 com curadoria jurídica: Utilizamos IA de última geração, ajustada para respostas precisas, estratégicas e alinhadas à prática penal
              • Fontes verificadas e linkadas: Sempre que um precedente é citado, mostramos o link direto para a decisão original no site do tribunal. Transparência total, sem risco de alucinações
              • Base de conhecimento fechada: A IA responde apenas com conteúdos selecionados da Criminal Player, garantindo fidelidade à metodologia dos nossos especialistas
              • Respostas com visão estratégica: As interações são treinadas para seguir o raciocínio dos experts e adaptar-se à realidade do caso
              • Fácil de usar, rápido de aplicar: Acesso prático, linguagem clara e sem necessidade de dominar técnicas complexas de IA
              Comunidade Criminal Player

              Mais de 5.000 conteúdos para transformar sua atuação!

              • Curso Teoria dos Jogos e Processo Penal Estratégico: Com Alexandre Morais da Rosa e essencial para quem busca estratégia aplicada no processo penal
              • Curso Defesa em Alta Performance: Conteúdo do projeto Defesa Solidária, agora exclusivo na Criminal Player
              • Aulas ao vivo e gravadas toda semana: Com os maiores nomes do Direito Criminal e Processo Penal
              • Acervo com 130+ Experts: Aulas, artigos, vídeos, indicações de livros e materiais para todas as fases da defesa
              • IA de Conteúdos: Acesso a todo o acervo e sugestão de conteúdos relevantes para a sua necessidade
              Comunidade Criminal Player

              A força da maior comunidade digital para criminalistas

              • Ambiente de apoio real: Conecte-se com colegas em fóruns e grupos no WhatsApp para discutir casos, compartilhar estratégias e trocar experiências em tempo real
              • Eventos presenciais exclusivos: Participe de imersões, congressos e experiências ao lado de Aury Lopes Jr, Alexandre Morais da Rosa e outros grandes nomes do Direito
              • Benefícios para membros: Assinantes têm acesso antecipado, descontos e vantagens exclusivas nos eventos da comunidade

              Assine e tenha acesso completo!

              • 75+ ferramentas de IA para estratégias jurídicas com base em experts e jurisprudência real
              • Busca inteligente em precedentes e legislações, com links diretos para as fontes oficiais
              • Curso de Alexandre Morais da Rosa sobre Teoria dos Jogos e Processo Penal Estratégico
              • Curso Defesa em Alta Performance com Jader Marques, Kakay, Min. Rogério Schietti, Faucz e outros
              • 5.000+ conteúdos exclusivos com aulas ao vivo, aulas gravadas, grupos de estudo e muito mais
              • Fóruns e grupos no WhatsApp para discutir casos e trocar experiências com outros criminalistas
              • Condições especiais em eventos presenciais, imersões e congressos com grandes nomes do Direito
              Assinatura Criminal Player MensalAssinatura Criminal Player SemestralAssinatura Criminal Player Anual

              Para mais detalhes sobre os planos, fale com nosso atendimento.

              Quero testar antes

              Faça seu cadastro como visitante e teste GRÁTIS por 7 dias

              • Ferramentas de IA com experts e jurisprudência do STJ
              • Aulas ao vivo com grandes nomes do Direito Criminal
              • Acesso aos conteúdos abertos da comunidade

              Já sou visitante

              Se você já é visitante e quer experimentar GRÁTIS por 7 dias as ferramentas, solicite seu acesso.