Artigos Conjur – Presunção de inocência, plenitude de defesa e soberania dos veredictos: feliz 2024!

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Presunção de inocência, plenitude de defesa e soberania dos veredictos: feliz 2024!

O artigo aborda a retrospectiva das decisões dos tribunais superiores em 2023 relacionadas ao Tribunal do Júri, destacando temas como a presunção de inocência, a plenitude de defesa e a inconstitucionalidade da tese da legítima defesa da honra. Os autores analisam decisões que impactam a atuação dos jurados e a necessidade de respeitar direitos fundamentais no julgamento. A expectativa para 2024 é de que o STF continue protegendo esses princípios em novos julgados.

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Nos últimos dias do ano, comumente fazemos uma retrospectiva do que se passou e um prognóstico para o ano vindouro. Nesta coluna, não poderia ser diferente, mormente em razão da dialética que entretece o tempo e o direito [1]. Em 2023, os tribunais superiores debruçaram-se sobre questões relevantes do Tribunal do Júri, criando um “espaço de experiência” que configura a compreensão e interpretação dos textos normativos no futuro [2], norteador do “horizonte de expectativas” normativas para 2024 [3].

Doravante, discorreremos brevemente sobre algumas questões tratadas em sete decisões paradigmáticas deste ano, já que os limites espaciais deste artigo não nos permitem comentar todas. Optamos por seguir o critério cronológico, dada a impossibilidade de apresentá-las em ordem de maior ou menor relevância.

As duas primeiras decisões selecionadas reiteram a jurisprudência consolidada dos tribunais superiores no sentido de que o rol previsto no artigo 478 do CPP é taxativo. A 6ª Turma do STJ entendeu que a menção em plenário dos antecedentes do réu não enseja nulidade processual (STJ, AgRgno HC 763.981/MS, relator Min. Sebastião Reis Júnior, Sexta Turma, julgado em 06/03/2023, DJe 10/03/2023). Ainda nesta perspectiva o ministro Gilmar Mendes entendeu que inexiste proibição para que o Ministério Público, em plenário do Júri, utilize, como argumento de autoridade, o fato de o réu estar foragido (STF, HC 226.259, Rel. Min. Gilmar Mendes, decisão monocrática de 19/06/2023).

Sobre a matéria, nos posicionamos aqui e aqui, defendendo que o rol do artigo 478 do CPP deveria ser considerado meramente exemplificativo, porquanto o propósito desse dispositivo legal é impedir que a decisão do Conselho de Sentença se distancie do acervo probatório constante dos autos e se aproxime de referências meramente retóricas. Algumas questões, a exemplo dos antecedentes do réu, prisão ou fuga do réu, se trabalhadas como argumento de autoridade pelas partes, são capazes de desviar os jurados da cruzada probatória para um julgamento enviesado, influenciado por preconceitos e exclusivamente persuasórios.

A terceira decisão diz respeito à (im)possibilidade de realização do interrogatório do réu por videoconferência em sessão plenária. Nos autos do HC 229.271, em 15/06/2023, o ministro Gilmar Mendes, em decisão monocrática, acenou favoravelmente a essa prática. Não obstante, um dia depois (16/06/2023), o julgador reconsiderou seu entendimento e suspendeu a sessão plenária do júri.

A despeito do Código de Processo Penal (artigos 185, §2°) admitir excepcionalmente a realização do interrogatório do réu por videoconferência, entendemos acertado o posicionamento do Min. Gilmar Mendes em não admitir uma sessão plenária híbrida, com a presença virtual do acusado, e participação presencial dos jurados, testemunhas, Ministério Público, defesa técnica e Judiciário. A oralidade e imediatidade são vigas mestras do tribunal do júri e do próprio sistema acusatório. É imprescindível que os jurados tenham contato direto com as partes e com as provas para decidirem com mais segurança e qualidade. Sobre a temática, de forma pormenorizada, desenvolvemos nossos argumentos aqui.

O quarto precedente é o julgamento da ADPF 779, finalizado em 01/08/2023. O Plenário do STF referendou medida liminar concedida em 2021, e declarou inconstitucional o uso da tese da legítima defesa da honra nos crimes de feminicídio. Em suma, foram firmadas as seguintes diretrizes: 1) A tese da legítima defesa da honra é inconstitucional e não pode ser invocada, direta ou indiretamente, em qualquer procedimento, inclusive no júri, sob pena de nulidade; 2) Como o acusado não pode beneficiar-se da própria torpeza, não se reconhece a nulidade quando a defesa fizer propositadamente uso da tese da legítima defesa da honra para buscar uma nulidade; 3) Não há violação à soberania dos veredictos em provimento de apelação para anular absolvição fundada em quesito genérico, quando, de algum modo, houver relação com a tese de legítima defesa da honra.

Inequivocadamente, não podemos mais tolerar a violência contra as mulheres, e assim já nos manifestamos nesta coluna. O grande questionamento é: essa problemática restará solucionada com a decisão do STF, ou seja, teremos efetivo combate ao feminicídio com o cerceamento do direito do acusado à plenitude de defesa? O tema é complexo, e certamente será alvo de debate em artigos vindouros.

Não obstante, de plano, se faz necessário repudiar uma polarização maniqueística que vem sendo equivocadamente erguida nas redes sociais: ou a pessoa é feminista e concorda com o objeto da ADPF 779, ou a pessoa é contra o feminismo e por isso vislumbra inconstitucionalidade na proibição do uso da tese da legítima defesa da honra nos casos de feminicídio.

Recorrendo-se ao dicionário, aprende-se que feminismo é a “teoria que sustenta a igualdade política, social e econômica de ambos os sexos”. Destarte, fácil concluir que uma pessoa pode, concomitantemente, ser feminista e ter uma posição crítica em relação ao núcleo fundante da ADPF 779.

Outrossim, é questionável porque a preocupação com a dignidade da pessoa humana tem a vítima como destinatário exclusivo. A bem da verdade, a defesa e (também) a acusação precisam exercer o seu papel sem valer-se de argumentos alheios à prova dos autos, e tampouco impregnar os debates com discurso de ódio. Leia sobre essas reflexões aqui.

O quinto precedente selecionado para essa retrospectiva diz respeito ao julgamento em favor da constitucionalidade do juiz de garantias pelo Plenário do STF, em 24/8/2023. A Corte Suprema decidiu que o instituto não tem aplicação no procedimento do júri. Conforme expusemos aqui e aqui, entendemos que inexiste qualquer fundamento teórico e/ou prático para justificar tal exclusão. Constituiu uma escolha legítima do Congresso, que previu expressamente no artigo 3º-C que “a competência do juiz das garantias abrange todas as infrações penais, exceto as de menor potencial ofensivo, e cessa com o recebimento da denúncia ou queixa na forma do art. 399 deste Código”.

Para além de uma opção legislativa, a aplicação no julgamento dos crimes de competência do tribunal do júri fazia sentido a partir da interpretação da própria Constituição [4]. O júri é, por si só, uma garantia constitucional do artigo 5º. Ora, ao ser reconhecido como um direito fundamental, seu procedimento se reveste de uma cautela adicional, justamente para evitar que o julgamento popular transcorra de maneira injusta e parcial.

A sexta decisão aponta para a discussão da sindicabilidade judicial acerca da produção probatória. A 5ª Turma do STJ entendeu que “a plenitude de defesa exercida no Tribunal do Júri não impede que o magistrado avalie a pertinência da produção da prova” (processo em segredo de justiça, Rel. Ministro Messod Azulay Neto, 5ª Turma, por unanimidade, julgado em 5/9/2023, informativo 786). Entendemos acertado tal entendimento, porquanto a produção probatória deve seguir as diretrizes constitucionais, devendo o juiz indeferir apenas aquelas que se revelarem impertinentes ou meramente especulativas e, mesmo assim, desde que não prejudique a sustentação de eventuais teses defensivas.

Ainda no informativo 786, consta uma decisão da 6ª Turma do STJ, ao nosso ver também acertada, qual seja: “A má formulação de quesito, com imputações não admitidas na pronúncia, causa nulidade absoluta e justifica exceção à regra da impugnação imediata, afastando-se a preclusão” (REsp 2.062.459-RS, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, Rel. para acórdão Min. Antonio Saldanha Palheiro, 6ª Turma, por maioria, j. em 5/9/2023). Defendemos que qualquer violação ao princípio da correlação entre pronúncia e sentença gera inegável (e irremediável) prejuízo ao acusado.

Por último, lembramos que foi sancionada a Lei 14.752/2023 que extinguiu a pena de multa que poderia ser aplicada ao defensor que abandonasse o processo. A mesma multa era aplicada para aqueles que se retirassem do plenário do júri. Escrevemos sobre a Lei e a necessidade de sua aplicação retroativa aqui. Com este mesmo entendimento, foi publicada importante decisão da Min. Daniela Teixeira: “a pena de multa aplicada a advogados não apenas foi revogada, como os efeitos de tal revogação devem retroagir a fim de abranger hipóteses, como a dos autos, em que foram aplicadas em clara violação das prerrogativas da advocacia e limitando a atuação dos profissionais regularmente inscritos na Ordem dos Advogados do Brasil.” (REsp 2.062.459-RS, Rel. Min. Daniela Teixeira, j. em 15/12/2023).

Conforme se depreende da leitura desta breve retrospectiva, em 2023, os tribunais superiores tomaram decisões importantes no cenário do Tribunal do Júri. Para 2024, ficamos na expectativa do julgamento dos Temas 1.068 e 1.087 pelo STF, que tratam, respectivamente, da (in)constitucionalidade da prisão automática do réu condenado pelo Tribunal do Júri a uma pena igual ou superior a 15 anos de reclusão (CPP, artigo 492, inciso I, “e”) e da (im)possibilidade de apelação da sentença absolutória do Júri, matérias sobre as quais discorremos, respectivamente, aqui e aqui.

O Tribunal do Júri está previsto no artigo 5º, inciso XXXVIII, da CF. Seu enquadramento topológico, por si só, sinaliza algo bem importante: trata-se de um direito fundamental. Esperamos que, em 2024, o STF bem exerça seu papel de guardião da Constituição nos julgamentos referidos e reconheça, no julgamento do Tema 1.068, a inconstitucionalidade da prisão automática e, no Tema 1.087, a impossibilidade de apelação do veredicto sentença absolutório do Júri, tudo com embasamento no princípio da presunção de inocência, na plenitude de defesa e na soberania dos veredictos, diretrizes basilares de um processo penal democrático.

_______________________________________

[1] OST, François. O tempo do direito. Lisboa: Instituto Piaget, p. 14.

[2] MAIA, Alexandre da. Racionalidade e progresso nas teorias jurídicas: o problema do planejamento do futuro na história do direito pela legalidade e pelo conceito de direito subjetivo. ADEODATO, João Maurício; BRANDÃO, Cláudio; CAVALCANTI, Francisco. Principio da legalidade: da dogmática jurídica à teoria do direito. Rio de Janeiro, Forense, 2009, p. 7.

[3]“Espaço de experiência” e “horizonte de expectativa” são categorias meta-históricas cunhadas por: KOSELLECK, Reinhart. “Espaço de experiência e horizonte de expectativa” In: KOSELLECK, Reinhart. Futuro Passado: Contribuição à semântica dos tempos históricos. Rio de Janeiro: Contraponto/PUC-RJ, 2006, p. 305-327.

[4] Recomendamos a leitura do artigo: “MAYA, André Machado. A importância do juiz de garantias para o Tribunal do Júri no Brasil. In Estudos em Homenagem aos 200 anos do Tribunal do Júri no Brasil. Rodrigo Faucz e Daniel Avelar (Org.). São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2022.”

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