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E nasce, com o feminicídio, a primeira pena de 40 anos no Brasil

O artigo aborda a recente aprovação da Lei 14.994/24, que institui um pacote antifeminicídio, visando agravar as penas para crimes de violência contra a mulher, tornando o feminicídio um crime autônomo e hediondo com penas que podem atingir até 60 anos. Apesar do apoio social, o texto sugere a necessidade de uma análise crítica sobre a eficácia de medidas punitivas e a busca por soluções mais racionais nas políticas públicas criminais. Os autores, Iara Maria Machado Lopes e Alexandre Morais da Rosa, destacam a preocupação com um possível exagero no aumento das penas, sem um debate mais profundo sobre o sistema de justiça criminal.

Artigo no Conjur

Entrou em vigor anteontem, dia 9 de outubro, a Lei 14.994/24, intitulada pacote antifeminicídio. A tônica central da norma é uma só: agravar o disciplinamento criminal dado à violência contra as mulheres. Mobiliza, para isso, alterações no Código Penal, na Lei das Contravenções Penais, na Lei da Execução Penal, na Lei dos Crimes Hediondos, na Lei Maria da Penha e no Código de Processo Penal.

Entre as suas numerosas inovações [1] [2], o carro-chefe do pacote parece ser o de tornar o feminicídio um crime autônomo e hediondo, e, nesse embalo, aumentar a sua pena abstrata entre 20 e 40 anos de reclusão. A situação se agrava quando é possível projetar que, no caso de incidir alguma das causas especiais de aumento do “novo feminicídio”, a pena aplicada pode chegar a 60 anos de reclusão.

Estamos testemunhando, portanto, o nascimento da primeira previsão legal abstrata de uma pena máxima de 40 anos no Brasil. Não custa enfatizar: estamos diante do primeiro movimento legislativo exitoso em positivar uma pena de 40 anos no país, contemplando, com isso, o período máximo de cumprimento de pena permitido após o pacote anticrime.

Punitivismo

Se desconhecem as razões categóricas que alavancaram especificamente o crime de feminicídio ao posto de pioneiro nessa paradoxal vanguarda recrudescedora. É certo que, na política, diversos são os vetores e arranjos que impulsionam ou paralisam uma matéria, evidenciando que, não raro, ela também opera sob movimentos de improvisos e contingências.

O que se conhece, por outro lado, é que o pacote não versa sobre qualquer tema. Pelo contrário, versa sobre um de considerável complexidade e gravidade, que é acompanhado de boa recepção e grande apelo social. Levantar a suspeita de que sejam elementos que viabilizaram a aprovação, contudo, nem de longe mitiga ou desmerece a seriedade do grave problema acolhido pela lei.

O que já não pode mais passar ilesa é a antiquada e decadente fórmula de traduzir a gravidade de um problema público em propulsão a uma política que sempre prioriza o agravamento da punição como alternativa. [3] Nesse contexto, não há como deixar de tensionar o ceticismo de quem ainda acredita na finalidade preventiva da pena.

É preciso defender, ainda, que, em nome da racionalidade legislativa, a legitimidade que merece ser dada aos movimentos sociais e às vítimas de sentir e defender a pauta à flor da pele, deve ser muito mais comedida aos(às) decisores(as) enquanto produtores(as) de políticas públicas criminais. Mesmo que representem instituições políticas, naturalmente sensíveis à opinião pública e ao eleitorado, ainda precisam garantir que estejam, no fim do dia, entregando decisões ponderadas, transparentes e realmente capazes de dirimir o problema [4].

É cedo para dizer se a violência de gênero será um dos estandartes do sistema de justiça criminal ou se o Pacote foi apenas o primeiro de tantos outros que virão. Independente da interpretação, há algo de prudente na apreensão quanto ao futuro da nossa política legislativa penal.

O episódio inevitavelmente nos alimenta de dúvidas. Continuaremos a lidar apenas com reformas maximizadoras do poder punitivo? Se sim, até quando? Existirá uma leva de alterações legislativas nas penas para se atingir o máximo de 40 anos? Há elementos para se esperançar gotejos de racionalidade?

O que há de inédito, há de preocupante na Lei 14.994/24. A chegada ao extremo da fronteira punitiva com o feminicídio deve desassossegar não só a comunidade jurídica como todos(as) que constroem e disputam o curso das políticas públicas criminais no país. Esse texto é apenas um modesto sinal de alerta para isso.

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[1] Apenas para se consignar preocupação com outras medidas altamente repressivas aprovadas, tem-se: (a) o aumento em dobro das penas dos crimes contra honra de mulher em razão de gênero; (b) o aumento das penas abstratas dos crimes de lesão corporal contra cônjuge, companheiro(a) ou familiares e contra mulher em razão de gênero, passando a ser de 2 a 5 anos de reclusão; (c) o aumento em dobro da pena do crime de ameaça contra mulher em razão de gênero, e a ação penal tornar-se pública incondicionada; (d) o aumento pelo triplo da pena da contravenção de vias de fato se contra mulher em razão de gênero; (e) o aumento da pena abstrata do crime de descumprimento de medidas protetivas de urgência para 2 a 5 anos de reclusão, e multa; (f) a decretação da perda de poder familiar e de cargo público tornar-se automática em condenações definitivas por crimes contra mulher em razão de gênero; entre outras.

[2] Neste texto, optou-se por referenciar “em razão de gênero” por se crer ser a mais devida, ainda que a Lei tenha optado por “razões da condição do sexo feminino”.

[3] Uma das opções tomadas pelo Pacote escancara isso, como quando aumenta de 50% para 55% o percentual de cumprimento da pena necessário à progressão de regime de réu primário. Da onde o percentual foi retirado? O aumento de 5% significa o que em termos político-criminais? A honesta impressão é que nenhuma medida envolvendo acusado(a) de violência de gênero poderia passar ilesa do agravamento, mesmo que sob esses termos injustificados.

[4] Defende-se abertamente a necessidade de adoção de ferramentas avaliativas para garantir isso. Em outros trabalhos, já se discorreu a respeito: https://repositorio.ufsc.br/handle/123456789/256793 ou https://publicacoes.ibccrim.org.br/index.php/boletim_1993/article/view/1146.

Referências

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