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MP atuou mais no discurso do que em ações de combate à corrupção

O artigo aborda a atuação da Procuradoria-Geral da República e dos Ministérios Públicos estaduais no combate à corrupção, destacando que, apesar de alguns avanços, predominam ações superficiais em lugar de uma verdadeira gestão e comprometimento. A reflexão sobre a falta de planejamento, recursos e estratégias, junto à necessidade de maior proximidade com a sociedade, é crucial para fortalecer a função do Ministério Público, que deve transcender discursos e promover a participação popular efetiva. Por fim, enfatiza a importância de uma mudança cultural interna para garantir os direitos da população e um papel ativo na defesa da democracia.

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A Procuradoria-Geral da República, com muito mais acertos do que erros, no desempenho da titularidade da ação penal tendo como foco autoridades com foro privilegiado, mostrou que pode funcionar como órgão de execução, por mais que precise, como todos os órgãos do MP, refletir sobre a capacidade de a instituição exercer uma verdadeira advocacia de interesse público não apenas no oferecimento da denúncia, mas também na cobrança para andamento célere do processo. Uma denúncia oferecida em 2008 e recebida apenas em 2016, definitivamente, não é aceitável. Se parte maior da responsabilidade cabe ao Judiciário — a quem cabe dar andamento às peças acusatórias oferecidas, também é preciso discutir a atitude concreta do Ministério Público fiscal frente a esse tipo de situação.

Foi mais um ano em que os Ministérios Públicos estaduais continuaram seu trabalho cotidiano de muito mais discurso no combate à corrupção do que postura institucional e de gestão capaz de efetivamente priorizar tal mister, inclusive para uma atuação preventiva. A excessiva concentração de atenção dos MPEs na operação “lava jato” e o pobre debate interno sobre as discutíveis “dez medidas” mostra que as instituições ainda não têm uma identidade própria e específica no combate à corrupção dos municípios e estados, o que é bastante preocupante. Poucas são as regionalizações estruturadas para adequado funcionamento e, de modo geral, não existe uma definição clara de estratégias e prioridades. O combate à corrupção, na dura e crua realidade, está longe de ser uma verdadeira prioridade institucional para as administrações superiores. Exemplos disso: falta de prioridade no direcionamento dos recursos humanos em segundo grau, uma estrutura que, de regra, não atua de modo extrajudicial e não tem postura de parte, ou seja, representa um peso inaceitável e inconstitucional que insiste e teima em permanecer intocável; precedentes negativos indicativos de tentativa de interferência do CNMP na atividade finalística desenvolvida nesse campo. O inferno não está apenas nos outros, e esse tema, por si só, mostra que o MP precisa, e muito, do foucaultiano “cuidado de si”.

O Ministério Público brasileiro, definitivamente, é muito maior do que uma específica e pontual “operação” e está acima da pessoalidade ou da idolatria de nomes e personagens. Atalhos cobram seu preço, cedo ou tarde; lógicas consequencialistas certamente não são as melhores do ponto de vista ético, em especial quando se tem em vista o futuro e o horizonte da instituição. Atuações que pretendem ser exemplares devem servir como modelo, não como regime de exceção. Prova de que o combate à corrupção ainda é insuficiente reside na falta de protocolos definidos de prioridades e investigações, pois, para ficar num exemplo, a maioria dos MPs brasileiros sequer possui o banco de dados ideal para coleta de dados e informações capazes de subsidiar a sua atuação, o que é extremamente grave em tempos nos quais se exige das instituições uma integração institucional, inclusive de tecnologia e recursos de informação.

A propósito, um ponto grave persistiu em 2016 sem a devida discussão: diferentemente dos demais ministérios públicos da América Latina, continua o Ministério Público brasileiro, de modo geral, sem uma política definida e discutida de persecução penal, o que é absolutamente lamentável quando vige o princípio acusatório.

Voltando ao CNMP, se a “Carta de Brasília” merece ser saudada como alento e expressão de um Ministério Público efetivamente resolutivo e progressista, também é de se lamentar que a Corregedoria Nacional do Ministério Público, sem maior discussão com a classe e com a própria sociedade, tenha resolvido “legislar” por resolução ao estabelecer questionáveis regulamentações que excedem o texto constitucional sobre “atividade político-partidária”, notadamente quando os membros da instituição se ressentem, isso sim, de maior estudo e desempenho de cultura interna que, a despeito da sempre lamentável corrupção do político, sirvam para afirmá-lo como instância da democracia, que, como se sabe, tem uma dimensão representativa necessária e insuficiente, precisando ser complementada pela participação, pela deliberação e pela radicalidade.

De se lamentar, aliás, que as instituições e as associações do Ministério Público, de maneira geral, tenham dado a tradicional e exclusiva atenção aos temas triviais e corporativos de sempre sem promover uma campanha política mais qualificada, de maior informação sobre o trabalho da instituição à sociedade, sem definir uma política de comunicação mais clara direcionada ao povo e aos movimentos populares, últimos destinatários de um Ministério Público que não se pretende elitista e conservador, mas próximo das diferentes frações do campo popular. De nada adianta dizer que o Ministério Público tem a missão constitucional de defender a sociedade se, contraditória e paradoxalmente, essa mesma sociedade, na expressão de suas forças vivas e populares, não tem condições de participar da política e na gestão do Ministério Público como instituição. Isso, definitivamente, ainda parece não preocupar o establishment do Ministério Público. Por mais que, no fim das contas, a “salvação” política e democrática do Ministério Público esteja na legitimação e no respaldo popular à atuação destemida e relevante da instituição na fiscalização dos poderes da República, é preciso promover uma aproximação efetiva e permanente com o povo, não apenas episódica e pontual. Embora os meios de comunicação social ainda tenham pouca responsabilidade e critério na avaliação crítica do Ministério Público, é preciso ter a sabedoria e compreensão de que as suas pautas muitas vezes movem-se por interesses de mercado, não pela pedagogia e educação popular para melhor pensar e refletir o destino das instituições de um sistema de Justiça pouco democrático.

O que dizer, então, do debate sobre o papel desempenhado pelo Ministério Público brasileiro nas positivas experiências de desempenho do direito ao protesto de parte dos estudantes secundaristas brasileiros nas marcantes “ocupações”. Colocou-se a instituição ao lado de um suposto direito possessório violado do Estado ou, ao contrário, ombreada com o direito constitucional e legítimo de os estudantes exercerem, mais do que simples manifestação, seu direito de protesto, indignação, quando não de desobediência civil, com propostas de enfraquecimento e desidratação ainda maior de uma política educacional inadequada? Tem-se aqui, aliás, um paradigma interessante para pensar o “estado da arte” da atuação instituição no âmbito cível, racionalização que, mesmo com o novo CPC, não teve avanços.

Assim, se a legítima defesa que sempre cabe ao Ministério Público nas muitas agressões injustas e iminentes que costumeiramente sofre quando atua de modo a cumprir com seu papel enfrentando o poder político e econômico precisa sustentar a ampliação da democracia de “alta intensidade” construída “de baixo para cima”, exige-se uma mudança de postura não só na gestão, mas na seleção e formação continuada dos seus membros e servidores. Já foram muitos anos da instituição após a Constituição de 1988 sem que, de fato, tenha havido uma verdadeira mudança cultural na superestrutura institucional. Nesse contexto, afirmar o papel de defesa dos direitos humanos que cabe ao Ministério Público pode ser um marco relevante para que a instituição tenha consciência e consenso sobre o papel contramajoritário e decisivo que deve exercer num modelo de sociedade voltado para uma “economia de morte” voltada à negação de direitos que, ao aprofundar o “desenvolvimento do subdesenvolvimento” (Gunder Frank) numa interpretação do direito vinculada e dependente ao capital, muitas vezes prega a intolerância com o direito das minorias vulneráveis e hipossuficientes cujos direitos fundamentais devem ser suportadas pela firme atuação do Ministério Público.

É lamentável que a atuação do Ministério Público na defesa do direito à educação seja relegada à subalternidade e marginalidade. O que explica, afinal, a absoluta falta de estrutura humana e material suficiente para priorizar a criação de promotorias com atuação exclusiva extrajudicial e judicial na defesa da educação? Afinal, se a educação deve ser uma prioridade para os demais poderes, porque não para a própria gestão do Ministério Público?

Desse modo, o ano de 2017 continua a projetar muitos desafios para o Ministério Público, que, diferentemente do Poder Judiciário, não tem seu lugar assegurado na simbólica estrutura tradicional dos poderes, Ministério Público esse que, quanto mais e melhor faz o seu papel na defesa do povo, mais sujeito está às retaliações e perseguições indevidas dos poderes político e econômico por ele fiscalizados. Ministério Público que, de uma vez por todas, precisa perder o medo da sociedade para desta aproximar-se com humildade e enquanto há tempo e preservada está a essência da Constituição cidadã no perfil que buscou imprimir à instituição.

As frequentes tentativas de assalto e subtração de atribuições, as manobras para desequiparação salarial com o Poder Judiciário, a nem sempre bem compreendida unidade institucional do Ministério Público e o seu indiscutível caráter nacional, entre outras tentativas cínicas de fazer a instituição ser punida pelo simples cumprimento do seu relevante e decisivo papel constitucional para a democracia, somente serão impedidas e desestimuladas não só com maior consciência e engajamento dos membros e servidores do Ministério Público no cumprimento de seus afazeres, mas, sobretudo, com a percepção de que a instituição, no desempenho de seu caráter fiscalizatório, será respaldada e legitimada não apenas de direito, mas também de fato, pela maior transparência e acompanhamento que a sociedade puder fazer de seu trabalho e atividades, incluindo as dificuldades estruturais para financiamento e crescimento da instituição e o real papel da instituição na promoção e fiscalização de políticas públicas.

Que 2017 seja o ano em que o Ministério Público brasileiro busque uma verdadeira e real unidade, inclusive com a criação de um fundo nacional onde cada um paga e recebe de acordo com a sua possibilidade e necessidade. De nada adianta afirmar uma unidade retórica enquanto, especialmente no âmbito dos MPEs, não houver uma verdadeira visão de conjunto. Qual o sentido de ainda não se dispor de “força-tarefa” nacional de ministérios públicos estaduais cujos membros, independentemente da origem, atuam frente a um determinado problema? Os MPEs não são, ou pelo menos não deveriam ser, “ilhas federativas”, especialmente quando construir a federação exige navegar por águas comuns.

Que 2017, na esperança que sempre se constrói na virada do calendário, seja o ano para aproximação da sociedade ao Ministério Público. Se medidas não vieram de parte do MP para que assim seja, que a sociedade exija da instituição coerência para que, de fato, bem possa representá-la com espaço para escuta, crítica e participação. Para isso, como se sabe, a sociedade precisa conhecer as atribuições e também os limites do Ministério Público. Somente assim, conhecido e cobrado pelo povo no que lhe cabe e no que lhe é factível fazer, é que se terá um novo MP que, como bem advertiu Lenio Streck no contexto de outrora (luta contra a PEC 37 que queria tolher a capacidade investigatória do Ministério Público), precisa estar mais ocupado de “substantivos” do que de “adjetivos”. A adjetivação do trabalho do Ministério Público, quando couber, deve ser feita pela sociedade e, para tanto, a instituição precisa produzir dados estatísticos permanentes, objetivos e confiáveis sobre a atuação e o trabalho de seus membros e servidores, dados esses que precisam conduzir a um permanente diagnóstico capaz de guiar novos rumos institucionais.

Para ficar em duas simples perguntas: qual é o comprometimento do Ministério Público brasileiro com as mudanças que o povo precisa no atual bloco histórico, entre as quais a defesa do direito à moradia e a promoção da reforma agrária?

Que 2017, com todas as dificuldades que se projetam, seja o ano de resgate crítico do espírito constituinte que norteou o MP constitucional, de um MP capaz de reconhecer e valorizar suas atribuições criminais e não criminais de modo diferenciado, com menos vaidade e mais cuidado com o interesse público primário, que, inclusive, precisa ser transcendente à própria instituição para mirar a razão de sua própria existência.

Por último, a um Ministério Público Transformador de uma estrutura de dominação perpetuadora da injustiça já posta desde há muito, impõe fazer esforço para, longe de messianismo autocentrado, tornar o cidadão, verdadeiro e último detentor do poder em si, sujeito e protagonista. Isso implica em reconhecer limites, em promover atividades voltadas à pedagogia popular e cidadã para que a sociedade tenha mais informação e, com isso, melhor condição de zelo e defesa dos próprios direitos sem depender do MP. Isso implica em um Ministério Público que, em vez de concentrar todos os problemas para seu campo de atenção por interesse corporativo, em vez de doutrinar para si mesmo enxergando fantasmas e inimigos por todos os lados, seja o primeiro a exercer uma atividade de educação jurídico-popular com o povo brasileiro. Para isso, antes de corporativismos cegos e rasteiros, precisa exercer permanente e constante autocrítica, precisa incentivar e buscar melhores pesquisas e diagnósticos internos da sua realidade capazes de produzir o ambiente necessário para o crescimento da instituição. Um bom começo está em iniciativas similares a pesquisa recente, trabalho que propicia muita reflexão, perguntas e questionamentos para uma necessária e urgente atualização institucional.

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