Artigos Empório do Direito – Perdemos a noção de reserva legal diante da aplicação da analogia ‘in malam partem’ pelo stj (re 1420.960)

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Perdemos a noção de reserva legal diante da aplicação da analogia ‘in malam partem’ pelo stj (re 1420.960)

O artigo aborda a controvérsia surgida a partir da decisão da 6ª Turma do Superior Tribunal de Justiça no Recurso Especial nº 1.420.960, que aplicou a analogia ‘in malam partem’ no processo penal, desconsiderando o princípio da reserva legal. Os autores, Rômulo de Andrade Moreira e Alexandre de Morais da Rosa, discutem a ilegalidade do uso de bens apreendidos, argumentando que a analogia deveria ser aplicada apenas para beneficiar o réu, não para restringir seus direitos. Eles criticam a decisão do STJ, alertando para as implicações dessa interpretação na proteção dos direitos dos acusados.

Artigo no Empório do Direito

Por Rômulo de Andrade Moreira e Alexandre Morais da Rosa – 24/08/2015

Ensinamos que não cabe analogia in malam partem no processo penal. Mas a 6ª. Turma do Superior Tribunal de Justiça, ao julgar o Recurso Especial nº. 1.420.960, decidiu que as lacunas da lei podem ser preenchidas pela interpretação extensiva ou aplicação analógica de outras normas especiais.

Para tanto, aplicou-se o disposto no art. 3º. do Código de Processo Penal, rejeitando o recurso de um empresário que queria a devolução de um avião monomotor apreendido por ordem judicial durante as investigações feitas pela Polícia Federal em 2008. A aeronave está sendo utilizada pelo Instituto Estadual de Florestas de Minas Gerais.

A defesa sustentou nas razões recursais que a utilização do avião apreendido por órgão do poder público é ilegal, uma vez que não se admite a aplicação analógica da permissão concedida pela Lei de Drogas (Lei nº. 11.343/2006).

O relator, Ministro Sebastião Reis Júnior, afastou a ilegalidade do uso da aeronave por um órgão público, aplicando o art. 61 da Lei de Drogas, que prevê o uso de bens apreendidos quando houver interesse público, apontando que o próprio Código de Processo Penal autoriza essa analogia, e citando um precedente do próprio Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do Inquérito nº. 603.

Ainda segundo o Ministro, para o uso da analogia não importa a natureza da situação concreta nem a natureza da lei de onde se extrai a norma, ressaltando a preocupação em se evitar que o bem se deteriore no decorrer do processo judicial.

Para ele, “observada, de um lado, a inexistência de norma condizente no Código de Processo Penal para a utilização de bens apreendidos por órgãos públicos e verificada, de outro lado, a existência de norma nesse sentido no ordenamento jurídico, é possível o preenchimento da lacuna por meio da analogia, sobretudo se presente o interesse público em evitar a deterioração do bem.” (Com informações da Assessoria de Imprensa do STJ).

O equívoco do julgado é evidente e lamentável!

É cediço que a lei processual penal admite, na sua interpretação, a aplicação analógica, conforme se extrai dos termos do art. 3º. do Código de Processo Penal. Por outro lado, também é certo que a referida Lei de Drogas, no seu art. 61, estabelece que:

“Não havendo prejuízo para a produção da prova dos fatos e comprovado o interesse público ou social, ressalvado o disposto no art. 62 desta Lei, mediante autorização do juízo competente, ouvido o Ministério Público e cientificada a Senad, os bens apreendidos poderão ser utilizados pelos órgãos ou pelas entidades que atuam na prevenção do uso indevido, na atenção e reinserção social de usuários e dependentes de drogas e na repressão à produção não autorizada e ao tráfico ilícito de drogas, exclusivamente no interesse dessas atividades.

”Parágrafo único. Recaindo a autorização sobre veículos, embarcações ou aeronaves, o juiz ordenará à autoridade de trânsito ou ao equivalente órgão de registro e controle a expedição de certificado provisório de registro e licenciamento, em favor da instituição à qual tenha deferido o uso, ficando esta livre do pagamento de multas, encargos e tributos anteriores, até o trânsito em julgado da decisão que decretar o seu perdimento em favor da União.”

O art. 62, por sua vez, permite que “os veículos, embarcações, aeronaves e quaisquer outros meios de transporte, os maquinários, utensílios, instrumentos e objetos de qualquer natureza, utilizados para a prática dos crimes definidos nesta Lei, após a sua regular apreensão, ficarão sob custódia da autoridade de polícia judiciária, excetuadas as armas, que serão recolhidas na forma de legislação específica.“

O seu § 1o. dispõe que, ”comprovado o interesse público na utilização de qualquer dos bens mencionados neste artigo, a autoridade de polícia judiciária poderá deles fazer uso, sob sua responsabilidade e com o objetivo de sua conservação, mediante autorização judicial, ouvido o Ministério Público.“

Após o oferecimento da denúncia, ”o Ministério Público, mediante petição autônoma, requererá ao juízo competente que, em caráter cautelar, proceda à alienação dos bens apreendidos, excetuados aqueles que a União, por intermédio da Senad, indicar para serem colocados sob uso e custódia da autoridade de polícia judiciária, de órgãos de inteligência ou militares, envolvidos nas ações de prevenção ao uso indevido de drogas e operações de repressão à produção não autorizada e ao tráfico ilícito de drogas, exclusivamente no interesse dessas atividades.

Quando a autorização judicial recair “sobre veículos, embarcações ou aeronaves, o juiz ordenará à autoridade de trânsito ou ao equivalente órgão de registro e controle a expedição de certificado provisório de registro e licenciamento, em favor da autoridade de polícia judiciária ou órgão aos quais tenha deferido o uso, ficando estes livres do pagamento de multas, encargos e tributos anteriores, até o trânsito em julgado da decisão que decretar o seu perdimento em favor da União.”

Pois bem.

É sabido que o recurso à analogia é sempre legítimo quando “estendemos a um caso não previsto aquilo que o legislador previu para outro semelhante, em igualdade de razões. Se o sistema do Direito é um tudo que obedece a certas finalidades fundamentais, é de se pressupor que, havendo identidade de razão jurídica, haja identidade de disposição nos casos análogos”, na lição de Miguel Reale.[1]

É de Tércio Sampaio Ferraz Jr. este outro ensinamento: “Via de regra, fala-se em analogia quando uma norma, estabelecida com e para uma determinada facti species, é aplicável a uma conduta para a qual não há norma, havendo entre ambos os supostos fáticos uma semelhança.”[2]

Ocorre que aquelas providências cautelares, que poderão se tornar definitivas após a sentença condenatória, apenas podem ser aplicadas em relação aos crimes tipificados na Lei de Drogas, e tão somente, vedando-se, por óbvio, o uso da analogia in malam partem.

Feriu-se, ademais, o Princípio da Reserva Legal, principalmente quando estamos diante de um dispositivo legal que restringe direitos.

Eis, portanto, o erro grosseiro constante da decisão do Superior Tribunal de Justiça, pois se aplica a analogia sempre que há uma omissão do legislador em relação a determinada norma jurídica, mas jamais in malam partem, isto é, em flagrante prejuízo para a parte acusada.

Trata-se de método interpretativo de aplicação inaceitável em Processo Penal, quando in partem peiorem (”contra o réu“, em relação ao qual, aliás, presume-se a inocência).

Em Direito Processual Penal só se aplica a analogia para beneficiar o réu, nunca o contrário! Daqui a pouco, diante a porteira da analogia processual aberta, bem assim da criatividade dos magistrados brasileiros, teremos a delação premiada nos juizados especiais criminais e os meios de investigação da Lei das Organizações Criminosas no crimes patrimoniais. Pedemos a noção de reserva legal e de especialidade da lei penal. De vez?

Notas e Referências:

[1] Lições Preliminares de Direito, São Paulo: Saraiva, 19ª. ed., 1991, p. 292. [2] Introdução ao Estudo do Direito, São Paulo: Atlas, 2ª. ed., 1994, p. 300.

Rômulo de Andrade Moreira é Procurador de Justiça do Ministério Público do Estado da Bahia. Professor de Direito Processual Penal da UNIFACS, na graduação e na pós-graduação (Especialização em Direito Processual Penal e Penal e Direito Público). Pós-graduado, lato sensu, pela Universidade de Salamanca/Espanha (Direito Processual Penal). Especialista em Processo pela UNIFACS.

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Alexandre Morais da Rosa é Professor de Direito e Processo Penal da UFSC e do Curso de Direito da UNIVALI-SC (mestrado e doutorado). Doutor em Direito (UFPR). Membro do Núcleo de Direito e Psicanálise da UFPR. Juiz de Direito (TJSC).

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