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Quando vira testemunha surpresa no Júri, promotor está sem provas

O artigo aborda a questão do uso de argumentos de autoridade no tribunal do júri, enfatizando como a presença e as afirmações de promotores e juízes podem influenciar indevidamente os jurados leigos. Os autores discutem a desproporcionalidade na credibilidade atribuída ao discurso da acusação comparado à defesa, destacando o impacto psicológico que isso pode ter na decisão do júri. Além disso, alertam sobre a necessidade de proteger a imparcialidade do julgamento, evitando que o prestígio das figuras de autoridade comprometa o processo judicial.

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Art. 478. Durante os debates as partes não poderão, sob pena de nulidade, fazer referências: I – à decisão de pronúncia, às decisões posteriores que julgaram admissível a acusação ou à determinação do uso de algemas como argumento de autoridade que beneficiem ou prejudiquem o acusado; II – ao silêncio do acusado ou à ausência de interrogatório por falta de requerimento, em seu prejuízo.

Nesses casos, seja para beneficiar ou prejudicar o réu, é vedada a referência por ser preconcebido como um argumento de autoridade. Entretanto, a definição quanto ao rol dessas hipóteses deve ser exemplificativo, de forma a abarcar situações diversas que importem em flagrante argumento de autoridade. Tomando por base as dicções do artigo 478 e seus incisos do CPP, a expressão de autoridade deve ser compreendida por aquelas decisões proferidas por uma autoridade jurisdicional (juiz ou tribunal), que seja apta a exercer nos jurados uma indevida influência, retirando a imparcialidade do conselho de sentença.

O argumento de autoridade é sempre uma afirmação, com pretensão de imposição de uma linha de pensamento, calcada na legitimidade e presunção de confiabilidade que o cargo possui. É o apossamento de determinado argumento, pelo cargo. O argumento de autoridade elimina o adversário tido como não sério e se alia ao discurso reconhecido como sério, cobrindo-se com o manto (aparente) da verdade e Justiça. No fundo, o argumento de autoridade exclui a possibilidade de democracia processual, da diferença, pois impede qualquer diálogo, pois coloca um ponto final. Tenho dito. No ambiente do plenário do Júri a postura da acusação que se vale do lugar de promotor para atestar, como se fosse fiador, da certeza da conduta, demonstra que o acusador não joga limpo, porque precisa lançar mão do seu testemunho, em acréscimo, para garantir a prova que não possui. Em última análise, trata-se de afirmativa que somente encontra ‘poder de convencimento’ a partir da autoridade de quem a profere.

Recentemente tomamos conhecimento de um caso em que o promotor de Justiça afirmou que “somente pede a condenação quando tem certeza, pois em vários casos pediu a absolvição e que o juiz presidente seria testemunhas desse fato”. Eis uma situação cada vez mais comum no júri, criada nitidamente de forma a reforçar a autoridade não apenas da decisão, mas também com o escopo de dar credibilidade à acusação, de forma a violar a paridade de armas (mas não só). É uma modalidade de doping processual, dado que o acusador vira testemunha indireta do crime.

A situação é ainda mais sensível se considerarmos que o conselho de sentença é formado por leigos, pessoas sem conhecimento jurídico (e mesmo do processo em julgamento) e que, no ritual judiciário, sentem-se intimidadas pelas ‘autoridades’ que ali estão, ainda mais com a ostentação do medo prevalente. É elementar que para o leigo, as figuras do juiz de Direito e do promotor de Justiça exercem, na dimensão do simbólico, uma grande e inegável influência na tomada de decisões. Nesse ponto, não há como a Teoria da Decisão Penal fugir da psicanálise.

Desde Freud e, posteriormente, Lacan, sabe-se da importância do inconsciente na produção da decisão judicial e, principalmente, de que esse inconsciente é uma estrutura construída como se fosse linguagem. Como explica Lacan, em célebre passagem, “o inconsciente é estruturado como uma linguagem”.[2] Nesse campo, o discurso feito pelo promotor no plenário, invocando ainda o ‘testemunho-aval’ do juiz (que balança a cabeça confirmando; ou fica em silêncio, por não contestar), produz um estrago imenso na produção da decisão pelos jurados leigos. E mesmo que não invocasse o testemunho do juiz, ele é uma ‘autoridade’ aos olhos dos jurados, espaço jamais ocupado pela defesa.

A liderança exercida pelo juiz, e também pelo promotor de “Justiça”, no julgamento, é inegável. A credibilidade simbólica de suas falas está legitimada pelo ‘espaço público’ que ocupam, fazendo como que a defesa (espaço do privado), sempre esteja em desvantagem no terreno da credibilidade e da confiança dos jurados. O discurso da ‘verdade’ tem como legítimos detentores (para os jurados leigos) o juiz e o promotor de ‘Justiça’, nunca a defesa (comprometida com o acusado e, portanto, desacreditada desde sempre). É por isso que no Tribunal do Júri existe tanta preocupação com os ‘argumentos de autoridade’ e demais práticas que a ele remetam os jurados.

A defesa inicia sempre em desvantagem no ritual do tribunal do júri, correndo atrás de uma credibilidade e autoridade que não lhe é dada, senão que deve ser construída, ao passo que o juiz e o promotor de “Justiça” estão, desde sempre, legitimados. Na perspectiva psicanalítica, o Direito age em nome do Pai e por mandato, operando na subjetividade humana ditando a lei, capaz de manter o laço social e realizar a promessa utilitária de felicidade. Sua atuação se dá sempre por mandato e o mandatário é, em primeiro plano, o juiz. Depois o promotor de Justiça. O juiz, como pai, exerce no imaginário social um papel crucial, pois portador da eficácia da ilusão de ‘segurança’, pois inegavelmente “busca-se a segurança no substituto do pai, no juiz Infalível, o qual vai determinar, de modo seguro, o que é justo e o que é injusto”.[3]

Não há dúvida de que o superego primário, da infância, uma vez sublimado pelas imagens paternas vai, no decorrer da vida, sendo ocupado pela dos professores, magistrados do tribunal, ídolos, enfim, por ícones, exemplos ideais do eu. Assim, é a partir do nome-do-pai, situado no simbólico, que o sujeito irá articular suas relações Imaginárias e Reais com seu pai, mediado pela linguagem. A lei jurídica editada, pois, em nome-do-pai, traz inscrita em si a legitimidade emanada deste outro total, exercida por mandato por aqueles que se reconheceram como os autorizados a expedir o discurso jurídico em nome do Pai originário, mascarada pela colocação de palavras na cadeia de significantes: Deus, Razão, Justiça, Legitimidade, etc., as quais regerão a circulação das Verdades e dos indivíduos no mundo.[4]

E o “Cumpra, é seu dever de obediência!”, ressoa nítido pela inscrição no registro do simbólico da qual o sujeito (ainda que sem plena consciência) se submete e subjuga.[5] O que está em jogo é a lei (simbólica), sua aplicação (imaginária), com o juiz agindo como pai ideal. No ritual do julgamento do júri, para o jurado leigo, esse lugar é ocupado pelo juiz, ícone do ideal. Eis o peso da palavra proferida pela autoridade (seja o juiz ou o promotor de Justiça), ou mesmo do discurso subliminar, aquilo que não é dito, mas apreendido pelo ouvinte e que pesa tanto quando o dito.

Portanto, a afirmação do promotor de ‘Justiça’ de que “somente pede a condenação quando tem certeza” e de que o juiz-presidente seria testemunha disso (o que não foi rebatido pelo juiz, logo, confirmado), tem uma imensurável capacidade de aprisionamento psíquico do jurado leigo e contaminar o fair play, claro que em nome do Bem, do Justo, da Segurança Pública.

Não esqueçamos que (lacanianamente) as ‘palavras dizem coisas’, portanto, a inscrição no simbólico das palavras ‘promotor-de-Justiça’, é da maior relevância. Quando ele afirma algo, que vem testemunhado-avalizado pelo juiz (em nome-do-pai, portanto), aquilo é tomado como verdade irrefutável pelo jurado leigo.

A autoridade desse argumento é plena e ‘aprisiona’ o jurado também pelo não-dito, ou seja: “quando tenho certeza de que alguém é inocente eu peço a absolvição; logo, a contrário senso, quando eu não peço a absolvição (ou peço a condenação), é porque com certeza é culpado”. E tudo isso com o testemunho-aval do pai-juiz.

Portanto, em última análise, quando o promotor se vale desse um poderosíssimo argumento de autoridade, com o aval (agravante) do juiz, gera uma compressão do espaço decisório do jurado leigo, que não vislumbrará outra resposta senão a de corresponder à expectativa criada pela ‘autoridade’, a qual ele, inconscientemente, já está aprisionado desde sempre. Inegavelmente está comprometido o julgamento.

Dessarte, devemos dar mais atenção ao sensível espaço ritual do tribunal do júri, para evitar o (ab)uso dos argumentos de autoridade, pois ainda que nenhuma autoridade tenha no argumento, aos nossos olhos, é nos jurados que exercerão uma imensa e negativa influência. Os jurados devem decidir com base nas provas, evitando-se esses instrumentos aprisionadores do espaço decisório, que acabam por constranger a própria decisão, ao tornarem o promotor e o juiz em fiadores de uma verdade apresentada por uma das partes.

[1] Tratamos dele na obra “Direito Processual Penal”, 11ª edição, publicada pela editora Saraiva.

[2] LACAN, Jacques. O seminário: os quatro conceitos fundamentais da psicanálise. Jorge Zahar, Rio de Janeiro, 1988, p. 25 e ss.

[3] ALMEIDA PRADO, Lídia Reis. O Juiz e a Emoção. Millennium, Campinas, 2003, p. 18. Também sobre o tema, crucial a leitura de MORAIS DA ROSA, Alexandre, Decisão Penal: a bricolage de significantes. Lumen Juris, Rio de Janeiro, 2006.

[4] MORAIS DA ROSA, Alexandre. “O Sujeito do Direito e o Cumpra! Ou: O Superego obriga: Goza! É o seu papel.” In: Direito Infracional. Habitus Editora, Florianópolis, 2005, p. 81 e ss.

[5] MORAIS DA ROSA, Alexandre. “O Sujeito do Direito e o Cumpra! Ou: O Superego obriga: Goza! É o seu papel.” In: Direito Infracional. Habitus Editora, Florianópolis, 2005, p. 81 e ss.

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