Quando o reconhecimento facial chega ao processo penal
O artigo aborda o uso do reconhecimento facial no contexto do processo penal, destacando sua evolução desde a década de 1960 até aplicações contemporâneas em segurança pública e controle social. Os autores discutem tanto os avanços tecnológicos e suas potencialidades, quanto as preocupações éticas e jurídicas, como a privacidade e a identificação incorreta. A reflexão inclui o impacto dessa tecnologia no cotidiano, questionando os limites entre segurança e direito fundamental à privacidade.
Artigo no Conjur
Embora a tecnologia já exista desde a década de 1960, o reconhecimento facial (ou facial recognition, em inglês) é uma técnica de identificação biométrica que, por meio de um software, reconhece e diferencia rostos humanos. O software utilizado mapeia de forma matemática os traços e espaços existentes em diferentes imagens digitais de uma mesma pessoa, comparando-as por meio de algoritmo, de forma a afirmar/negar sua identidade. A técnica baseia-se no método inventado pelo matemático e cientista da computação Woodrow Wilson Bledsoe, publicado em 1963 (aqui). A metodologia foi exposta no artigo A Facial Recognition Project Report e consistia em mapear, à época manualmente, características de um determinado rosto, listando-se cerca de 20 delas e, após, inserindo os dados em um computador. O estudo considera que, apesar de existirem feições semelhantes, cada pessoa possui um mapeamento facial único, denominado por Bledsoe como “mask” (ou máscara, em tradução livre). Assim, ao inserir os dados de cada máscara no computador, este seria capaz de identificar qual se encaixa mais proximamente em cada rosto.
O mapeamento facial é realizado segundo parâmetros semelhantes, porém digitalmente, adequando-se a técnica ao uso de câmeras digitais e, ainda, tridimensionais, possibilitando o afastamento de erros antes comuns ao sistema como a identificação em diferentes ângulos, expressões e posições. Assim, as antes 20 características identificadas manualmente em um rosto passaram a contabilizar de 80 a 150 dos agora denominados pontos nodais (aqui).
Feita a captura do conjunto de medidas nodais de um rosto, tais dados são submetidos a uma série de algoritmos, armazenando-se geometricamente os dados em um “template”, antiga “mask”. Dessa forma, armazenados esses dados junto ao software, mostra-se possível realizar comparações entre o banco de dados existente e a imagem apresentada, logo, identificando-a biometricamente.
Brevemente explicado o funcionamento dessa ferramenta, pode ser utilizada em diversos setores do processo penal e do controle social. Desde o controle de pessoas em determinadas regiões até mesmo a presença em audiências. Aplicável do entretenimento aos mais complexos sistemas de segurança, o reconhecimento facial inseriu-se no cotidiano da população das mais diversas formas, suprindo, em parte, as demais formas de identificação biométrica, como a realizada por impressão digital.
A Receita Federal já o usa em aeroportos brasileiros. Em entrevista, o auditor Ronald Cesar Thompson (aqui) explicou que o sistema primeiro identifica atividades suspeitas de tráfico internacional de drogas, por meio de dados internacionais de cada passageiro, compartilhadas entre companhias e aeroportos, e, posteriormente, faz o reconhecimento do rosto do suspeito em abordagem. Essa utilização, case internacional, está também em fase de implementação em outros aeroportos (aqui e aqui), visando também impedir a imigração ilegal e o trânsito de foragidos ou de tráfico de pessoas.
Além disso, o uso das tecnologias de reconhecimento facial para localização de foragidos da Justiça, a exemplo do sistema implementado no metrô de superfície de Canoas (RS) (aqui), reflete as vastas possibilidades de aplicação da ferramenta. Ademais, na implementação em meio de transporte público, sob premissa de aumento de segurança, é destaque a utilização-teste em ônibus da linha Santos-Rio de Janeiro (aqui).
Nesse ínterim, merece também destaque a utilização recente para check-in em hotéis, implementada em Mariott (aqui), ou, ainda, a substituição dos cartões de acesso a edifícios, em Chongquing (aqui), ambos na China. No mesmo país, que já usa a ferramenta para verificação de presença em salas de aula (aqui), o desenvolvimento recente de óculos de reconhecimento facial pela polícia (aqui) possibilita o reconhecimento e acesso a antecedentes criminais, nome e endereço do suspeito ou foragido em questão de segundos. Lembra dos óculos do Exterminador do Futuro (aqui)? Eles chegaram e logo você terá um.
A questão que surge quanto à aplicação desses recursos é o limite tênue que existe entre o direito fundamental à privacidade e a utilização do reconhecimento facial (aqui), em alusão ao sistema Panóptico de Bentham[1]. Também implica em questões éticas em face do uso que se possa fazer da tecnologia para finalidades ilícitas e ampla manipulação. O rápido acesso a dados e antecedentes criminais de qualquer pessoa suscita novo debate quanto ao direito de esquecimento, à medida que ingressamos em uma espécie de Black Mirror[2] da vida real.
O uso desenfreado e cotidiano dessa tecnologia por redes sociais (aqui) possibilita a criação de vasto acervo de dados faciais, possibilitando maior precisão e amplitude aos sistemas (aqui), aos custos de reiteradas violações aos direitos de personalidade. Noutro viés, com a aplicação do reconhecimento facial à identificação em massa, eventuais falhas no sistema podem significar a identificação incorreta de suspeitos e, a exemplo do ocorrido com os exames de DNA, como apontado por Zulmar Coutinho[3], uma eventual “presunção de veracidade”, em decorrência da baixa probabilidade de erro, pode acarretar em consequências penais irreversíveis (aqui).
Quando Deleuze apontou que não estamos mais na sociedade disciplinar de Foucault, mas, sim, na era do controle, antecipava os efeitos nefastos de um controle que se dará pela proibição de frequentar locais pela sua face, dando espaço para um tipo singular de seleção e etiquetamento — tão bem denunciados pela criminologia crítica[4][5] —, em que os indesejáveis serão excluídos e contidos por mecanismos tecnológicos que cinicamente “olham por nós”. Nesse sentido, a advertência de Gilles Deleuze[6] se fez certeira, uma vez que houve a paulatina modificação das sociedades disciplinárias (Foucault)[7] para sociedades de controle. Isso porque o projeto moderno de lugares de encarceramento mediante o controle do tempo e da força de trabalho perderam sua densidade coletiva, alterando-se a lógica que preside a atuação estatal. Deixa-se o modelo da fábrica em favor do modelo da empresa, a qual passa a monitorar e não mais prender diretamente. A prisão é flex, articulada em modelos de contenção da pobreza (não consumidores). A tese de Túlio Vianna[8] se consolidou: superamos a disciplina para monitorar. Todos. Aliás, neste exato momento, o Google sabe e guarda a informação de que você leu o artigo. Seus rastros digitais estão aí. O futuro é vórtex tecnológico, parafraseando Os Replicantes.
[1] BENTHAM, Jeremy. O panóptico. Belo Horizonte: Autêntica, 2000. [2] MIRROR, Black. Direção: Joe Wright. Produção: Charlie Brooker, Zeppotron e Endemol. [S.l.]: Channel 4 e Netflix, 2011-2017. [3] COUTINHO, Zulmar Vieira. Exames de Dna – Probabilidade de Falsas Exclusões ou Inclusões: 100%?. Florianópolis: Empório do Direito, 2006. [4] ANDRADE, Vera Regina Pereira de. A Ilusão de Segurança Jurídica. Florianópolis: Livraria do Advogado, 2015. [5] ZAFFARONI, Eugenio Raul. O inimigo no Direito Penal. Rio de Janeiro: Revan, 2007. [6] DELEUZE, Gilles. Postada sobre las sociedades de control. IN: FERRER, Christian (org). El lenguage libertario. La Plata (Argentina): Terramar, 2005, p. 115-121. [7] FOUCAULT, Michel. Vigiar e Punir: nascimento da prisão. Tradução de Raquel Ramalhete. Petrópolis: Vozes, 2016. [8] VIANNA, Túlio. Transparência Pública, Opacidade Privada: O direito como instrumento de limitação do poder na sociedade de controle. Rio de Janeiro: Revan, 2007.
Referências
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