Artigos Conjur – Quando julgador está cego pelo ódio não há processo

O que vamos fazer hoje?

Artigos Conjur

Artigos Conjur

Quando julgador está cego p…

O que vamos fazer hoje?
Perguntar Executar Explorar
Perguntar algoPesquisar conteúdoPesquisar pessoaPesquisar jurisprudênciaPesquisar legislaçãoAnálise ProcessualProdução de PeçasEstratégia de AtuaçãoConteúdo e ComunicaçãoExplorar a plataformaExplorar a comunidadeAcompanhar discussõesAcompanhar notícias

Artigo

||

Artigos dos experts no Conjur

Quando julgador está cego pelo ódio não há processo

O artigo aborda a relação entre o ódio e o processo judicial, destacando como esse sentimento pode cegar os julgadores, levando a decisões distorcidas e injustas. Os autores discutem a manipulação retórica que direciona o discurso jurídico, enfatizando que a paixão, tanto pelo amor quanto pelo ódio, pode obscurecer a objetividade necessária à Justiça. A análise crítica busca entender as consequências do ódio nas decisões judiciais e a importância de refletir sobre suas implicações sociais e jurídicas.

Artigo no Conjur

O ódio é um sentimento humano que pode ser tanto positivo quando negativo. Não há, por si, algo desfavorável em quem sente ódio. Aliás, em certas ocasiões, o ódio é muito útil. A questão a ser discutida, neste contexto, é o objeto odiado. Mauro Mendes Dias é psicanalista e, quem sabe, a partir de Freud e Lacan, possa nos auxiliar a compreender o desejo de aniquilação que se verifica nos discursos contemporâneos[1]. Podemos, assim, pensar as dimensões do ódio.

O discurso sobre o ódio é silencioso, proibido, quase um tabu. Como se o fato de não falarmos que odiamos pudesse significar sua inexistência. De um lado o ódio é sinônimo de aversão ou repugnância, advindo do grego, “odéon”, ou seja, pequeno teatro. Tal qual Antígona, a face positiva do ódio pode advir do fato de o sujeito se reconhecer pelo ódio. Daí que a profunda antipatia ou uma paixão que conduz ao mal, embora devamos distinguir das definições correntes de ódio. Resgatando Lacan, Mauro Mendes aponta que aliado ao amor e à ignorância, são as três paixões do ser. E todo apaixonado não duvida, não hesita[2]. Não se trata de sugerir aos julgadores análise, até porque, não se quer evitar, nem curar, diz Mauro Mendes, as paixões, mas indagar os seus destinos.

Cortamos por aqui, quem sabe, para lançar algumas linhas do que se passa, sabendo que o ódio elege seu objeto, enquanto o amor desconhece. Comparece um ato de aniquilamento e regozijo, insatisfatório, sempre.

Significantes vazios que são dizem nada, mas prendem A ideologia, no dizer de Zizek, constitui-se como um complexo de ideias – teorias, convicções, crenças, procedimentos argumentativos – articulados pelo Estado, pelas visões de mundo antagônicas, mas que operam no coração da própria realidade social[3]. Embora o significante possa franzir o cenho de alguns, sua atualidade, pelo excesso, faz sintoma.

Conforme já denunciamos, a retórica é o mecanismo utilizado para manipular o discurso e se restringir direitos fundamentais quando e como se quiser. A prisão para garantia da ordem pública, cuja densidade depende da cabeça de cada Juiz, não deveria encontrar guarida no ordenamento jurídico. De qualquer forma, considerando a legalidade estrita, diga-me como se configura materialmente ordem pública? É quando você quiser prender alguém e usa um mantra qualquer: instabilidade social, confiança das instituições, gravidade, qualquer julgado ou fatia doutrinária bem bonita e moralista, enfim, uma fraude retórica. Mas nem precisa muito, já que no Direito Processual Brasileiro, sequer será necessário fundamentar a prisão preventiva, dado o cheque em branco da prisão temporária (Lei 7.960/1989). Por ela, então, quando houver suspeita (isso mesmo, qualquer coisa) o juiz poderá decretar a prisão. Até o advogado tomar pé da situação já terminou a prisão temporária. Então, a prisão cautelar, que deveria ser uma exceção, tornou-se fundamentada na exceção.

Opera-se com a “lógica da equivalência” denunciada por Ernesto Laclau[4], pela qual a retórica assume o aspecto fundamental nos processos discursivos, descolados da realidade e que, no caso penal, podem ser movidos pela paixão e ideologia. Entre flutuações e vazios de sentido, o julgador diz o que quiser e performaticamente fundamenta com palavra o que nada significa, ou seja, são significantes em que o semblante diz o que nunca poder ser dito.

Neste sentido, apaixonados pelo ódio, sujeitos podem, do seu lugar, estabelecer – como se fosse possível – o sentido original e ilusório das normas jurídicas, no deslizamento imaginário que é típico de apaixonamentos. E, além disso, é uma ilusão necessária, ainda que não adiante dizer que o estado “odiante” tomou conta porque, no caso, o sujeito apaixonado nada quer saber. Sua onipotência autorreferente basta-lhe, especialmente quando adulado por terceiros com interesses específicos, bem assim do silêncio e relativizações de alguns juristas que jogam o jogo da boa vizinhança. E as equivalências retóricas servem para isso: decidir como se quiser. Este flutuar do significante -“requisitos para prisão preenchidos” – pode ser preenchido por cadeias discursivas opostas, daí seu efeito mágico, aparentemente bem fundamentado, mas que serve de mecanismo retórico, ensinava Luis Alberto Warat[5].

Despelamento discricionário Enfim, tudo isso para dizer que, não obstante tenhamos lutado para restringir a discricionariedade, toda construção discursiva do direito é suscetível a manipulações convenientes, a depender do contexto e das recompensas dos jogadores. Eduardo Cunha, no jogo, adota tática de ataque calculado. Primeiro a redução da idade penal, depois conta com novos passos e acolhe o impeachment, jogando o foco para outro lugar. A manipulação do objeto odiado é sutil e muito bem articulada, contando com amplo apoio midiático, no que Rubens Casara, com base em Debord, chama de Processo Penal do Espetáculo. Talvez seja o caso de convocar Galvão Bueno para narrar o impeachment, com comentários de especialistas remunerados e patrocínio graúdo. Diria: “Bem amigos, começa o impeachment. Com a palavra Eduardo Cunha, passa para o relator que diz que o… E aí Arnaldo: a regra é clara, mesmo? Pela regra não poderia, mas o juiz deu vantagem. E quando o Juiz não marca, tem que respeitar. Afinal, o juiz é autoridade máxima”. Aliás, o parecer de Juarez Tavares e Geraldo Prado mostra os equívocos de Cunha.

Chegamos ao ponto de acolher a tese de que o realismo-discricionário-apaixonado-e-ideológico triunfou? Lutamos para que isso não possa ocorrer e, por isso, denunciamos os arroubos juvenis de quem um dia deve olhar e, quem sabe, poderá perceber o lugar do ódio em sua fantasia. E que os arroubos de juventude amorosa/odiosa possam gerar um certo constrangimento, mais dia, menos dia.

Por isso a advertência de Roland Barthes no sentido do despelamento do sujeito com amor e ódio: “Sensibilidade especial do sujeito apaixonado, que o torna vulnerável, à mercê das mais leves feridas.”[6] Bom final de semana.

[1] DIAS, Mauro Mendes. Ódios: clínica e política do psicanalista. São Paulo: Iluminuras, 2012. [2] DIAS, Mauro Mendes. Ódios: clínica e política do psicanalista. São Paulo: Iluminuras, 2012, p. 26-27: “É por isso que uma das maneiras de definir psicanaliticamente a paixão, se introduzindo no problema, tem que ver com a suspensão da relação do significante com o significado, porque, uma vez suspensa essa barra, o sujeito não tem mais referência de impossibilidade; ao contrário, os significantes da paixão determinam uma relação de superposição com o significado. O que leva o apaixonado a essa estranha coerência de pensar tal como sente e sentir tal como pensa. E é insistindo nessa condição de uma provisoriedade da suspensão que não se confunde com a psicose. O que, ao mesmo tempo, reafirma os ditos populares de que a paixão, tal como o fogo de palha, acende e logo apaga. (…) Por isso podemos dizer que a consequência da suspensão provisória dessa divisão é que o mundo do apaixonado é um mundo em que encontramos um triunfo do significado, por isso se diz que a paixão é cega, que o sujeito olha tudo segundo a mesma ótica, o mesmo significado. Assim como se diz que a paixão é cega, diz-se que o sujeito está cego de ódio, também.” [3] ZIZEK, Slavoj (org.). Um Mapa da Ideologia. Trad. Vera Ribeiro. Rio de Janeiro: Contraponto, 1996. [4] LACLAU, Ernesto. Misticismo, retórica y política. Buenos Aires: Fondo de Cultura Económica de Argentina, 2006, p. 8. [5] WARAT, Luis Alberto. A ciência jurídica e seus dois maridos. Santa Cruz do Sul: UNISC, 1985. [6] BARTHES, Roland. Fragmentos de um discurso amoroso. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 2000, p. 111.

Referências

Relacionados

||

Outros conteúdos desse assunto

    Mais artigos

    ||

    Outros conteúdos desse tipo

      Alexandre Morais da Rosa

      ||

      Mais conteúdos do expert

        Acesso Completo!

        ||

        Tenha acesso aos conteúdos e ferramentas exclusivas

        Comunidade Criminal Player

        Elabore sua melhor defesa com apoio dos maiores nomes do Direito Criminal!

        Junte-se aos mais de 1.000 membros da maior comunidade digital de advocacia criminal no Brasil. Experimente o ecossistema que já transforma a prática de advogados em todo o país, com mais de 5.000 conteúdos estratégicos e ferramentas avançadas de IA.

        Converse com IAs treinadas nos acervos de Aury Lopes Jr, Alexandre Morais da Rosa, Rodrigo Faucz, Gabriel Bulhões, Cristiano Maronna e outros gigantes da área. Explore jurisprudência do STJ com busca inteligente, análise de ANPP, depoimentos e muito mais. Tudo com base em fontes reais e verificadas.

        Ferramentas Criminal Player

        Ferramentas de IA para estratégias defensivas avançadas

        • IAs dos Experts: Consulte as estratégias de Aury Lopes Jr, Alexandre Morais da Rosa, Rodrigo Faucz, Gabriel Bulhões e outros grandes nomes por meio de IAs treinadas em seus acervos
        • IAs de Jurisprudência: Busque precedentes com IAs semânticas em uma base exclusiva com mais de 200 mil acórdãos do STJ, filtrados por ministro relator ou tema
        • Ferramentas para criminalistas: Use IA para aplicar IRAC em decisões, interpretar depoimentos com CBCA e avaliar ANPP com precisão e rapidez
        Ferramentas Criminal Player

        Por que essas ferramentas da Criminal Player são diferentes?

        • GPT-4 com curadoria jurídica: Utilizamos IA de última geração, ajustada para respostas precisas, estratégicas e alinhadas à prática penal
        • Fontes verificadas e linkadas: Sempre que um precedente é citado, mostramos o link direto para a decisão original no site do tribunal. Transparência total, sem risco de alucinações
        • Base de conhecimento fechada: A IA responde apenas com conteúdos selecionados da Criminal Player, garantindo fidelidade à metodologia dos nossos especialistas
        • Respostas com visão estratégica: As interações são treinadas para seguir o raciocínio dos experts e adaptar-se à realidade do caso
        • Fácil de usar, rápido de aplicar: Acesso prático, linguagem clara e sem necessidade de dominar técnicas complexas de IA
        Comunidade Criminal Player

        Mais de 5.000 conteúdos para transformar sua atuação!

        • Curso Teoria dos Jogos e Processo Penal Estratégico: Com Alexandre Morais da Rosa e essencial para quem busca estratégia aplicada no processo penal
        • Curso Defesa em Alta Performance: Conteúdo do projeto Defesa Solidária, agora exclusivo na Criminal Player
        • Aulas ao vivo e gravadas toda semana: Com os maiores nomes do Direito Criminal e Processo Penal
        • Acervo com 140+ Experts: Aulas, artigos, vídeos, indicações de livros e materiais para todas as fases da defesa
        • IA de Conteúdos: Acesso a todo o acervo e sugestão de conteúdos relevantes para a sua necessidade
        Comunidade Criminal Player

        A força da maior comunidade digital para criminalistas

        • Ambiente de apoio real: Conecte-se com colegas em fóruns e grupos no WhatsApp para discutir casos, compartilhar estratégias e trocar experiências em tempo real
        • Eventos presenciais exclusivos: Participe de imersões, congressos e experiências ao lado de Aury Lopes Jr, Alexandre Morais da Rosa e outros grandes nomes do Direito
        • Benefícios para membros: Assinantes têm acesso antecipado, descontos e vantagens exclusivas nos eventos da comunidade

        Assine e tenha acesso completo!

        • 75+ ferramentas de IA para estratégias jurídicas com base em experts e jurisprudência real
        • Busca inteligente em precedentes e legislações, com links diretos para as fontes oficiais
        • Curso de Alexandre Morais da Rosa sobre Teoria dos Jogos e Processo Penal Estratégico
        • Curso Defesa em Alta Performance com Jader Marques, Kakay, Min. Schietti, Faucz e outros
        • 5.000+ conteúdos exclusivos com aulas ao vivo, aulas gravadas, grupos de estudo e muito mais
        • Fóruns e grupos no WhatsApp para discutir casos e trocar experiências com outros criminalistas
        • Condições especiais em eventos presenciais, imersões e congressos com grandes nomes do Direito
        Assinatura Criminal Player MensalAssinatura Criminal Player SemestralAssinatura Criminal Player Anual

        Para mais detalhes sobre os planos, fale com nosso atendimento.

        Quero testar antes

        Faça seu cadastro como visitante e teste GRÁTIS por 7 dias

        • Ferramentas de IA com experts e jurisprudência do STJ
        • Aulas ao vivo com grandes nomes do Direito Criminal
        • Acesso aos conteúdos abertos da comunidade

        Já sou visitante

        Se você já é visitante, seu acesso está liberado. Experimente GRÁTIS por 7 dias as ferramentas.