Precedentes importantes de 2022 em matéria do júri (parte 2)
O artigo aborda os precedentes relevantes estabelecidos em 2022 pelo Tribunal do Júri, destacando a importância da confissão espontânea do réu em plenário. Os autores discutem como as decisões dos tribunais superiores reforçaram o direito à atenuante da confissão, independentemente de sua fundamentação nas sentenças, e abordam temas como a comunicação de qualificadoras e o tratamento equitativo em casos semelhantes. Além disso, o texto aponta a expectativa sobre julgamentos futuros do Supremo Tribunal Federal que visam proteger princípios fundamentais do processo penal.
Artigo no Conjur
Dando continuidade à retrospectiva 2022 em que abordamos, na semana passada nesta coluna, os precedentes do Tribunal do Júri, um tema que se torna extremamente relevante e se tornou presente nas decisões dos Tribunais Superiores diz respeito à confissão espontânea do acusado em plenário do Júri.
É sabido que os jurados, com a preservação do sigilo das votações, podem tomar decisões até mesmo com base na sua íntima convicção [1]. No entanto, a ausência de fundamentação da decisão do Conselho de Sentença já foi utilizada como estratagema interpretativo para negar ao acusado o direito à atenuante da confissão espontânea.
Considerando isso, a 5ª Turma do STJ se posicionou, acertadamente, pelo entendimento de que “o réu fará jus à atenuante do art. 65, inc. III, d do CP, quando houver admitido a autoria do crime perante a autoridade, independentemente de a confissão ser utilizada pelo juiz como um dos fundamentos da sentença condenatória, e mesmo que ela seja parcial, qualificada, extrajudicial ou retratada” (STJ, REsp 1.972.098/SC, 5ª Turma, relator ministro Ribeiro Dantas, por unanimidade, j. em 14/6/2022). Diante desse precedente, pode-se inclusive concluir que houve um alargamento da incidência da Súmula 545/STJ.
Nessa esteira, a 6ª Turma do STJ (AgRg no AREsp 2.102.735/MS, relatora ministra Laurita Vaz, j. em 2/8/2022) deliberou que a confissão espontânea do réu deve atenuar sua pena, ao menos na fração de 1/6, embora não se saiba, ao certo, se a palavra do acusado surtiu total relevância no veredicto dos jurados. Fato é que a abordagem sobre a confissão em plenário, especialmente pela acusação, gera um o fator persuasivo, ainda que de difícil valoração na proporção que foi determinante para a tomada de decisão. Essa já era a orientação da 5ª Turma do STJ (AgRg no AREsp 1.754.440/MT, relator ministra Ribeiro Dantas, julgado em 2/3/2021). Essa posição segue a naturalidade interpretativa do preceito legal e com a qual concordamos.
O direito subjetivo do réu de ter sua pena atenuada se constitui no momento em que ele confessa. Condicionar esse direito a qualquer circunstância adicional — como a utilização da confissão na fundamentação da condenação _ violaria o princípio da legalidade. Outrossim, a exigência de que a confissão seja mencionada na sentença para fins de reconhecimento da atenuante viola o princípio da isonomia, pois abre a possibilidade de que réus, em circunstâncias processuais similares, recebam tratamentos divergentes do Judiciário, caso o decreto condenatório de um deles trate a confissão como uma das bases da condenação e a outra não o faça. Esse seria mais um grave alargamento ao princípio do livre convencimento do julgador (togado) na seara criminal que deve ser enfrentado e criticado [2].
Ademais — de forma divergente da colaboração premiada, que se embasa no impacto que as declarações do acusado podem causar no direcionamento da persecução penal — a atenuante da confissão espontânea decorre do “senso de responsabilidade pessoal do acusado”, sem nenhuma exigência de que a admissão dos fatos, por si só, desemboque em efeitos “práticos” para o aparato punitivo estatal.
Ressalta-se ainda que o Tribunal do Júri, assim como todo o sistema jurídico, deve proteger a expectativa da intenção da legislação penal. Por óbvio, o acusado, antes de negar ou admitir a autoria delitiva, reflete respectivamente entre a possibilidade de uma absolvição ou de uma condenação com pena atenuada. A partir do momento em que o Estado, com o nítido intuito de estimular a confissão, assegura legalmente ao acusado o direito à atenuante no caso de admissão dos fatos, não pode o mesmo Estado (julgador) condicionar a aplicação da lei a requisitos por ela não são exigidos.
Ainda, no que tange à atenuante da confissão espontânea nos meandros do Tribunal do Júri, lançamos luzes sobre outro tema importante, abordado pela 6ª Turma do STJ, nos autos do AgRg no REsp 2.010.303-MG (relator ministro Antonio Saldanha Palheiro, por unanimidade, j. em 14/11/2022): “A atenuante da confissão, mesmo qualificada, pode ser compensada integralmente com qualificadora deslocada para a segunda fase da dosimetria em razão da pluralidade de qualificadoras”.
A celeuma circunda em torno da possibilidade de que eventual qualificadora sobejante, com força de agravante, tenha proeminência sobre a atenuante da confissão espontânea. Nos casos de homicídios com duas ou mais qualificadoras, há entendimento jurisprudencial pacifico no sentido de “uma delas deverá ser utilizada para qualificar a conduta, alterando o quantum da pena em abstrato, e as demais poderão ser valoradas na segunda fase da dosimetria, caso correspondam a uma das agravantes previstas na legislação penal, ou, ainda, como circunstância judicial, afastando a pena-base do mínimo legal” (HC 402.851/SC, relator ministro Felix Fischer, 5ª Turma, DJe 21/9/2017).
A 6ª Turma, ao nosso ver acertadamente, decidiu pela compensação integral entre a atenuante da confissão e a qualificadora do motivo fútil, que fora rebaixada para a condição de agravante, em decorrência da existência de outras qualificadoras. Para tanto, os julgadores entenderam que ambas são circunstâncias igualmente preponderantes, à luz do que preconiza o artigo 67 do CP.
Outro tema de importante expressão diz respeito aos efeitos práticos extraídos das decisões em grau recursal. Destacamos o REsp 1.973.397-MG julgado em 6/9/2022 pela 5ª Turma de relatoria do ministro Ribeiro Dantas que tratou de diversas temas importantes. O primeiro se relaciona à (des)necessidade de nova sessão plenária em razão de afastamento de qualificadora pelo órgão revisor quando a abordagem não versa sobre questão probatória. No acordão, restou assentado que “diversamente do que ocorre na hipótese de contrariedade entre o veredicto e as provas dos autos (art. 593, § 3º, do CPP), o afastamento de qualificadora por vício de quesitação não exige a submissão dos réus a novo júri”.
Consoante deliberado pela 5ª Turma do STJ, a exclusão de uma qualificadora só demanda a necessidade de uma nova sessão plenária se houver manifesta contrariedade entre o veredicto e as provas dos autos (artigo 593, § 3º, do CPP), pois nessa hipótese somente os jurados possuem competência para decidir sobre a matéria. Todavia, se o afastamento da qualificadora for adstrito à nulidade de quesitação, a questão é solucionada em sede de dosimetria da pena, razão pela qual o tribunal técnico é competente para realizar o juízo rescisório e rescindente.
Também na perspectiva de que a competência para a dosimetria da pena é do juiz-presidente, no mesmo julgado ora debatido, asseverou-se que “embora seja necessária a quesitação aos jurados sobre a incidência de minorantes, a escolha do quantum de diminuição da pena cabe ao juiz sentenciante, e não ao júri”.
Ainda no julgamento do REsp 1.973.397-MG, a 5ª Turma do STJ destacou que “há nulidade no quesito que não questiona os jurados sobre a ciência dos mandantes do crime em relação ao modus operandi pelos executores diretos — emboscada —, já que as qualificadoras objetivas do homicídio só se comunicam entre os coautores desde que tenham ciência do fato que qualifica o crime”.
Consideramos acertado esse posicionamento. Se fosse prescindível o conhecimento do mandante sobre o modus operandi para a aplicação da qualificadora, restaria configurada a responsabilidade penal objetiva, vedada no ordenamento jurídico brasileiro. Como os juízes da causa são os jurados, esse ponto tem que lhes ser questionado, sob pena de nulidade.
Por fim, nos autos do REsp 1.973.397-MG, debateu-se sobre a polêmica da (in)comunicabilidade da qualificadora da paga ao mandante do crime de homicídio. A despeito da compreensão em sentido contrário da 6ª Turma do STJ, a 5ª Turma assentou que “a qualificadora da paga (art. 121, 2º, I, do CP) não é aplicável aos mandantes do homicídio, porque o pagamento é, para eles, a conduta que os integra no concurso de pessoas, mas não o motivo do crime”.
Sobre a temática, coadunamos com o posicionamento da 5ª Turma do STJ com base em dois argumentos fundamentais. Em primeiro lugar, a qualificadora da paga deve ser aplicada ao agente que executou o crime motivado pela recompensa financeira; o mandante do crime age impelido por outras razões, que podem ser valoradas positivamente ou negativamente. Em segundo lugar, o pagamento efetivado pelo mandante tem o condão de formalizar o concurso de pessoas entre ele e o executor do crime. Por conseguinte, utilizar o pagamento para integrar o mandante na qualidade de autor mediato e aplicar a qualificadora da paga configuraria bis in idem.
Conforme se depreende da leitura das duas partes da retrospectiva, em 2022 os tribunais superiores tomaram decisões importantes no cenário do Tribunal do Júri.
Para 2023 ficamos na expectativa do julgamento dos Temas 1.068 e 1.087 pelo Supremo Tribunal Federal, que tratam, respectivamente, da (in)constitucionalidade da prisão automática do réu condenado pelo Tribunal do Júri a uma pena igual ou superior a 15 anos de reclusão (CPP, artigo 492, inciso I, “e”) e da (im)possibilidade de apelação da sentença absolutória quando os jurados afirmam positivamente ao quesito obrigatório e genérico.
O enquadramento topológico do tribunal do júri (artigo 5º, inciso XXXVIII, da CF) indica algo deveras importante: trata-se de um direito fundamental. Esperamos que, em 2023, a Corte Constitucional exerça seu papel de guardiã da Constituição Federal nos julgamentos referidos e reconheça, no julgamento do Tema 1.068, a inconstitucionalidade da prisão automática e, no Tema 1.087, a impossibilidade de apelação pela acusação quando a decisão não versar sobre a questão probatória, tudo em prestígio ao princípio da presunção de inocência, à plenitude de defesa e à soberania dos veredictos, que devem parametrizar o processo penal em um Estado Democrático de Direito [3].
Vale ressaltar que o processo penal de um país deve refletir o posicionamento autoritário ou democrático de sua Constituição.
[1] Sobre o tema, recomendamos o artigo A ausência de motivação dos veredictos no júri, de 8 de outubro de 2022, bem como Tribunal do Júri: deliberação entre os jurados aumenta a qualidade das decisões, de 1 de abril de 2021.
[2] SAMPAIO Denis. Valoração da Prova Penal. O problema do livre convencimento e a necessidade de fixação do método de constatação probatório como viável controle decisório. Florianópolis: Emais, 2022.
[3] Já enfrentamos os dois temas aqui na coluna: A soberania do veredicto absolutório no Tribunal do Júri e a (im)possibilidade recursal, de 20 de agosto de 2022; Considerações sobre o recurso contra a decisão absolutória do júri, de 27 de agosto de 2022; A (in)subsistência da presunção de inocência no Tribunal do Júri, de 17 de dezembro de 2022.
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