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Máxima de experiência: um cão que vê à noite um estranho se aproximar, necessariamente late?

O artigo aborda a complexidade das máximas de experiência no Direito Probatório, enfatizando como essas generalizações, que deveriam orientar as decisões judiciais, são frequentemente baseadas em conhecimentos subjetivos e ideias preconcebidas. Utilizando o caso O.J. Simpson como exemplo, discute como a falta de evidências concretas, como o silêncio do cão do acusado, não pode ser usada para fundamentar culpabilidade, dada a fragilidade dessas máximas. O texto critica a aplicação indiscriminada de tais regras no processo penal, defendendo uma abordagem mais objetiva e fundamentada para a formação das decisões judiciais.

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Um tema sensível para o Direito Probatório diz respeito às experiências privadas dos tomadores de decisão. Essa questão não é fator exclusivo para o júri, mas para todas as tomadas de decisão judicial. A referência conceitual sobre as máximas de experiência foi, em primeiro momento, idealizada por Stein como

“Definições ou juízos hipotéticos de conteúdo geral, desligados dos fatos concretos que se julgam no processo, procedentes da experiência, mas independentes dos casos particulares de cuja observação se tem induzidos e que, acima desses casos, pretendem ter validez para outros novos” [1].

Em outras palavras, a definição originária (Stein) e cotidiana afirma que as máximas de experiência figuram como regras de comportamento que sucedem na maior parte dos acontecimentos similares. Com a complementação da conceituação, caracterizam-se como “generalizações empíricas a partir de procedimentos indutivos da experiência comum, independente do caso concreto, que fornecem ao juiz informações sobre o que normalmente ocorre segundo um difuso consenso na cultura média e no contexto espaço-temporal da decisão” [2].

Deve ser observado que esse conceito original se caracteriza pela atuação de um conhecimento simples, genérico e de matriz sobre a ausência de discussão da própria máxima. Contudo, a sociologia jurídica já identificou que a compreensão do julgador sobre as provas produzidas para a demonstração do fato e sobre a consequente decisão segue princípios de experiências adquiridas pela socialização — ideológica e cultural –, o que influencia a sua decisão [3] e afasta a própria simplicidade e indiscutibilidade das chamadas regras de experiência, até porque devem ser continuamente passíveis de críticas na medida em que o comportamento humano ininterruptamente admitirá exceções [4].

Caso O.J. Simpson

A título exemplificativo, referenciamos o famoso caso americano do julgamento de O.J. Simpson [5]. Como regra de experiência, o acusador suscitou que o fato de o cão não ter latido quando um estranho se aproximou da residência do acusado, à noite, autorizaria a conclusão de ser ele o dono do animal.

Em contrapartida, a defesa produziu provas que tentaram afastar essa máxima e obteve êxito quanto ao fornecimento de dúvidas razoáveis de que essa regra de experiência não poderia ser reconhecida como um dos indícios definidores de culpa penal, até porque a responsabilidade criminal não poderia ser comprovada pela ausência do latido de um cão, justamente por sua fragilidade e pela possibilidade de exceções (nem sempre um cão estranha uma pessoa diversa da casa; o estranho pode utilizar subterfúgios para que o cão não lata etc.).

Fato é que as máximas de experiência acabam sendo aplicadas na dinâmica processual penal, como em todas as ciências, ou na atividade vulgar. O que não se pode concordar é ser esta expressão, em decorrência da sua extrema subjetividade e vagueza, um critério racional de valoração [6] de prova e, acima de tudo, uma regra de juízo como modelo de contatação probatório.

Indeterminismo

A indagação segue na linha do cabimento à máxima de experiência para que haja espaço na formação racional da decisão judicial. Seria coerente expor a referida máxima no reconhecimento da responsabilidade criminal de um indivíduo? Haveria abertura para o raciocínio probatório a partir destas máximas?

Stella indica, de forma enfática, que não. Consoante seus ensinamentos, no âmbito dos temas mais delicados na modernidade (e a decisão judicial faz parte desse rol), não haveria espaço para as máximas de experiência e do senso comum [7], na medida em que a decisão judicial deveria seguir uma linguagem própria, exposta à dinâmica de todos os atos processuais e, em especial, as funções da prova penal. A linguagem que sempre se aproxima da formação das máximas de experiência revela um grau de indeterminismo [8] que leva ao afastamento da sua aplicação face a ausência de uma expressão específica ao caso concreto.

Na realidade, como adverte Stella, as regras de experiência caracterizam-se apenas como um instrumento opinativo do julgador e, portanto, nada garante um modelo racional de valoração da prova [9]. Este critério opinativo é assim considerado justamente porque não se endereça um controle crítico [10] da aferição judicial (pelo alto grau de vagueza e indeterminação, como já exposto), não sendo possível a determinação a observância de elementos de prova que o confirmam ou contradizem essas máximas. Ainda que seja uma questão teoricamente conhecida por muitos, permanece no patamar da generalização, o que impede o recebimento de verificação individualizada e a expressão de um saber do caso concreto.

Por outro lado, a motivação da decisão judicial tem uma função básica: simbolizar toda a convicção do julgador através das provas produzidas e da argumentação dialética da parte acusadora e defensiva. Esse rito deve seguir modelos democráticos, é dizer, não só símbolos alegóricos, mas sim, objetivamente, dizer o porquê da conclusão da sua decisão seguindo todo o material processual. Não mais podemos aceitar as palavras figurativas, bem como regras lógicas idealizadas. A partir daí, a máxima concretização e objetividade das regras probatórias devem ser o modelo a ser seguido, para que haja o afastamento retórico, o que se denomina como erro lógico das decisões penais.

Nesta linha, por exemplo, na demonstração do elemento subjetivo do injusto não basta o juiz dizer “atuou com dolo ou negligência diante de critérios conhecidos por todos”. Deve simbolizar o porquê e individualizar os fatos probatório através de elementos objetivos. Esse argumento também deve ser o critério argumentativo-probatório da acusação face ao ônus da prova.

Sentença standard e fundamentação genérica

Por outro lado, sopesar de forma genérica as informações trazidas ao processo através de elementos probatórios, na expressão de Ibàñez, induz a uma sentença standard [11], com o velho discurso de análise de “todo o conjunto de provas” [12]. Neste contexto, abre-se espaço para a inclusão de regras de experiência afastando a racionalidade decisória, inclusive no tribunal do júri.

Esse, ao nosso sentir, pode figurar como maior perigo na identificação das máximas de experiência como premissa maior [13] do silogismo judicial. Isto é, uma fundamentação genérica, não pautada na objetividade probatória, para chegar a uma conclusão.

Para se chegar à decisão final, com o compartilhamento das razões perceptíveis, passos devem ser seguidos, tornando-a legítima. A clareza procedimental é o viés obrigatório à luz do devido processo legal. Assim, a força probatória, seguindo o princípio acusatório, terá o início pelo movimento dialético das partes e suas próprias argumentações. As partes possuirão, portanto, a função da ressalva e demonstração de todos os pontos controvertidos (e, como já exposto, no processo penal todos os fatos serão controvertidos), criando uma hipótese acusatória proposta ao juiz, que a recebe já formulada com a pretensão de constituir a explicação do caso penalmente relevante e da resistência defensiva.

O raciocínio jurídico deve seguir na complexidade da discussão processual, não sendo crível, por frágeis modelos silogísticos, a formação da convicção daquele que irá julgar, com um elevado aporte às máximas de experiências, pois figuraria como retrocesso ao sistema da íntima convicção, destituído por quase todos os ordenamentos jurídicos democráticos.

Portanto, para a formação de uma decisão legítima, além da simbolização explicativa do porquê do rendimento atribuído a cada meio de prova (modelo atomístico — tema já enfrentado nesta coluna) e seu valor diante do conjunto complexo de dados, deverá ilustrar (se for a hipótese) acerca das máximas de experiência como fator de junção lógica das provas produzidas. Somente assim, será reconhecido o seu valor como atribuição de referência à aferição de fatos e de formação do raciocínio decisório, com fator de aceitabilidade democrática da própria decisão.

Segue nesta linha de raciocínio, a impossibilidade de o julgador formar seu convencimento pautado apenas no seu conhecimento privado, na medida em que nenhuma decisão poderá ser regulada por simples aferição intuitiva (na sua privação) dos fatos, mas sim na realização dialética argumentativa (princípio acusatório) e nas provas produzidas. A racionalidade do conhecimento do julgador segue neste vetor. Há liberdade na valoração das provas, através de regras probatórias, e não do seu conhecimento privado.

O que infere, portanto, é que as máximas de experiência não seguem como modelo lógico — objetivo da valoração racional da prova, no seu máximo aspecto constitucional. Defendemos, portanto, a necessária reflexão sobre a presença e o peso de cada elemento de prova como vetor decisório. De outras tantas, poderiam ressurgir modelos já abolidos.

[1] STEIN, Friedrich. El Conocimiento Privado del Juez. Trad. Andrés de la Oliva Santos. Madrid: Editorial Centro de Estudios Ramón Areces, S.A., 1990, p. 22.

[2] CANZIO, Giovanni. Proca scientifica, ragionamento probatório e libero convincimento del giudice nel processo penale. In Diritto Penale e Processo n. 10, 2003, p. 1196.

[3] SCHNEIDER, Jochen e SCHROTH, Ulrich. Perspectivas da aplicação da norma jurídica: determinação, argumentação e decisão. In: Introdução à Filosofia do Direito e à Teoria do Direito Contemporâneas. Org. Arthur Kaufmann e Winfried Hassemer. Trad. Marcos Keel e Manuel Seca de Oliveira. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2002, p. 513.

[4] TONINI, Paolo. Manuale di Procedura Penale. 12ª. ed. Milano: Giuffrrè, 2011, p. 223.

[5] Sobre o comentário do caso, ver DERSHOWITZ, Alan M. Dubbio ragionevoli. Il sistema della giustizia penale e il caso O.J. Simpson.trad. Michele Materni e Renata Schisano. Milano: Giuffrè, 2007, especialmente o capítulo IV que analisa a dinâmica probatória com referência à reflexão se a dúvida dos jurados se caracteriza como razoável..

[6] STELLA, Federico. Giustizia e Modernità. La protezione dell’innocente e la tutela delle vittime. 3ª. ed. Milano: Giuffrè, 2003, p. 49.

[7] Idem, p. 42 e segs.

[8] Ibdem, p. 46.

[9] Ibdem, p. 51.

[10] STELLA, Federico. Etica e razionalità del Processo Penale nella recente sentenza sulla causalità delle sezioni Unite della Suprema Corti di Cassazione. In Rivista Italiana di Diritto e Procedura Penale. Vol. II, 2002, p. 788.

[11] ANDRÉS IBÁÑEZ, Perfecto. Valoração da Prova e Sentença Penal. Rio de Janeiro, Lumen Juris, 2006, pág. 155.

[12] Como muito se expõe em atividades decisórias: “valoração conjunta da prova”; “o conjunto material das provas”; “a formação do contexto conjuntural das provas” e outras expressões de generalidade duvidosa.

[13] CARNELUTTI, Francesco. Massime di esperienza e fatti notori. . In Rivista di Diritto Processuale. Vol. XIV, Padova: CEDAM, 1959, pág. 639.

Referências

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