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LSN é pauta para historiadores e não objeto de trabalho da PF!

O artigo aborda a inconstitucionalidade da Lei de Segurança Nacional (LSN) e sua relação com a “Doutrina da Segurança Nacional”, destacando seu uso inadequado pela Polícia Federal. O texto explora a transição para a democracia no Brasil, as repercussões do lawfare na política atual e a necessidade urgente de revogar a LSN, afirmando que este tema deve ser reservado a historiadores e não a ações policiais. A crítica à utilização da lei para intimidar vozes dissidentes é central na discussão da proteção do Estado democrático.

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A inconstitucional (não recepcionada) LSN não foi a primeira a tratar o tema e deve ser compreendida a partir da chamada “Doutrina da Segurança Nacional”. Com a vitória dos Aliados na 2ª Guerra Mundial e a bipolarização do mundo, iniciou-se toda uma nova configuração de quem seria o inimigo, que não precisava mais se encontrar além das fronteiras nacionais. A “Doutrina de Segurança Nacional” teve na Escola Superior de Guerra o seu grande centro difusor. Trata-se de um discurso marcado pela mais completa intolerância para quem discorda dos ideais hegemônicos. O slogan Brasil, ame-o ou deixe-o representa indelevelmente essa incapacidade em conviver com o pensamento diferente.

Após o esgotamento do chamado “milagre econômico”, a ditadura civil-militar começou a ser cada vez mais questionada pela sociedade civil que buscava a fruição das liberdades. O último general-presidente já não governou tendo o amparo do Ato Institucional nº 5. No dia 15 de março de 1985, o poder político era enfim devolvido às lideranças civis. Era a consolidação do processo lento, gradual e seguro concebido pelos generais Geisel e Golbery.

Porém, a transição para a democracia não se deu de forma completa. A participação de atores políticos vinculados ao regime autoritário, a começar pela figura do Presidente José Sarney, não foi o único legado recebido pela Nova República. Fauzi Hassan Choukr aponta para um resquício que possui pertinência para o acréscimo de inquéritos instaurados com base na Lei de Segurança Nacional e apontados inicialmente:

“Estruturas administrativas juridicamente justificadas são, ainda, um legado silencioso do regime caído (…)”1

A Lei de Segurança Nacional se encontra inserida nesse conjunto de uma herança – tóxica – da ditadura civil-militar (1964-1985). Ademais, não é fruto do acaso o aumento de inquéritos instaurados com base nessa legislação ser observado nesses últimos dois anos.

Todavia, fazer a associação entre o histórico da Lei de Segurança Nacional e o atual Presidente da República não se mostra suficiente, pois é possível — e necessário — aprofundar o objeto da análise a partir de um fenômeno que cada vez mais se fortalece na realidade jurídica brasileira: o lawfare, que iniciou bem antes do atual governo.

Lawfare é uma espécie de tática conflituosa na qual o Direito é utilizado como arma contra um inimigo específico.2 A tática bélica traduz um instrumento de perseguição ilegítimo e antidemocrático.3

Outrora, quem demonstrava publicamente o seu descontentamento com o detentor do poder corria o sério risco de perecimento da própria vida. Essa realidade já não mais existe.

É claro que não mais se verifica a instituição de uma política institucionalizada de torturar e fazer desaparecer os adversários políticos. As coisas se adaptam darwinianamente. E se sofisticam. Atualmente, por meio do lawfare, isto se dá por dois meios: (i) o uso do processo sem devido processo e (ii) por meio de uma legislação autoritária que é usada contra quem critica o establishment. Ou seja, eis aí o fenômeno da abertura de inquéritos: o que se visa é a intimidação, uma forma de calar. Mas não esqueçamos do uso do “processo sem o devido processo legal”, que faz vítimas cotidianamente.

A crítica ao lawfare não só deve se basear no fato de que ele fragiliza o direito, porque despreza a sua autonomia frente a outros discursos, mas também pelo fato de representar uma ameaça interna ao próprio regime democrático. É um “predador endógeno do Direito”.4

Essa forma de lidar com a divergência ideológica não se mostra em conformidade com o Texto Constitucional, que assegura como fundamento da República o pluralismo político. A LSN deveria ser objeto apenas de estudo de historiadores e não objeto de trabalho em delegacias da Polícia Federal. Simples assim.

Daí que a sua revogação ou declaração judicial de não-recepção constituem pautas urgentes para que a sociedade civil venha a provocar os poderes constituídos. Devemos aprovar uma Lei de Defesa do Estado Democrático de Direito (Pedro Serrano, Lenio Streck, Marcelo Cattoni, Paulo Teixeira – PL 3864/20, dentre outros, tratam disso em projeto no Parlamento). Enquanto não chegamos à extração da Lei de Segurança Nacional do ordenamento jurídico, é imprescindível se insurgir contra a sua aplicação. Trata-se de um verdadeiro dever cívico de quem se encontra comprometido com a construção da democracia brasileira.

Como dizia o agora icônico Belchior, na música Velha Roupa Colorida – como uma espécie de recado inconsciente para aqueles que ainda não entenderam que os anos de chumbo foram superados – o passado é uma roupa que não nos serve mais.

Ainda numa palavra final: hoje existe a Lei de Abuso de Autoridade,5 que no seu artigo 27 diz que é crime

Requisitar instauração ou instaurar procedimento investigatório de infração penal ou administrativa, em desfavor de alguém, à falta de qualquer indício da prática de crime, de ilícito funcional ou de infração administrativa.

Simples. Direto. Autoexplicativo.

1 CHOUKR, Fauzi Hassan. Transição e consolidação da democracia. Florianópolis: Empório do Direito, 2016. p. 99.

2 STRECK, Lenio Luiz. Lawfare. In: ALVES, Giovanni; GONÇALVES, Mirian; TONELLI, Maria Luiza Quaresma & RAMOS FILHO, Wilson. (coordenadores). Enciclopédia do golpe. volume 1. Bauru: Canal 6, 2017. p. 119.

3 Idem, ibidem.

4 Cfe. STRECK, Lenio Luiz. Ensino, Dogmática e Negacionismo Epistêmico. Fpolis, Tirant, 2020, passim.

5 Ver nesse sentido o novo livro Comentários a Lei de Abuso de Autoridade – artigo por artigo. STRECK, L.L. e LORENZONI, P.C. Florianópolis, Ed. Tirant Lo Blanch, passim. No livro, entre outras questões, propõe-se a discussão sobre a teoria do ônus argumentativo.

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