A adoção da metáfora dos cães de Pavlov no campo do Direito Penal
O artigo aborda a aplicação da metáfora dos “cães de Pavlov” no contexto do Direito Penal, destacando como o condicionamento e os estímulos influenciam o comportamento dos atores processuais. Os autores discutem a falta de senso crítico e a manipulação do processo penal, sugerindo que a reação automática à denúncia pode comprometer direitos fundamentais. Eles alertam para a possibilidade de um sistema que prioriza a punição em detrimento da justiça, refletindo um cenário de totalitarismo que deve ser desconstruído.
Artigo no Conjur
Ainda sobre cães, Ivan Pavlov foi um fisiologista russo que ganhou o Prêmio Nobel de Fisiologia ou Medicina no ano de 1904 por seu trabalho de estudar os processos digestivos dos animais. Enquanto estudava a digestão em cães, Pavlov observou uma ocorrência interessante: os animais começavam a salivar sempre que um assistente tocava um sino e entrava na sala para alimentar os cachorros.
Com o experimento, Pavlov fez uma das grandes descobertas da atualidade: o reflexo condicionado. Trata-se de um processo que descreve a origem e a transformação de comportamentos com base no binômio estímulo vs. resposta sobre o sistema nervoso central dos seres vivos.
O teste ficou conhecido como “cães de Pavlov” e teve grande influência nos estudos do que viria a ser a psicologia comportamental. O que Pavlov fez foi, basicamente, apresentar um estímulo neutro ao cachorro, tocando uma sineta por repetidas vezes. Depois, o pesquisador emparelhava uma carne para o cão, logo em seguida ao som da sineta — o que gerava salivação no cão. Após determinado período, Pavlov apresentava apenas o som da sineta e, ainda assim, os cães salivavam como se estivessem comendo carne.
O condicionamento pavloviano refere-se aos processos e procedimentos pelos quais os seres vivos aprendem novos reflexos. Seguindo os mesmos estudos, John Watson realizou pesquisas em que comprovou que é possível “aprender” a sentir emoções (por exemplo, sente-se medo quando se escuta o motor do aparelho do dentista)[1].
A psicologia explica que emoções e comportamentos podem ser aprendidos e moldados, despidos de senso crítico, de acordo com o estímulo que recebem.
Ocorre que esse quadro pode estar se repetindo no âmbito processual penal. Estaria o Direito Penal sendo palco de experimento do teste dos cães de Pavlov? Poder-se-ia fazer uso desse teste como metáfora para a atuação dos players processuais?
A questão é: que tipo de estímulo ou recompensa tem sido oferecido aos atores processuais para gerar os comportamentos realizados? Se, no experimento de Pavlov, os cães eram capazes de babar apenas ao badalar da sineta, no atual modelo processual penal muitos juízes estão sendo capazes de condenar apenas com o oferecimento da denúncia. E não importa a carne que lhes ofereça. A satisfação pessoal pela salivação já foi consumada.
O binômio estímulo-resposta diminui a taxas reprováveis a capacidade crítica e torna a vítima objeto de exploração opressora que a conduz a responder, sem resistência, ao reflexo condicionado apresentado pelo quadro fantasioso.
Na utilização do teste dos cães de Pavlov, como metáfora, a corrupção no ambiente do poder público teria chegado a patamares tão reprováveis que justificaria a prisão como um expediente que conduz à delação, e esta, por fim, apresentaria os elementos que fundamentariam a condenação.
O cão de Pavlov, ao ouvir o estímulo, estava condicionado a salivar, mesmo que estivesse saciado em sua necessidade de alimentação. Significa dizer que o comportamento do cão de Pavlov é desprovido de senso crítico.
Assim, no âmbito do processo penal, o comportamento guiado pelo discurso de “combate à criminalidade” pode estar mobilizando o aparelho do Estado, sem senso crítico razoável, para, sem a observância dos direitos e garantias fundamentais, saciar uma necessidade falsa. E assim é porque o comportamento condicionado tão somente por estímulos deságua no determinismo cego da punição.
A busca desenfreada por uma forma de redução da corrupção, da violência e da criminalidade em geral pode estar conduzindo os integrantes desse processo decisório para o uso indevido das teorias de Pavlov, na esperança da resolução de nossas mazelas, escorados na falsa premissa de que a punição conduzirá à erradicação do mal.
Trata-se de um traço patológico, onde os fanáticos pela vitória se apresentam ao processo como jogadores viciados pela satisfação pessoal. Assim, por entenderem que estão imbuídos de uma missão divina, porque acreditam estar lutando no time do bem contra o mal, vira uma guerra onde tudo vale[2].
Na experiência de Pavlov, reinava a artificialidade, a manipulação e a dimensão de semideus do condutor do processo, visto que, ao soar a campainha pavloviana, mesmo que a comida não fosse apresentada aos cães, eles já estavam salivando.
Um mundo artificial, forjado nas pranchetas da manipulação e no discurso vazio da guerra, é próprio dos dirigentes dos estados totalitários. Afinal, quem combate algo jamais terá olhos para respeitar a presunção de inocência.
Em função disso, tenho que o papel daquele que defende os direitos e garantias do acusado em um processo não é de simples defesa ou de construção de tese.
A defesa atual demanda uma desconstrução! É preciso desconstruir o imaginário social que tem contaminado o Direito com os discursos de moral da decisão! A legitimidade do Poder Judiciário não decorre da vontade da maioria, mas, sim, do caráter democrático da Constituição[3]. Por isso, é preciso desconstruir o reflexo condicionado para tornar possível que, a começar pelos procedimentos de investigação, denúncia e medidas cautelares, o processo se apresente como um “estímulo neutro” e se desenvolva no salutar ambiente republicano do Estado Democrático de Direito.
É preciso deixar de salivar com os discursos de “combate”, que contaminam e criam mapas mentais paranoicos, impossibilitando um julgamento despido de preconceitos ou julgamentos morais. Como revela Streck[4], é preciso retomar a crítica ao pensamento objetificador, rompendo-se o paradigma da subjetividade, que impede o direito de aparecer naquilo que ele tem de transformador.
Não se trata de novidade que o falso discurso populista tem servido como estímulo (moral) para o julgador. Se hoje a bola da vez é o “combate à corrupção”, na versão espanhola do século XV, eram os procedimentos de limpeza que justificavam as perseguições contra mouros e judeus[5].
No início do texto, foram apresentadas duas perspectivas referentes a homens e cães. Na primeira, fez-se lembrança sobre “o melhor amigo do homem”. Na segunda, rendeu-se homenagem ao trabalho do diretor cinematográfico Kórnel Mundruczó, em razão do filme White God, palco da discussão a respeito da opressão e da tensa relação entre poder e submissão, que, dentre outras, se perpassa na relação entre os homens e os cães.
Pois bem. Qual a trilha adotada pelas autoridades integrantes do processo decisório no âmbito processual? Trilha-se o caminho que fará do cão o melhor amigo do homem ou, seguindo a máxima de que a vida imita a arte, opta-se pelo expediente da opressão e do binômio poder-submissão na relação entre os homens e os cães?
Por certo, a adoção da metáfora dos cães de Pavlov no campo do Direito Penal fará com que a vida imite a arte, e assim estaremos sendo manipulados e caminhando a passos largos no processo de reprodução dos indesejáveis expedientes adotados pelos dirigentes dos Estados totalitários.
[1] MOREIRA, Márcio Borges; MOREIRA, Carlos Augusto de Medeiros. Princípios básicos de análise do comportamento. Porto Alegre: Artmed, 2007. p. 33. [2] ROSA, Alexandre de Morais. Guia do processo penal conforme a teoria dos jogos. 4 ed. rev. atual. e ampl. Florianópolis: Empório do Direito, 2017. p. 371. [3] LOPES JUNIOR, Aury. Direito processual penal. p. 61 [4] STRECK, Lenio Luiz. Verdade e consenso: Constituição, hermenêutica e teorias discursivas. Da possibilidade à necessidade de respostas corretas em direito. 3 ed. Lumen Juris: Rio de Janeiro, 2009. p. 162. [5] PEREZ, Marcelo Baya. O castigo do crime versus o crime do castigo. Revista de Direito Alternativo. Imprensa: São Paulo, 1992. p. 33
Referências
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