

Exame criminológico e expiação da culpa
O artigo aborda a importância do exame criminológico no contexto da execução penal, destacando que sua realização não é obrigatória, mas pode ser relevante para a avaliação das condições subjetivas do apenado. A autora analisa a necessidade de fundamentação nas decisões judiciais relacionadas à progressão de regime, enfatizando que, conforme a jurisprudência, o juiz deve justificar a exigência de tal exame. A discussão envolve também o papel do magistrado em assegurar que o processo esteja em conformidade com os princípios garantistas do Estado de Direito.
Artigo no Empório do Direito
Por Soraia da Rosa Mendes – 01/03/2017
É certo que na execução penal, embora de início antes de ser um árbitro imparcial, ao juiz ou à juíza caiba tomar a iniciativa à semelhança do modelo inquisitório, seu dever quanto ao controle da legalidade, também está condicionado a princípios que lhe impõem um cotidiano (re)pensar do ato de decidir, como diz Geraldo Prado (2005) “em bases mais democráticas, simultaneamente com a convicção na eficácia dos procedimentos jurídicos para conter os abusos”.
Na condução administrativa da execução penal a maioria dos atos são discricionários, o que não lhes isenta, contudo, da necessidade de sujeitarem-se à legalidade. Pelo contrário, nos marcos do sistema constitucional vigente, compete a todo e qualquer magistrado ou magistrada motivar e da fundamentar os atos que pratica.
Esse é o caso recentemente debatido nos autos do Habeas Corpus 384.725, em que a presidenta do Superior Tribunal de Justiça, a Ministra Laurita Vaz, concedeu liminar para determinar que um juiz do Estado de São Paulo profira nova decisão relativa à progressão de regime de um preso. Conforme a Ministra, o magistrado deve “examinar, com motivação concreta, a necessidade ou não de realização de exame criminológico”, posto que, ainda segundo a presidenta da Corte, a gravidade abstrata do crime e a extensão da pena a cumprir não são argumentos válidos para que se condicione a progressão do regime penal à realização da perícia exigida.
Nos termos do art. 112 da LEP, a pena privativa de liberdade será executada de forma progressiva, com a transferência para regime menos rigoroso, a ser determinada pelo juiz ou juíza da execução, quando o preso tiver cumprido ao menos um sexto da pena no regime anterior (2/5 ou 3/5, em tratando-se de crimes hediondos) e ostentar bom comportamento carcerário, comprovado pelo diretor do estabelecimento, respeitadas as normas que vedam a progressão.
Ainda nos termos da lei, a decisão será sempre motivada e precedida de manifestação do Ministério Público e do defensor. Sendo idêntico o procedimento a ser adotado na concessão de livramento condicional, indulto e comutação de penas, respeitados os prazos previstos nas normas vigentes.
A partir das modificações determinadas pela Lei 10.792/2003, portanto, a realização do exame criminológico, não é obrigatória, sendo, contudo, considerada viável pela doutrina e jurisprudência dominantes, nos casos em que justificada sua relevância para melhor elucidação das condições subjetivas do apenado na concessão do benefício.
O Supremo Tribunal Federal, em jurisprudência consolidada, admite a exigência fundamentada do exame criminológico. E, muito especialmente, em relação aos crimes hediondos editou súmula vinculante (n. 26), segundo a qual “Para efeito de progressão de regime no cumprimento de pena por crime hediondo, ou equiparado, o juízo da execução observará a inconstitucionalidade do art. 2º da Lei n. 8.072, de 25 de julho de 1990, sem prejuízo de avaliar se o condenado preenche, ou não, os requisitos objetivos e subjetivos do benefício, podendo determinar, para tal fim, de modo fundamentado, a realização de exame criminológico.”
Na recente decisão a Ministra Laurita Vaz menciona claramente que, conforme a jurisprudência do STJ, cabe ao magistrado verificar o atendimento dos requisitos subjetivos à luz do caso concreto, podendo determinar ou não a realização do exame criminológico se entender necessário, desde que, entretanto, frise-se, a decisão seja fundamentada.
No caso em debate, o a pessoa presa havia sido condenada (diga-se, por sentença ainda não transitada em julgado) à pena de 12 anos e 11 meses de reclusão, em regime inicial fechado, pelos crimes de roubo e resistência. O requerimento de progressão de regime feito pela defesa foi indeferido pelo magistrado de primeiro grau, que considerou necessária a realização prévia de exame criminológico.
Nos termos da decisão da Ministra o benefício da progressão de regime somente será concedido ao condenado que preencher, cumulativamente, os requisitos objetivo e subjetivo, conforme o artigo 112 da Lei de Execução Penal, bem como da Súmula 439 do STJ, segundo a qual “admite-se o exame criminológico pelas peculiaridades do caso, desde que em decisão motivada”.
Como bem observou, o magistrado não apontou elementos concretos, ocorridos durante a prisão, que mostrassem o demérito do paciente e que, embora tenha afirmado a gravidade dos crimes praticados, não apresentou fundamentos razoáveis. E, no exame do pedido de liminar em habeas corpus, de sua parte, o Tribunal de Justiça de São Paulo limitou-se à afirmação de que a decisão do juiz restou bem fundamentada.
Ora, em síntese, não havendo expressamente a previsão de um requisito, não pode o juiz exigi-lo. Ou existindo um tal critério, caso seja dúbio, deverá prevalecer posição mais favorável ao condenado. Nunca o contrário.
“Expiar a culpa”, é uma expressão religiosa que bem demonstra o sentido que a aplicação da sanção e a execução penal ainda têm (Prado, 2005). Sendo bem apropriada a afirmação de Ferrajoli, em Direito e Razão (2006), segundo a qual a história das penas é ainda mais horrenda do que a história dos próprios delitos, vez que a previsão e aplicação das sanções penais resultam de ação racionalmente dirigida à imposição da violência.
No Brasil de 2017, em um contexto de horrores e expiações, de corpos esquartejados e cabeças que rolam, buscar compreender a execução penal desde garantias que se expressam, também nos dizeres de Ferrajoli (2006, p. 91), no contexto de um sistema garantista incorporado mais ou menos na íntegra, às constituições e codificações dos ordenamentos jurídicos desenvolvidos enquanto princípios jurídicos do Estado de Direito moderno, é o mínimo que nos cabe.
. Soraia da Rosa Mendes é professora e advogada, mestre em Ciência Política pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul – UFRGS, doutora em Direito, Estado e Constituição pela Universidade de Brasília – UnB e pós-doutoranda em Teorias Jurídicas Contemporâneas pela Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ. .
Imagem Ilustrativa do Post: Solitary Confinement, Old Geelong Gaol 7 // Foto de: jmiller291 // Sem alterações
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