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A razão neoliberal e a crise do ensino jurídico no Brasil

O artigo aborda a crise do ensino jurídico no Brasil sob a influência da racionalidade neoliberal, destacando como essa abordagem transforma os indivíduos em empreendedores de si mesmos, priorizando a competição e o sucesso. Os autores, Jefferson de Carvalho Gomes e Raphael Boldt de Carvalho, apontam que essa lógica impacta negativamente a formação acadêmica, reduzindo o conhecimento teórico e reforçando práticas superficiais que desumanizam o exercício da advocacia. Além disso, discutem as implicações éticas e o declínio do pensamento crítico nas instituições de ensino superior.

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Em 2009, logo após a eclosão da crise financeira global, Pierre Dardot e Christian Laval publicaram “A nova razão do mundo: ensaio sobre a sociedade neoliberal”, livro no qual realizaram uma profunda análise do neoliberalismo, mostrando como ele constitui, muito além de uma doutrina econômica, uma nova racionalidade que estrutura e organiza tanto as ações dos governantes como a própria conduta dos governados.

Assim, não é apenas o Estado que se adequa a essa nova racionalidade, mas toda a sociedade. Nesse cenário, cada sujeito é uma “empresa” que está em contínua concorrência e a competição introjeta-se até na esfera da subjetividade dos indivíduos. A vida passa a ser vista como uma empresa — um capital a ser continuamente valorizado —, na qual o indivíduo é empreendedor de si mesmo.

Se por um lado a naturalização do risco, a responsabilização individual pelas consequências de suas escolhas e a transformação dos indivíduos em sujeitos empreendedores de si, que estão em contínua competição e concorrência com os demais sujeitos empreendedores, são facetas dessa nova racionalidade, em contrapartida, essa mesma razão exige que o sujeito neoliberal se supere continuamente e seja flexível para acompanhar as mudanças impostas pelo mercado.

Entretanto, essa infinita responsabilização dos indivíduos por seu próprio destino, sempre atendendo ao imperativo de ser “bem-sucedido e feliz”, tem produzido, segundo os autores, uma sociedade esquizofrênica e doentia.

Nossa pretensão neste texto não é propriamente discutir as possibilidades de superação da “jaula de aço”neoliberal, mas indicar, brevemente, algumas implicações dessa nova razão para o Direito e, mais especificamente, para o ensino jurídico no Brasil, afinal, parece pouco provável a construção de algum tipo de subjetividade que perpasse essa racionalidade.

Talvez por isso muitos indivíduos simplesmente estejam resignados diante da inescapável situação dessa razão-mundo, o que tem conduzido à formação de uma nova geração de bacharéis e advogados que busca todas as formas de ascensão possível e faz da profissão um reino do auto exibicionismo delirante, até certo ponto patológico, moldando a advocacia como um produto do marketing e do espetáculo. Nesse contexto, a publicidade abusiva e enfadonha aparece como sinônimo de empreendedorismo, sucesso, competência, na caça voraz e desesperada por clientes e pela construção de uma imagem positiva, capaz de torná-los um produto mais atraente no mercado.

No final das contas, verificamos o declínio do conhecimento e a redefinição do ensino jurídico, gerido pela ótica da concorrência e do sucesso. Para tanto, o mais importante nas faculdades de Direito é maximizar os resultados, oferecer números aptos a atestar a qualidade do curso e de seus alunos. A entrada da lógica produtivista no ensino superior é apenas mais uma expressão da ubiquidade do modelo neoliberal e constantemente a adesão à essa lógica compromete a própria carreira, de modo que o valor moral do currículo e a busca desenfreada por capital simbólico por vezes extrapolam o valor moral do conteúdo.

Com a conexão entre racionalidade neoliberal e práticas conservadoras, típicas do campo jurídico, os docentes abandonam o pensamento crítico e a busca por emancipação por intermédio do conhecimento, para oferecer aos alunos um saber descolado da realidade social, mas conforme a lógica mercantil.

Com a capitalização da vida, a teoria tem sido desqualificada em prol da formação de meros práticos ou agentes acríticos e disciplinas inteiras devem ser adequar à nova realidade e tornar o indivíduo mais operacional em situações difíceis. E não poderia ser diferente, pois espera-se que o novo advogado seja flexível e resiliente. Do professor, exige-se não somente práticas pedagógicas inovadoras, mas que seja uma espécie de coach capaz de desenvolver no corpo discente as chamadas soft skills, tão almejadas pelo mercado.

Se o ensino jurídico já sofria de certa obsolescência , atualmente ele agoniza diante de aulas que mais parecem um espetáculo de stand up comedy ou um episódio de Suits, no qual alguns professores fazem da sala de aula o locus privilegiado para contar suas grandes façanhas e conquistas jurídicas.

Nas palavras de Guattari, “o capitalismo se apodera dos seres humanos por dentro”. Logo, no neoliberalismo não há separação entre a produção de subjetividade e a produção econômica ou política. Nesse sentido, o cinismo de atribuir às pessoas o “empresariamento de si” caminha lado a lado com a desumanização. Empresário de si mesmo, sendo ele próprio seu capital, espera-se que o futuro advogado ou servidor público seja um homo oeconomicus, um empreendedor. E para isso, muito do que foi escrito nos livros é dispensável. É preciso tão somente que as faculdades e os cursos de Direito se reinventem e transformem as vivências em capital, em vantagem competitiva.

Os efeitos da razão neoliberal no ensino jurídico e no cotidiano das instituições de ensino superior, sejam públicas ou privadas, têm sido nefastos, gerando, sobretudo, fragilidade dos coletivos de professores e alunos, sofrimento e adoecimento, configurando um quadro de precarização ética e fragilização do conhecimento teórico.

Esse novo profissional do Direito é resultado de uma racionalidade que orienta práticas pedagógicas conforme uma análise econômica, com base em um pensamento de custo-benefício. Em meio à produção de identidades marcadas pela impotência e à crise do ensino jurídico, ganha importância a complexa e relevante pergunta formulada por Boaventura de Sousa Santos: “poderá o Direito ser emancipatório?”. Difícil dizer. Nesses tempos sombrios, a resistência é tênue e discreta.

Eis então o cerne de toda a celeuma posta até aqui por nós, que de há muito já é denunciada por Lenio Streck: a de que no Brasil a Teoria do Direito transformou-se em uma teoria política do poder. Ou seja, a partir da lógica neoliberal que foi imposta no ensino jurídico brasileiro, pouco importa a complexidade fenomenológica que é o Direito, bastando tão somente que se simplifique este fenômeno em sinopses de plástico, se puder então um vídeo no Tik-Tok, melhor ainda! (Contém ironia)

A verdade é que isso não pode e nunca pôde ser assim, pois a partir deste déficit no ensino jurídico brasileiro é que vamos nos acostumando e alguns até mesmo aceitando este novo modelo de concursos públicos como quiz shows, o que obviamente reflete na péssima prestação jurisdicional, que é facilmente perceptível no Brasil. Streck adverte ainda que

“O Direito é dia-a-dia predado não somente pela moral, mas também pela economia e pela política, se a partir da indeterminação contida no clamor daquilo que chamo a voz das ruas, seja diante da subjetividade autoritária dos próprios operadores e intérpretes do Direito”.

Eis então o lócus: ou a comunidade jurídica desperta e se move contra essa fetiche que só faz corroer o Direito brasileiro, ou continuaremos fadados ao fracasso, até o dia que o Direito não exista mais e seja tão somente um simulacro para legitimar as vontades de poder. Por isso que clamamos para que a doutrina volte a doutrinar urgente, cumprindo a função social da dogmática, e que também todos os atores institucionais do Direito, sobretudo os advogados, façam o devido constrangimento epistemológico, pois enquanto o poder, seja ele qual for, não sentir o devido constrangimento, o Direito continuará agonizando.

Lutemos, pois!

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