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Todo poder contra o povo? algo sobre a criminalização dos movimentos sociais

O artigo aborda a crítica à criminalização dos movimentos sociais no Brasil, enfocando como práticas legislativas podem transformar a legítima reivindicação popular em crimes. O autor, Maurilio Casas Maia, destaca a contradição entre a Constituição, que afirma que todo poder emana do povo, e as tentativas de cercear essa dinâmica através de leis antiterrorista vagas. A discussão é acompanhada por referências a posicionamentos de organizações como a OEA e movimentos sociais, alertando para os riscos de um retrocesso democrático.

Artigo no Empório do Direito

Por Maurilio Casas Maia – 26/12/2015

A depender da vontade de alguns legisladores, talvez o “gigante” não possa mais acordar e ir para as ruas disposto com a mesma espontaneidade e coragem inspiradora das marchas populares do ano de 2013… E “[d]izem-nos que de nós emana o poder, mas sempre o temos contra nós. Dizem-nos que é preciso defender nossos lares, mas se nos rebelamos contra a opressão é sobre nós que marcham os soldados.” (Trecho de “No caminho com Maiakovski”, de Eduardo Alves da Costa).

Com as palavras de Eduardo Alves da Costa, inicia-se o presente texto que é, em suma, uma breve crítica à tentativa de criminalizar os movimentos sociais e ações de reinvindicação popular de direitos.

A Constituição determina que “[t]odo o poder emana do povo” (p. único, art. 1º). Porém, na prática, percebe-se que o poder, em grande parte, emana das elites eleitas na tal democracia supostamente representativa da soberania popular. O raciocínio exposto, embora pareça cético quanto ao ideal democrático, não é desconhecido dos estudiosos da chamada “Teoria das Elites”.

Com efeito, a preocupação aqui é com a criação de estruturas penais, conectadas ao terrorismo, tão abertas a ponto de tornar criminosa – por via de interpretação antidemocrática e excludente de certos setores do diálogo político-discursivo –, a maior das expressões democráticas do Brasil: os movimentos sociais.

A Organização dos Estados Americanos (OEA), inclusive, já lançou posição contrária às leis antiterror demasiadamente vagas, por servirem criminalização de movimentos sociais legítimos (veja mais aqui, em especial, a entrevista concedida por Edison Lanza – relator especial para a Liberdade de Expressão da Comissão Interamericana de Direitos Humanos, entidade autônoma da OEA).

No Brasil, os Projetos de Lei da Câmara (PLC) e do Senado (PLS) tramitam e merecem atenção do popular. Tanto é assim que mais de 80 entidades caracterizadas como Movimentos Sociais Organizados – inclua-se aí o Greenpeace (aqui), o MST, Ação Educativa e a Associação Juízes para a Democracia (aqui) –, manifestaram-se contrariamente à criminalização dos multicitados movimentos (vide mais aqui).

O PLC n. 101/2015 – de autoria da Presidência da República e que tramita agora na Câmara sob o número n. 2016/2015 –, por exemplo, foi criticado em outra ocasião por Vinicius de Assim Romão (leia aqui), porquanto tal projeto teria a pretensão de “enfraquecer a mobilização popular nas ruas, o PLC 101/2015 reproduz os elementos de Estado de Polícia”. O mesmo PL recebeu parecer contrário da Assessora Jurídica Tânia M. S. Oliveira (leia aqui), a qual ressaltou pragmaticamente que o risco de criminalização dos movimentos sociais, “a considerar a prática do sistema de justiça no Brasil, pode, efetivamente, agravar os ataques a movimentos sociais organizados e reivindicatórios.”

É preciso estar atento para não ocorrer um retrocesso no cenário democrático… O PL n. 2016/2015 encontra-se em estágio avançado de análise, merecendo toda atenção popular e política. A referida matéria somente não foi apreciada em plenário no dia 15/12/2015 por força do encerramento da sessão.

O PLS n. 499/2013 (“Define crimes de terrorismo, estabelecendo a competência da Justiça Federal para o seu processamento e julgamento”) – de autoria da “Comissão Mista destinada a consolidar a Legislação Federal e a regulamentar dispositivos da Constituição Federal” –, é marcado também por definições vagas, permissivas, em tese, da criminalização dos Movimentos Populares. Foi inclusive rechaçado em parecer pelo Instituto dos Advogados Brasileiros (IAB), em documento que vale ser lido e divulgado.

O PLS n. 44/2014 – de autoria originária de Romero Jucá (PMDB) –, possuía disposição expressa no sentido de que “não constitui crime de terrorismo a conduta individual ou coletiva de pessoas, movimentos sociais ou sindicatos, movidos por propósitos sociais ou reivindicatórios, visando contestar, criticar, protestar, apoiar com o objetivo de defender ou buscar direitos, garantias e liberdades constitucionais”.

Porém, durante a tramitação do PLS n. 44/2014 ganhou infeliz destaque o parecer de lavra do senador Pedro Taques[1], datado de 13/5/2014, no qual se afirmava ser um “excesso” afastar o Projeto de Lei dos movimentos sociais reivindicatórios de direitos, sob o argumento de que representariam eventual “imunidade penal” para “terroristas autênticos”.

Ora, é preciso fazer parte da “elite voadora” (BAUMAN, 2003, p. 106) e desconhecer as leis penais existentes (e a correlacionada “seletividade penal”) para proferir uma leviana afirmação nesse sentido. E então, sob o apelo de “balancear” a exclusão do alcance da lei quanto aos movimentos sociais (MS), pretendeu-se inserir a seguinte observação quantos aos MS: “desde que os objetivos e meios sejam compatíveis e adequados à sua finalidade”.

“Meios compatíveis e adequados à sua finalidade”? Bem, a abertura fático-semântica da observação acima exposta, coloca os cidadãos que vão às ruas na linha de frente da seletiva malha punitivista e, assim, expondo ao risco (e alvedrios) a expressão democrática representada pelos movimentos populares de reivindicação de direitos.

Ao remate, cita-se o caso julgado pela Corte Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), a qual declarou, em 29/5/2014, a violação das normas de direitos humanos por conta do tratamento penal conferido a dirigentes, membros e ativistas do povo indígena Mapuche por parte Chile (Saiba mais aqui) – um triste caso de criminalização de movimentos sociais na América Latina.

Enfim, macular a liberdade de expressão, de manifestação política e de reinvindicação social por direitos é patentemente não constitucional para o verdadeiro titular do poder constitucional (art. 1º, parágrafo único) – o povo –, além de ser não convencional frente aos tratados assinados pelo Estado Brasileiro. Os cidadãos – assim também o protetor do regime democrático (art. 127[2]) e a expressão do regime democrático (art. 134[3]) –, devem estar atentos para eventuais inovações legislativas contrárias ao regime democrático. Do contrário, a coragem democrática poderá ser substituída pelo medo dos cautelosos.

Às ruas, povo brasileiro.

Notas e Referências:

[1] “Também propomos emenda para corrigir o excesso proposto no dispositivo do PLS que trata da exclusão do crime para as pessoas que participam de movimentos reivindicatórios. Da forma como redigido, trata-se de verdadeira imunidade penal, que pode vir a deixar impunes atos terroristas autênticos. Portanto, é preciso balancear o seu conteúdo e deixar clara a seguinte condição: ‘desde que os objetivos e meios sejam compatíveis e adequados à sua finalidade’.”

[2] CRFB/88, Art. 127. O Ministério Público é instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis.

[3] CRFB/88, Art. 134. A Defensoria Pública é instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe, como expressão e instrumento do regime democrático, fundamentalmente, a orientação jurídica, a promoção dos direitos humanos e a defesa, em todos os graus, judicial e extrajudicial, dos direitos individuais e coletivos, de forma integral e gratuita, aos necessitados, na forma do inciso LXXIV do art. 5º desta Constituição Federal.

BAUMAN, Zygmunt. Comunidade: a busca por segurança no mundo atual. Rio de Janeiro: Zahar, 2003.

CAVALCANTI E SILVA FILHO, Erivaldo. Teoria das Elites: A cabeça da medusa. 2ª ed. Recife: Ed. do Autor, 2004.

GOMES, Luiz Flávio. Por Que Estamos Indignados? São Paulo: Saraiva, 2013. (Col. Saberes Críticos).

PAIVA, Caio. HEEMAN, Thimotie Aragon. Jurisprudência Internacional de Direitos Humanos. Manaus: Dizer o Direito, 2015.

ZAFFARONI, E. Raul. O inimigo no Direito Penal. Tradução de Sérgio Lamarão. 3ª ed. 2ª reimp. Rio de Janeiro: Revan, 2014.

Maurilio Casas Maia é Mestre em Ciências Jurídicas pela Universidade Federal da Paraíba (UFPB). Pós-Graduado lato sensu em Direito Público: Constitucional e Administrativo; Direitos Civil e Processual Civil. Professor de carreira da Universidade Federal do Amazonas (UFAM) e Defensor Público (DPE-AM).

Email: [email protected] Facebook: aqui

Imagem Ilustrativa do Post: fist. // Foto de: dfactory // Sem alterações Disponível em: https://www.flickr.com/photos/dannyfactory/12867484253 Licença de uso: http://creativecommons.org/licenses/by/4.0/legalcode

O texto é de responsabilidade exclusiva do autor, não representando, necessariamente, a opinião ou posicionamento do Empório do Direito.

Referências

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