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Súmulas e CLT maculam decisões sobre jornada de bancários

O artigo aborda as discrepâncias entre a interpretação da legislação trabalhista e a realidade enfrentada por bancários, enfatizando a influência negativa das súmulas e da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) nas decisões judiciais. O autor, Paulo Ferrareze Filho, critica o uso de doutrinas e pré-compreensões que desprezam os princípios constitucionais e a efetividade das proteções ao trabalhador, destacando a necessidade de uma compreensão mais aprofundada e contextualizada dos direitos laborais na era da automação e das mudanças no setor bancário. O texto conclama uma reflexão crítica sobre a prática judiciária e suas implicações para a justiça social no âmbito do trabalho.

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O que faz mais mal para a humanidade: as guerras, as igrejas ou os bancos?[1]

Se existem deuses no céu, ou mesmo na Terra — afinal, agora deuses andam de carro pelas cidades, ainda que às vezes sem placa… — hão de cristalizar minhas palavras para que elas sejam uma possibilidade conjunta de construção da nossa incipiente democracia.

Infelizmente, me expresso como acadêmico e depois como advogado — pois a infelicidade disso é que ambas, academia e jurisdição, andam a perder-se de vista uma da outra, na construção do destino unificado de juízes, advogados, procuradores, pesquisadores e de toda a sociedade civil que é o Direito. A judicialização-de-quase-tudo pede, não há dúvida, a especialização que, mesmo reduzida pela força do foco, não pode deixar de refletir questões pressupostas como a hermenêutica, as teorias constitucionais e os objetivos históricos das proteções e garantias adquiridos após nossa recente ditadura militar. A academia, de um lado, sublimada em nuvens inalcançáveis às maiorias próprias de uma democracia. A jurisdição, de outro, robotizada pela falta de tempo, transformada em casa de súplicas de uma maioria infantilizada que ainda pede que o Judiciário, como Pai simbólico, determine qual dos irmãozinhos está com a razão.

Na academia aprendi a ver veredas que a atuação como advogado não me teriam permitido. Além do tempo e de tudo que não posso ver, por certo, estão inúmeras cegueiras minhas. Logo, pretendo apenas parcialidades. Discordar sem cólera e divergir sem rancor foram coisas importantes que aprendi na academia com José Carlos Moreira da Silva Filho, Daisy Ventura, Antonio Nedel, Lenio Streck, Leonel Severo Rocha, Germano Schwartz, Renata Costa, Vicente Barreto, Antonio Carlos Wolkmer, Alexandre Morais da Rosa e também Warat, pai desta geração de professores e avô da minha. Com essas ricas pessoas, aprendi que discordar é ganhar a possibilidade de ver com os olhos do outro, exercitando genuinamente a alteridade. Cada processo judicial esconde o presente da alteridade consubstanciada no anverso da outra parte, no outro platô de observação.

Contraposições que devem buscar respostas nas disposições democráticas que nossa sociedade elegeu como fundamentais na Constituição. A democracia é um regime que vive da paz das discordâncias, ainda que, eventualmente, a inflação dos Egos, tanto os acadêmicos quanto os da jurisdição, mantenha certa aparência de tolerância quando o ardume de feridas narcísicas corrói por dentro. Há dias vimos aflorar o animal de rapina dos eleitores, algo que sugere a latência de uma parte não revelada da humanidade, proveniente da tensão entre o regime de tolerância aos propósitos comuns da sociedade constitucional e o animal peçonhento que há em nós, defensor ferino e fatal de suas paixões.

O profícuo diálogo da academia e toda a lenta maturação que precede a síntese reflexiva é, porém, exercício distante na prestação jurisdicional. Se na academia se observa o direito com o vagar de um encontro tântrico, na jurisdição há uma ejaculação precoce. Como advogado militante na Justiça do Trabalho de Santa Catarina, percebo o apego dos julgadores a uma dogmática estática, no mais das vezes complementada por Súmulas inconstitucionais, Orientações Jurisprudenciais aplicadas como se lei fossem, precedentes desconectados e contrários que sustentam a aplicação de súmulas do TST, uso de princípios criados pela doutrina em detrimento de princípios constitucionais e encerro, para não alongar aborrecidamente a lista.

Esse hábito dogmático provém de um conjunto de crenças e práticas confortáveis, que compõe o colchão macio das pré-compreensões da maioria dos julgadores. O mal do hábito é que nos impede de perceber que estamos submetidos a ele. Já o mal das pré-compreensões é que operam em nossos sistemas de atribuição de sentido sob o signo da Verdade. Daí porque comprometem juízos e sustentam julgamentos ilegítimos, leia-se, inconstitucionais. Compreender e interpretar a partir da autoridade de pré-compreensões equivocadas, ou inautênticas como dirá Gadamer, é intolerável no Judiciário Trabalhista.

Buscando o direito às horas extras de um bancário em epopeias probatórias pelo reconhecimento da benéfica jornada de trabalho de 6 horas, por exemplo, de qual pré-compreensão falamos, quando falamos de pré-compreensão? Por certo, não haveremos de falar aquelas fixadas pelo cimentos jurisprudenciais generalizados pelo hábito. Também não haveremos de falar das súmulas, feitas com o mesmo descuido das salsichas. Muito menos dos parâmetros celetistas que pularam a cerca e invadiram os territórios da democracia brasileira pós 88.

A premissa constitucional é o compromisso coletivo que deve interditar desejos pessoais de manutenção do que está, desde sempre, pré-julgado, feito, definido, pronto-para-o-consumo, transitado eternamente em julgado não em cada processo, mas nos sistemas de sentido dos julgadores em relação a um complexo esquema de conceitos bancários envolvidos na definição judicial da jornada desses trabalhadores.

Infelizmente, há que se dizer o óbvio: é da Constituição que se deve partir. Em 7 anos de advocacia, nunca vi a fundamentação de uma decisão trabalhista que, ao tratar de horas extras à bancários, começasse dizendo: “De acordo com o art. 7° XIII, da Constituição Federal, a duração normal da jornada de trabalho é de 8 horas diárias…” O fato de que o ponto de partida é, quase sempre, a CLT ou Súmulas do TST, macula o processo interpretativo em relação ao estabelecimento da jornada dos bancários em um número imenso de processos trabalhista Brasil afora.

Daí porque é preciso disposição do Judiciário Trabalhista para abandonar os lugares confortáveis das pré-compreensões acerca da matéria, notadamente quando já se discute em vários países, inclusive no âmbito da OIT, a redução da jornada de trabalho para 6 horas diárias.

Em outras palavras e para ser fiel ao exemplo deste manifesto, é preciso questionar: quais são as atribuições fáticas capazes de colocar um bancário na exceção celetista de trabalhar 8 horas diárias e não 6 como prevê a regra geral do artigo 224 da CLT? Como é aplicado, na realidade bancária, o princípio de proteção do trabalhador hipossuficiente diante de Planos de Cargos e Salários confusos até para o mais douto jurista? Ou mesmo de normativos internos, como são os da Caixa Econômica Federal e do Banco do Brasil, que têm interpretação divergente mesmo entre os julgadores de diferentes turmas ou tribunais. Se divergem doutos magistrados, como é possível esperar a compreensão por parte do leigo bancário, que sabidamente adere a planos e normativos sem ter ciência das consequências, tendo, quase sempre, comprados seus direitos à força pela necessidade de permanência do salário? Ou ainda, quais os efeitos da proteção contra a automação para os bancários? Qual a consequência da informatização e da internetização do sistema bancário para o trabalhador? Ou, na prática, esses e outros princípios constitucionais são perfumaria dos manuais que fizemos nossos acadêmicos ler durante a faculdade?

Há mais. A presunção de inocência do réu, própria do processo penal, pode valer para o processo trabalhista a fim de favorecer Bancos que entulham o Judiciário de ações? Qual o custo deste entulho para o Estado que se mantém com o trabalho do povo? Se a presunção penal de inocência vai a favor do fraco ante o Estado, como a proteção do fraco se opera no processo do trabalho? Como cegar diante da obscenidade que é o descumprimento contumaz da lei e da Constituição pelos bancos, que se valem da prescrição de cinco anos para lucrar 25 anos do trabalhador que permaneça 30 à serviço da instituição? Qual o efeito macro de cada processo micro? Quantos cargos de confiança bancário são desconstituídos pelos Tribunais do país? Quantas são as decisões que mencionam a estratégia de marketing de um banco ao nomear funcionários como gerente com intuito de iludir clientes e burlar a Constituição e a lei? Quanto o Judiciário Trabalhista, notadamente o TST, tem chancelado a sedutora simplicidade de aplicar uma Súmula (287) editada antes de outubro de 1988 que faz com que gerentes-gerais trabalhem 12 ou até 14 horas por dia sem receber um centavo a título de hora extra?

Não é só. Pergunta-se: qual a historicidade do conceito de gerência bancária, considerando que a alteração que incluiu o parágrafo 2° no artigo 224 da CLT se deu a partir do Ato Institucional 5, uma das medidas mais arbitrárias da nossa recente e cruel ditadura militar? Que é o princípio da norma mais benéfica? Quando um bancário participa de um comitê de crédito com limites predeterminados por um sistema informático de risco de crédito, quais poderes efetivos estão incorporados à esta participação? Quando um bancário, com um click do mouse, envia os horários lançados por colegas a um sistema de RH, que poder efetivamente tem? E qual a intenção dos bancos, deuses terrenos controladores do capital do mundo, com os nomes que batizam seus funcionários, as informações que cimentam na consciência dos seus trabalhadores e os produtos que vendem freneticamente para qualquer coisa que respire, caminhe e tenha CPF? O que é o princípio da imediatidade usado de forma contumaz nas nos acórdãos trabalhistas? Qual a justificação para que sejam preteridos os princípios constitucionais em nome deste princípio doutrinário? Podem valer mais, numa democracia, os princípios doutrinários do que os constitucionais? É preciso dizer, confrontando princípios, porque se escolhe um e não outro(s). Fundamentar as escolhas feitas, pois! O colapso da quantidade de processos pode fazer enfartar o dever de justificação das decisões? Como o princípio da imediatidade convive com o princípio da proteção contra automação, por exemplo? Qual o papel da 2ª instância ante o uso acriterioso do princípio da imediatidade a favor da posição da 1ª instância? Qual o papel da 2ª instância ante a aceitação indiscriminada das súmulas da 3ª instância? Qual a consequência da interpretação da súmula 287 do TST para todos os bancários? Será que, ao deturpar o tratamento normativo dado aos gerentes-gerais, não se está a promover, em efeito dominó, a burla de direitos de todos os demais bancários? São perguntas que passam praticamente ilesas nas decisões trabalhistas que tratam a matéria.

Assim como preciso conhecer guerras e igrejas antes de responder a pergunta fatídica de Abujamra, ainda uma última pergunta: os juízes trabalhistas conhecem os bancos ou fazem todas operações pela internet?

[1] Pergunta repetida incansavelmente a todos os entrevistados no Programa Provocações na TV Cultura, capitaneado por Antônio Abujamra.

Referências

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