Artigos Conjur – Segurança pública: compromisso primeiro com a preservação indistinta da vida

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Segurança pública: compromisso primeiro com a preservação indistinta da vida

O artigo aborda a grave situação da segurança pública no Brasil, evidenciando a alarmante taxa de homicídios, especialmente entre a população negra, que tem suas vidas sistematicamente desconsideradas pelo Estado. A análise critica a abordagem militarizada de segurança, condenando a necropolítica e o racismo estrutural que permeiam as intervenções policiais, defendendo que a preservação da vida deve ser a prioridade nas políticas públicas de segurança. O conteúdo ressalta a necessidade urgente de repensar estratégias que garantam a inviolabilidade do direito à vida para todos, sem distinções.

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“Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida.” Assim prevê a Constituição de 1988, logo no Título II, mais especificamente em suas primeiras disposições a respeito dos “Direitos e Garantias Fundamentais”.

Os dados da realidade nacional são, de fato, alarmantes nessa seara. O Brasil tem 2,7% dos habitantes do planeta e respondeu por cerca de 20,5% dos homicídios conhecidos no mundo em 2020 [2]. Frise-se que, “em termos relativos, quando calculamos as taxas de mortes violentas intencionais por grupo de 100 mil habitantes, o Brasil é o oitavo país com dados de 2020 informados ao UNODC mais violento do mundo, com uma taxa de 22,45 homicídios para cada 100 mil habitantes (segundo dados da saúde)” [3].

O Fórum Brasileiro de Segurança Pública destaca, ainda, quanto às mortes violentas intencionais, ocorridas em 2021, no país, que “negros permanecem como as principais vítimas (77,6% das vítimas de homicídio doloso, por exemplo, mas chegam a 84,1% das vítimas de mortes decorrentes de intervenções policiais)” [4]. Também entre as mortes violentas intencionais de policiais civis e militares, no ano de 2021, há sobrerrepresentação de negros (67,7%) [5].

O que apenas demonstra, mais uma vez, a histórica incapacidade estatal quanto à preservação do elemento fundamental de toda e qualquer sociedade humana que é a garantia da vida digna de cada sujeito em comunidade [6]. Esse, por óbvio, deveria ser o objetivo primário de uma política ética e racional no campo da segurança pública.

Ao invés disso, tem-se a perpetuação da lógica militarizada de “guerra contra o crime” sob a forma de “necropolítica” [7] aplicada. Um combate absolutamente seletivo, que encontra na cor da pele um forte critério de determinação dos seus alvos preferenciais [8].

Muito embora o racismo não se esgote ou se manifeste apenas no campo da (in)justiça criminal, podendo ser compreendido como “uma decorrência da própria estrutura social” [9], figura, na visão de Ana Flauzina, como dispositivo histórico orientador da intervenção policial no Brasil. Nos dizeres de Flauzina, “o racismo deu o tom e os limites à violência empreendida pelo sistema penal” [10].

A Rede de Observatórios da Segurança, ao analisar os dados fornecidos por sete estados da federação (BA, CE, MA, PE, PI, RJ e SP), demonstra que “negros são os que mais morrem em ações policiais, independentemente do tamanho da população negra do lugar” [11]. Conforme seu último boletim, divulgado neste mês, tendo por base o número de mortes decorrentes de intervenção do Estado em 2021, “negros são 97,9% dos mortos na Bahia, 96,3% em Pernambuco, 92,3% no Ceará, 87,3% no Rio de Janeiro, 75% no Piauí e 68,8% em São Paulo, quando excluímos os casos em que não temos informações sobre a cor da vítima” [12].

As estatísticas comprovam a tese de Freitas no sentido de que “o racismo se constitui não apenas como uma causa de exclusão ou de empobrecimento das pessoas negras; pelo contrário, o racismo caracteriza-se sobretudo como um fenômeno que promove a desumanização das pessoas negras” [13]. Daí a importância, segundo Thales Vieira, de “uma agenda sistemática de pesquisas e escrutínio sobre a branquitude brasileira”, bem como de “um chamamento à responsabilização de pessoas brancas”, a fim de que “a sociedade possa constituir novos pactos de convivência” [14].

Nessa linha, em que pese toda complexidade (e amplitude) que envolve a “luta antirracismo”, desde o pressuposto de enfrentamento às estruturas de sustentação do legado “colonial-escravista” [15], há, ou melhor, deveria haver uma responsabilidade fundamental (e premente) no campo das políticas públicas, inclusive de segurança, quanto à preservação indistinta da vida.

Por conseguinte, “tudo o que fizermos em segurança pública deve começar com o olhar sobre a situação dos negros e pardos no Brasil” [16]. Afinal de contas, para além de qualquer nomeação constitucional, aqui reside mesmo o ponto fulcral ou o compromisso primeiro da segurança pública: a “inviolabilidade do direito à vida” (ou a “incolumidade das pessoas”) sem hierarquizações “de qualquer natureza”. É a partir daqui, com todas as limitações e desafios próprios dos planos de segurança, em um país como o nosso, que devem ser pensadas estratégias concretas para a redução das mortes violentas intencionais, especialmente aquelas historicamente marcadas pelo componente racial.

[1] SILVA, Virgílio Afonso da. Direito Constitucional Brasileiro. 01 ed. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2021, p. 153-154.

[2] FÓRUM BRASILEIRO DE SEGURANÇA PÚBLICA. Anuário Brasileiro de Segurança. Pública 2022. São Paulo: FBSP, 2022, p. 30. Disponível em: https://forumseguranca.org.br/wp-content/uploads/2020/10/anuario-14-2020-v1-interativo.pdf. Acesso em: 18 nov. 2022.

[3] Idem.

[4] FÓRUM BRASILEIRO DE SEGURANÇA PÚBLICA. Anuário Brasileiro de Segurança. Pública 2022. São Paulo: FBSP, 2022, p. 32. Disponível em: https://forumseguranca.org.br/wp-content/uploads/2020/10/anuario-14-2020-v1-interativo.pdf. Acesso em: 18 nov. 2022.

[5] FÓRUM BRASILEIRO DE SEGURANÇA PÚBLICA. Anuário Brasileiro de Segurança. Pública 2022. São Paulo: FBSP, 2022, p. 65. Disponível em: https://forumseguranca.org.br/wp-content/uploads/2020/10/anuario-14-2020-v1-interativo.pdf. Acesso em: 18 nov. 2022.

[6] DUSSEL, Enrique. Ética da Libertação na Idade da Globalização e da Exclusão. 4ª ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2012, p. 93.

[7] MBEMBE, Achille. Necropolítica: biopoder, soberania, estado de exceção e política da morte. São Paulo: n-1 edições, 2018.

[8] SINHORETTO, Jacqueline. Violência, Controle do Crime e Racismo no Brasil Contemporâneo. Novos Olhares Sociais, v. 1, nº 2, p. 4-20, 2018.

[9] ALMEIDA, Silvio Luiz de. O que é racismo estrutural? Belo Horizonte: Letramento, 2018, p. 38.

[10] FLAUZINA, Ana Luiza Pinheiro. Corpo Negro Caído no Chão: o sistema penal e o projeto genocida do Estado Brasileiro. Dissertação (Mestrado em Direito) – Programa de Pós-Graduação em Direito, Universidade de Brasília, Brasília, 2006, p. 82.

[11] RAMOS, Silvia et al. Pele-alvo: a cor da violência policial. Rio de Janeiro: CESeC, 2021, p. 9.

[12] RAMOS, Silvia et al. Pele Alvo: a cor que a polícia apaga. Rio de Janeiro: CESeC, 2022, p. 7.

[13] FREITAS, Felipe da Silva. Racismo e Polícia: uma discussão sobre mandato policial. Tese (Doutorado em Direito) – Programa de Pós-Graduação em Direito, Universidade de Brasília, Brasília, 2020, p. 173.

[14] VIEIRA, Thales. Uma Resposta Para Marcos Vinícius: branquitude, violência e as hierarquias de humanidade. In: RAMOS, Silvia et al. Máquina de Moer Gente Preta: a responsabilidade da branquitude. Rio de Janeiro: CESeC, 2022, p. 15.

[15] PIRES, Thula Rafaela de Oliveira. Radicalizando o Debate sobre Direitos Humanos. SUR Revista Internacional de Direito Humanos, v. 15, nº 28, p. 65-75, dez. 2018, p. 74.

[16] VARGAS, Daniel. Segurança Pública: um projeto para o Brasil. São Paulo: Editora Contracorrente / FGV Direito Rio, 2020, p. 109.

Referências

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