Artigos Conjur – Repercussões processuais negativas advindas da Lei nº 13.491/2017

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Repercussões processuais negativas advindas da Lei nº 13.491/2017

O artigo aborda as implicações processuais e as consequências advindas da Lei nº 13.491/2017, que ampliou a competência da Justiça Militar para julgar crimes previstos na legislação penal, afetando a atuação do Tribunal do Júri em casos de crimes dolosos cometidos por militares. Os autores discutem a natureza híbrida da nova norma, suas repercussões no jus libertatis dos réus e a necessidade de desmembramento de casos para a Justiça Militar, gerando importantes discussões sobre a eficácia e aplicação de direitos processuais no contexto militar.

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Nos termos previstos na Constituição (artigo 5º, XXXVIII, “d”), compete ao Tribunal do Júri o julgamento dos crimes dolosos contra a vida, quais sejam: o homicídio (CP, artigo 121); o induzimento, instigação ou auxílio a suicídio (CP, artigo 122); o infanticídio (CP, artigo 123); e o aborto e suas modalidades (CP, artigos 124, 125 e 126). Contudo, a competência ratione materiae traça um “raio mínimo de atribuições” [1], sendo passível de ampliação infraconstitucional para o julgamento de outros crimes como, de fato, por outras vias já ocorre nas hipóteses de conexão e continência. É o que prevê e revela o artigo 78, I, do CPP: “Na determinação da competência por conexão ou continência, serão observadas as seguintes regras: I — no concurso entre a competência do júri e a de outro órgão da jurisdição comum, prevalecerá a competência do júri”. Na exata lição de Frederico Marques:

A atração e o julgamento de crimes conexos e continentes perante o júri ganhou um novo, negativo e importante capítulo a partir da vigência da Lei nº 13.491/2017 que, entre outros temas contrários ao espírito da Lei 9.299/96 [3], ampliou a competência da Justiça Militar [4] para o julgamento de crimes previstos na legislação penal:

“CPM, Artigo 9 — Consideram-se crimes militares, em tempo de paz: (…) II — os crimes previstos neste Código e os previstos na legislação penal, quando praticados: (…)”.

A novel regra possui nítida natureza híbrida, pois disciplina um novo, inconvencional [6] e ampliativo conceito de crime militar (natureza material) e, ao mesmo tempo, possui caráter processual, tratando, por via reflexa, da competência — em razão da matéria — da Justiça Militar. Analisando os aspectos práticos da vigência da nova legislação, o STJ acabou por regrar a sua aplicabilidade imediata, porém, determinando sejam observados perante o juízo militar, os institutos benéficos ao acusado que seriam aplicados no processamento perante a Justiça comum. Confira-se:

“É importante registrar que, como a lei pode ter caráter híbrido em temas relativos ao aspecto penal, a aplicação para fatos praticados antes de sua vigência somente será cabível em benefício do réu, conforme o disposto no artigo 2.º, § 1.º, do Código Penal Militar e no artigo 5.º, inciso XL, da Constituição da República. Por sua vez, no que concerne às questões de índole puramente processual — hipótese dos autos —, o novo regramento terá aplicação imediata, em observância ao princípio do tempus regit actum” (STJ, 3ª. Seção, CC nº 160.902/RJ, relatora ministra Laurita Vaz, j. em 12/12/2018).

“3. A Lei nº 13.491/2017 não tratou apenas de ampliar a competência da Justiça Militar, também ampliou o conceito de crime militar, circunstância que, isoladamente, autoriza a conclusão no sentido da existência de um caráter de direito material na norma. Tal aspecto, embora evidente, não afasta a sua aplicabilidade imediata aos fatos perpetrados antes de seu advento, já que a simples modificação da classificação de um crime como comum para um delito de natureza militar não traduz, por si só, uma situação mais gravosa ao réu, de modo a atrair a incidência do princípio da irretroatividade da lei penal mais gravosa (artigos 5º, XL, da CF e 2º, I, do CP). 4. A modificação da competência dela decorrente, em alguns casos, enseja consequências que repercutem diretamente no jus libertatis, inclusive de forma mais gravosa ao réu, tais como: 1) a possibilidade de cúmulo material das penas, mesmo em crimes perpetrados em continuidade delitiva (artigo 80 do Código Penal Militar); 2) o afastamento das medidas despenalizadoras previstas na Lei nº 9.099/1995 (ante a vedação prevista no artigo 90-A da Lei nº 9.099/1995); e 3) a inaplicabilidade da substituição da pena privativa de liberdade por restritivas de direitos (nos moldes previstos no artigo 44 do CP). 5. A existência de um caráter híbrido na norma não afasta a sua aplicabilidade imediata, pois é possível conformar sua incidência com o princípio da irretroatividade da lei penal mais gravosa, mediante observância, pelo Juízo Militar, da legislação penal (seja ela militar ou comum) mais benéfica ao tempo do crime (…)” (STJ, 3ª. Seção, CC 161.898/MG, relator ministro Sebastião Reis Júnior, j. em 13/2/2019).

O entendimento acima ilustrado enseja consequências importantes no Tribunal do Júri, diante da sua competência para o julgamento dos crimes dolosos contra a vida cometidos por militares contra civil (CR, artigo 125, §4º; CPM, artigo 9º, §1º). Assim, uma vez ainda não proferida sentença de mérito e, diante da impossibilidade da perpetuatio jurisdictionis diante da alteração da competência em razão da matéria (CPC, artigo 43), caberá ao magistrado presidente do Tribunal do Júri revisar todos os casos envolvendo militares e, identificando crimes conexos, determinar o desmembramento do feito com o seu encaminhamento à Justiça Militar estadual [7]. Não é outro, aliás, o entendimento da doutrina:

“Logo, como se trata de lei processual que altera regras de competência, a Lei nº 13.491/17 deve ter aplicação imediata aos processos em andamento, salvo se já houver sentença relativa ao mérito, hipótese em que o processo deve seguir na jurisdição em que ela foi prolatada, ressalvada a hipótese de supressão do Tribunal que deveria julgar o recurso. Enfim, como se trata de norma processual que altera a competência em razão da matéria, não se pode admitir a perpetuação da competência. Afinal, como preceitua o artigo 43 do novo CPC, subsidiariamente aplicável ao processo penal comum e militar, ‘determina-se a competência no momento do registro ou da distribuição posteriormente, salvo quando suprimirem órgão judiciário ou alterarem a competência absoluta’. Por consequência, se o crime praticado por militar em serviço previsto na legislação penal, outrora considerado crime comum, estava em tramitação perante a Justiça Comum (Estadual ou Federal), a entrada em vigor da Lei nº 13.491/17 deverá provocar a imediata remessa do feito à Justiça Militar da União (ou dos Estados)” [8].

Mesmos os casos já pronunciados — porém, ainda não julgados pelo júri — deverão ser objeto de análise à luz da nova competência, eis que a pronúncia tem a natureza jurídica de decisão interlocutória mista não terminativa, encerrando apenas a fase de admissibilidade. Isso implicará num replanejamento da acusação e da defesa em plenário e readequação do rol de testemunhas, o qual será afetado com o desmembramento do crime conexo e o seu encaminhamento à Justiça Militar.

Sob a mesma lógica, ou seja, diante da improrrogabilidade da competência absoluta, a remessa do caso penal à Justiça castrense também deverá ocorrer se o Conselho de Sentença desclassificar a conduta imputada ao acusado para crime diverso da competência da justiça comum. Ou seja, se um militar estadual foi pronunciado pela prática de um crime de tentativa de homicídio e sua conduta foi desclassificada para, em tese, lesão corporal, o juiz presidente estará impedido de proferir sentença (CPP, artigo 492, §§1º e 2º), pois, diante da competência absoluta da Justiça Militar, o feito terá que lá tramitar após a preclusão da decisão desclassificatória. Eventual sentença proferida pelo juiz presidente configurará típico caso de nulidade absoluta por vício de usurpação de competência (CPP, artigo 564, I).

Contudo, o desmembramento dos casos, com o encaminhamento dos crimes conexos à Justiça Militar provocará um grande número de discussões e repercussões diante da vicinalidade entre os crimes dolosos contra a vida e os crimes conexos que, com grande frequência, transitavam pelo júri (como, por exemplo, tortura, ocultação de cadáver, fraude processual). Diante disso, para além das questões já enfrentadas pela CIDH que recomendam a exclusividade da competência militar para crimes não relacionados às vítimas civis, visualizamos uma série de questões práticas e processuais que estão em ritmo de ebulição, vejamos: 1) O acusado militar poderá ser absolvido com a adoção da tese única da legítima defesa quando a justiça castrense o condenou pela fraude processual, sob a alegação de que teria “plantado” uma arma na cena do crime e a imputado à vítima?; 2) O acusado militar poderá ser condenado pela prática do homicídio quando foi absolvido na Justiça Militar quanto ao crime conexo de ocultação de cadáver praticado no mesmo contexto fático?; 3) O acolhimento da tese de negativa de autoria perante o Tribunal do Júri poderá repercutir na seara castrense quanto a eventual crime de tortura conexo ao homicídio?; e 4) A sentença condenatória ou absolutória quanto ao crime conexo julgado perante a Justiça Militar, poderá ser lida em plenário? Essas são algumas das muitas questões que surgirão com o tempo e que deverão ser enfrentadas pelos operadores do Direito.

[1] MARQUES, José Frederico. A Instituição do Júri. vol. I. São Paulo: Saraiva, 1963, p. 132.

[2] MARQUES, José Frederico. A Instituição do Júri. vol. I. São Paulo: Saraiva, 1963, p. 164.

[3] O referido diploma legal, buscando afastar o corporativismo intrínseco na estrutura militar, alterou o parágrafo único do artigo 9º do CPM para excluir da competência militar os crimes dolosos contra a vida praticado por militar contra civil.

[4] Indo em dissonância com a decisão proferida pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos quando, no caso “Parque São Lucas” (caso 10.301), recomendou ao Brasil que “adote as medidas legislativas necessárias para transferir para a justiça penal comum o julgamento dos crimes comuns cometidos por policiais militares em exercício de suas funções de ordem pública”. Com efeito, a CIDH reitera que “embora a Lei Nº 9.299/96 constitua um progresso importante na matéria, resulta insuficiente, pois somente transfere aos tribunais da justiça ordinária o conhecimento de crimes dolosos contra a vida cometidos por policiais militares em exercício de suas funções, e mantém a competência da polícia militar para investigar todos os crimes cometidos por policiais militares.”(§ 92)

[5] STJ, 3ª. Seção, CC 169.135/PE, Rel. Minº Joel Ilan Paciornik, DJe 29/06/2020; STJ; 3ª. Seção, CC 157.328/MG, Rel. Minº Reynaldo Soares da Fonseca, DJe 06/06/2018; STJ, 3ª Seção, CC 162.399/MG, Rel. Minº Reynaldo Soares da Fonseca, DJe 15/03/2019. De acordo com a jurisprudência acima citada, a descoberta fortuita de crimes que não guardem relação com a atividade ou função militar continuarão sendo julgados pela Justiça Comum.

[6] SANTOS, Marcos Paulo Dutra. Competência no Tribunal do Júri. In Manual do Tribunal do Júri. A reserva democrática da justiça brasileira. Org. Denis Sampaio. Florianópolis: EMais, 2021, p. 57

[7] Nesse sentido: STJ, 5ª T, HC nº 116.858, Rel. Minº Reynaldo Soares da Fonseca, j. em 17/10/2019.

[8] LIMA, Renato Brasileiro de. Manual de Processo Penal, 8ª. ed., Salvador: Editora JusPodivm, 2020, p. 453.

Referências

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