Artigos Conjur – Prisão preventiva está para além de gostarmos ou não de Eduardo Cunha

Artigos Conjur
Artigos Conjur || Prisão preventiva está para…Início / Conteúdos / Artigos / Conjur
Artigo || Artigos dos experts no Conjur

Prisão preventiva está para além de gostarmos ou não de Eduardo Cunha

O artigo aborda a complexidade da prisão preventiva no contexto do processo penal, destacando que esta não deve ser determinada com base em preferências pessoais, mas conforme rigorosos critérios legais e probatórios. O autor critica a decisão que decretou a prisão de Eduardo Cunha, argumentando que carece de fundamentação adequada e ignora alternativas cautelares. Enfatiza a importância da atualidade do perigo e da imparcialidade do juiz, reafirmando que a aplicação das normas processuais deve ser equitativa, independentemente da figura do acusado.

Artigo no Conjur

Mas Processo Penal não é uma valoração de simpatia ou antipatia, moralista. Processo penal é um ritual de exercício de poder e, como todo poder, precisa ser condicionado e legitimado pela estrita, observância da principiologia cautelar e das regras da prisão preventiva. É sob essa ótica que a questão precisa ser enfrentada, como veremos agora.

Após uma leitura detida da decisão (de 27 páginas) a primeira conclusão que salta aos olhos é: já está afirmada a autoria e a materialidade. Existe uma longa e completa fundamentação sobre todo o caso penal, manutenção de depósito ilegal no exterior, corrupção, etc. Uma fundamentação de qualidade e digna de uma boa sentença. O problema é que não se trata de uma sentença…mas de uma medida cautelar, baseada apenas em probabilidade, verossimilhança.

Ainda que a decisão invoque — cosmeticamente — que se trata de um juízo em sede de cognição sumária, a realidade é que existe ampla (e indevida) incursão no mérito. É evidente o prejuízo decorrente do pré-juízo. Eduardo Cunha já está condenado. A certa altura, a decisão chega até mesmo a afastar possíveis teses defensivas, quando afirma, por exemplo, que “em princípio, o álibi de que as contas e os valores eram titularizados por trusts ou off-shore é bastante questionável, já que aparentam ser apenas empresas de papel, sem existência física ou real”. Isso é apenas mais um sintoma dos inúmeros pré-julgamentos feitos.

Tal problema evidencia, vez mais, a imprescindibilidade de adotarmos a figura do “juiz de garantias” (ou o nome que preferirem, para fugir do rótulo “garantias”, quem sabe ‘juiz da investigação’, como usam os italianos). É inadmissível que um juiz tenha intensa atuação na fase pré-processual (inclusive decretando prisão preventiva, busca e apreensão, interceptação telefônica etc.) e depois, no processo, vá julgar. Já cansamos de discutir[1] o problema da prevenção como causa de fixação da competência, quando os processos penais europeus há décadas já comprovaram o acerto e adotaram a regra de ‘juiz prevento é juiz contaminado, que não pode julgar’. Mais recente, os estudos acerca da “Teoria da Dissonância Cognitiva” aplicada ao processo penal por Schünemann[2], reforçam essa afirmação. Existe uma clara antecipação do juízo condenatório que extrapola o fumus commissi delicti. Só por isso, já é ilegal. Futuro julgamento, pelo mesmo juiz, é puro golpe de cena processual, pois o investigado já está condenado.

Mas para decretarmos uma preventiva, não basta o fumus comissi delicti (que no caso está exaustivamente e até excessivamente demonstrado) é preciso comprovar sua real necessidade, ou seja, o periculum libertatis. Qualquer que seja o fundamento da prisão, é imprescindível a existência de prova razoável do alegado periculum libertatis, não bastando presunções ou ilações para a decretação da prisão preventiva. O perigo gerado pelo estado de liberdade do imputado deve ser real, com um suporte fático e probatório suficiente para legitimar tão gravosa medida. Toda decisão determinando a prisão do sujeito passivo deve estar calcada em um fundado temor, jamais fruto de ilações ou criações fantasmagóricas de fuga (ou de qualquer dos outros perigos). Deve‑se apresentar um fato claro, determinado, que justifique o periculum libertatis.

Mas é necessário ainda que o perigo seja atual, presente. Eis mais um dos vícios do decreto. O que se vê na decisão é a invocação de perigos “passados”, supostamente existentes enquanto Cunha era parlamentar e a partir dessa situação. A rigor, falta a ‘atualidade do perigo’, elemento fundante da natureza cautelar. Prisão preventiva é ‘situacional’ (provisionais), ou seja, tutelam uma situação fática presente, um risco atual. No RHC 67.534/RJ, o ministro Sebastião Reis Junior afirma a necessidade de “atualidade e contemporaneidade dos fatos”. No HC 126.815/MG, o ministro Marco Aurélio utilizou a necessidade de “análise atual do risco que funda a medida gravosa”. Isso é o reconhecimento do Princípio da Atualidade do perigo.

É imprescindível um juízo sério, desapaixonado e, acima de tudo, calcado na prova existente nos autos. A decisão que decreta a prisão preventiva deve conter uma fundamentação de qualidade e adequada ao caráter cautelar. Deve o juiz demonstrar, com base na prova trazida aos autos, a probabilidade e atualidade do periculum libertatis.

Quanto ao risco para a ordem pública, inicialmente há que se reconhecer que se trata de um curinga hermenêutico, uma cláusula genérica, de conteúdo vago, impreciso e indeterminado, que sofre de uma ‘anemia semântica’ (Alexandre Morais da Rosa). Dada sua vagueza, vai encontrar preenchimento naquilo que quiser o juiz. No caso em tela, foi o ‘risco de reiteração’. Além de ser um exercício de futurologia, quase mediúnico, é impossível de ser refutado.

Como provar que amanhã não cometerei um crime? Ninguém, nem mesmo o juiz pode fazer essa afirmação. Muito menos prova disso. Por ser um argumento não passível de comprovação, não é possível a refutação, sendo assim substancialmente inconstitucional. Como se defender e fazer um contraditório efetivo em relação à risco futuro, vago, incerto e não refutável (porque não comprovável)?

Mas essa prisão preventiva também viola a excepcionalidade das prisões cautelares, a começar pelo fato de que ela não é a ultima ratio, senão a prima ratio. Não foram enfrentas as cautelares diversas, previstas nos artigos 319 e 320 do CPP. Neste sentido o artigo 282, parágrafo 6º é muito claro:

Art. 282. As medidas cautelares previstas neste Título deverão ser aplicadas observando-se a:

§ 6o A prisão preventiva será determinada quando não for cabível a sua substituição por outra medida cautelar (art. 319).

Medidas como proibição de contato e aproximação (em relação a testemunhas), proibição de afastar-se da comarca cumulada com dever de comparecimento periódico, recolhimento noturno e monitoramente eletrônico acabam com o suposto (exercício de futurologia perigosista) risco de fuga. Enfim, medidas alternativas eficazes existem de sobra, basta querer utilizar e abandonar a prática autoritária de prisão cautelar para tudo e sem fundamento concreto. Especula-se que tal prisão seria para forçar uma delação, com evidente constrangimento situacional, mas não é apontado na decisão (e talvez nunca o fosse

Dessarte, a prisão preventiva somente pode ser decretada quando inadequadas e insuficientes as medidas cautelares diversas, aplicadas de forma isolada ou cumulativa. Deveria o juiz ter afastado todas as possibilidades de eficácia das medidas cautelares diversas para, somente então, como último e derradeiro instrumento processual, lançar mão da prisão cautelar. No decreto de prisão encontra-se uma única referência a essa questão: “154. Pelos mesmos motivos, não se vislumbra como medida cautelar alternativa poderia substituir com eficácia a prisão preventiva.” É o que temos como fundamento, per relationem a si mesmo, numa circularidade vazia, retórica.

Ao que tudo indica, mais uma prisão do processo penal do espetáculo, aproveitando que já está chancelado que esse é um ‘processo de exceção’, não submetido as regras do devido processo penal…

O problema é as coisas não podem ser assim. As regras do devido processo penal não se aplicam só para quem gostamos ou a la carte, conforme a conveniência do freguês. Elas servem e devem ser respeitadas em relação a todos, gostemos ou não. Enfim, seja Eduardo Cunha ou qualquer outro investigado/acusado, deve responder pelo que efetivamente fez e, se ao final for condenado, deverá cumprir sua respectiva pena. Mas prisão cautelar sem necessidade real e concreta é ilegal, seja para o Cunha, o João da Silva, vocês ou eu. É disso que se trata.

[1] Especialmente nas nossas obra “Direito Processual Penal” e “Investigação Preliminar”, ambas publicadas pela Editora Saraiva. Também aqui na CONJUR: http://www.conjur.com.br/2014-nov-28/limite-penal-quem-julgar-futuro-processo-operacao-lava-jato [2] http://www.conjur.com.br/2014-jul-11/limite-penal-dissonancia-cognitiva-imparcialidade-juiz

Referências

Relacionados || Outros conteúdos desse assunto
    Mais artigos || Outros conteúdos desse tipo
      Aury Lopes Jr || Mais conteúdos do expert
        Acesso Completo! || Tenha acesso aos conteúdos e ferramentas exclusivas

        Comunidade Criminal Player

        Elabore sua melhor defesa com apoio dos maiores nomes do Direito Criminal!

        Junte-se aos mais de 1.000 membros da maior comunidade digital de advocacia criminal no Brasil. Experimente o ecossistema que já transforma a prática de advogados em todo o país, com mais de 5.000 conteúdos estratégicos e ferramentas avançadas de IA.

        Converse com IAs treinadas nos acervos de Aury Lopes Jr, Alexandre Morais da Rosa, Rodrigo Faucz, Gabriel Bulhões, Cristiano Maronna e outros gigantes da área. Explore jurisprudência do STJ com busca inteligente, análise de ANPP, depoimentos e muito mais. Tudo com base em fontes reais e verificadas.

        Ferramentas Criminal Player

        Ferramentas de IA para estratégias defensivas avançadas

        • IAs dos Experts: Consulte as estratégias de Aury Lopes Jr, Alexandre Morais da Rosa, Rodrigo Faucz, Gabriel Bulhões e outros grandes nomes por meio de IAs treinadas em seus acervos
        • IAs de Jurisprudência: Busque precedentes com IAs semânticas em uma base exclusiva com mais de 200 mil acórdãos do STJ, filtrados por ministro relator ou tema
        • Ferramentas para criminalistas: Use IA para aplicar IRAC em decisões, interpretar depoimentos com CBCA e avaliar ANPP com precisão e rapidez
        Ferramentas Criminal Player

        Por que essas ferramentas da Criminal Player são diferentes?

        • GPT-4 com curadoria jurídica: Utilizamos IA de última geração, ajustada para respostas precisas, estratégicas e alinhadas à prática penal
        • Fontes verificadas e linkadas: Sempre que um precedente é citado, mostramos o link direto para a decisão original no site do tribunal. Transparência total, sem risco de alucinações
        • Base de conhecimento fechada: A IA responde apenas com conteúdos selecionados da Criminal Player, garantindo fidelidade à metodologia dos nossos especialistas
        • Respostas com visão estratégica: As interações são treinadas para seguir o raciocínio dos experts e adaptar-se à realidade do caso
        • Fácil de usar, rápido de aplicar: Acesso prático, linguagem clara e sem necessidade de dominar técnicas complexas de IA
        Comunidade Criminal Player

        Mais de 5.000 conteúdos para transformar sua atuação!

        • Curso Teoria dos Jogos e Processo Penal Estratégico: Com Alexandre Morais da Rosa e essencial para quem busca estratégia aplicada no processo penal
        • Curso Defesa em Alta Performance: Conteúdo do projeto Defesa Solidária, agora exclusivo na Criminal Player
        • Aulas ao vivo e gravadas toda semana: Com os maiores nomes do Direito Criminal e Processo Penal
        • Acervo com 130+ Experts: Aulas, artigos, vídeos, indicações de livros e materiais para todas as fases da defesa
        • IA de Conteúdos: Acesso a todo o acervo e sugestão de conteúdos relevantes para a sua necessidade
        Comunidade Criminal Player

        A força da maior comunidade digital para criminalistas

        • Ambiente de apoio real: Conecte-se com colegas em fóruns e grupos no WhatsApp para discutir casos, compartilhar estratégias e trocar experiências em tempo real
        • Eventos presenciais exclusivos: Participe de imersões, congressos e experiências ao lado de Aury Lopes Jr, Alexandre Morais da Rosa e outros grandes nomes do Direito
        • Benefícios para membros: Assinantes têm acesso antecipado, descontos e vantagens exclusivas nos eventos da comunidade

        Assine e tenha acesso completo!

        • 75+ ferramentas de IA para estratégias jurídicas com base em experts e jurisprudência real
        • Busca inteligente em precedentes e legislações, com links diretos para as fontes oficiais
        • Curso de Alexandre Morais da Rosa sobre Teoria dos Jogos e Processo Penal Estratégico
        • Curso Defesa em Alta Performance com Jader Marques, Kakay, Min. Rogério Schietti, Faucz e outros
        • 5.000+ conteúdos exclusivos com aulas ao vivo, aulas gravadas, grupos de estudo e muito mais
        • Fóruns e grupos no WhatsApp para discutir casos e trocar experiências com outros criminalistas
        • Condições especiais em eventos presenciais, imersões e congressos com grandes nomes do Direito
        Assinatura Criminal Player MensalAssinatura Criminal Player SemestralAssinatura Criminal Player Anual

        Para mais detalhes sobre os planos, fale com nosso atendimento.

        Quero testar antes

        Faça seu cadastro como visitante e teste GRÁTIS por 7 dias

        • Ferramentas de IA com experts e jurisprudência do STJ
        • Aulas ao vivo com grandes nomes do Direito Criminal
        • Acesso aos conteúdos abertos da comunidade

        Já sou visitante

        Se você já é visitante e quer experimentar GRÁTIS por 7 dias as ferramentas, solicite seu acesso.