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Princípios gerais do processo penal no júri

O artigo aborda os princípios fundamentais do processo penal no tribunal do júri, destacando a importância da presunção de inocência e do contraditório como garantias essenciais para um julgamento justo. Os autores, Rodrigo Faucz e Denis Sampaio, enfatizam a necessidade de aplicar integralmente esses princípios durante todo o procedimento, assegurando a defesa efetiva e a participação ativa das partes, visando à legitimação do processo penal e à proteção dos direitos fundamentais no contexto jurídico brasileiro.

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Os valores expressos na Constituição representam a base de um ordenamento jurídico, conferindo parâmetros de validade de todas as demais normas do sistema de justiça. Os princípios reconhecidos devem ser observados tanto pelos legisladores, quanto pelos operadores de direito, exigindo, por um lado, o desenvolvimento de políticas de afirmação para promover a concretização das normas fundamentais e, por outro, que não se tenham ações contrárias aos direitos fundamentais.

Como sabido, o tribunal do júri está inserido no procedimento para o julgamento de crimes dolosos contra a vida e, como tal, faz parte da sistemática processual penal. A Constituição Federal de 1988 expressa no artigo 5º, inciso XXXVIII, princípios específicos para o júri, quais sejam: plenitude de defesa, sigilo das votações, soberania dos vereditos e competência mínima para o julgamento de crimes dolosos contra a vida.

Entretanto, importa lembrar que todos os demais princípios de processo penal também devem ser respeitados em sua integralidade no decorrer de um processo de crimes contra a vida. Aliás, não se trata apenas de respeitar os princípios, mas sim interpretar as normas infraconstitucionais à luz da ordem constitucional. Ainda mais quando se está diante de um ultrapassado código de processo penal de inspiração fascista que em nada observa as premissas de matriz acusatória.

No artigo de hoje, traremos, em linhas gerais, dois princípios que necessitam ser aplicados integralmente no procedimento do júri, eis que constituem valores fundamentais para a sociedade e pilares do Estado democrático de Direito.

O primeiro é o princípio da presunção de inocência, previsto na Constituição Federal, artigo 5º, inciso LVII e, considerado um “pressuposto de todas as outras garantias do processo penal” [1] e deve ser reconhecido como princípio de civilidade (tema que abordaremos em outra oportunidade e faz expressão no julgamento pelo júri). O texto constitucional é autoexplicável e determina que ninguém poderá ser considerado culpado senão após o trânsito em julgado de sentença penal condenatória [2].

Sem exclusão dos processos do procedimento comum, para os processos do júri, algumas consequências podem ser identificadas: a liberdade durante a persecução penal é a regra, independentemente do recebimento da denúncia, da decisão de pronúncia ou mesmo de decisão condenatória pelo júri [3]. Apenas se admite a prisão antes do trânsito em julgado se os elementos autorizadores da prisão cautelar estiverem presentes.

Também como corolário da presunção de inocência, o ônus da prova cabe exclusivamente à acusação, que deve comprovar a responsabilidade do acusado além da dúvida razoável. Por sua vez, o princípio do in dubio pro reo concretiza a regra do ônus da prova, eis que, se esta cabe à acusação, é ela quem deve comprovar a responsabilidade do acusado de maneira necessária e absoluta [4]. No júri, este princípio precisa ser adotado em todas as decisões judiciais, inclusive na decisão de pronúncia e pelo próprio Conselho de Sentença.

Um instrumento que poderia, em tese, aproximar o modelo atual [5] da fase do plenário com o princípio do in dubio pro reo seria o aumento do número de jurados no Conselho de Sentença, como, por exemplo, de sete para oito (por mais que o ideal seria uma composição por 12 jurados, com exigência de consenso ou de maioria qualificada para condenação). Aliás, a Suprema Corte Americana (case Ramos v Louisiana) concluiu que um único voto contra a condenação é suficiente para absolver o acusado no tribunal do júri americano. A decisão consolidou o entendimento de que é inerente à garantia de ser julgado pelo júri a necessidade de um resultado unânime, principalmente para evitação de erros judiciais.

O outro princípio é o do contraditório (CR, artigo 5º, LV) — garantia fundamental no Estado de Direito e essencial à estrutura dialética do processo —, que possibilita às partes participarem efetivamente do procedimento e garantindo que elas atuem para a coparticipação da formação da decisão penal.

Na realidade, o que se indica é a presença da regra do contraditório não apenas como simples isonomia entre as partes na discussão processual [6], mas também como na sua caracterização a partir da referência informação-reação, podendo postular por provas, oferecer alegações e impugnar eventuais decisões judiciais, verdadeiros atos de expressão. Pretende-se uma análise moderna sobre a regra do contraditório que garanta uma maior intervenção argumentativa das partes, a partir da prova contrária, seguindo um método falsificacionista e de participação ativa no debate processual. Por isso, diante da fragilidade democrática de mera informação e possibilidade de atuação, a regra do contraditório deve ser vista como método de conhecimento [7] , regra de formação da prova penal [8] e de coprodução da decisão[9].

Logo, no procedimento do júri o princípio do contraditório precisa ser observado em todos os momentos, chamando especial atenção na fase de postulação e produção probatória tanto na primeira fase, quanto na segunda fase (como na petição do artigo 422, na fase do artigo 479 e em plenário). Viabilizar que a defesa seja efetiva e não meramente protocolar, com a participação dialética das provas, principalmente de maneira que ocorra a produção probatória perante os jurados, bem como a argumentação sobre e para a prova concretiza o contraditório.

Enfim, sabe-se que o tribunal do júri se consolidou historicamente como instituto de participação democrática na administração da justiça. No entanto, somente se as garantias fundamentais forem interpretadas e aplicadas sem flexibilizações, é que julgamentos verdadeiramente justos e legítimos ocorrerão.

Os valores constitucionais não podem servir somente como mero instrumento de retórica, afastando o procedimento penal (e o júri) de sua relação alicerçadora com a democracia e o sistema acusatório.

[1] BADARÓ, Gustavo Henrique. Epistemologia judiciária e prova penal, São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2019, p. 44.

[2] “O efeito da Presunção de Inocência comparece no processo penal como: a) Norma de Tratamento: o ‘acusado’ não pode ser tratado como ‘condenado’ antes do trânsito em julgado da sentença condenatória. Em consequência, a limitação/restrição a direitos do acusado deve partir da presunção juris tantum de inocência. (…) b) Norma Probatória: a atribuição do ônus da prova é de quem acusa. (…) c) Norma de Julgamento: O juízo de preenchimento da Premissa Fática deve ‘pender’ em favor do acusado. No julgamento ‘subjetivista’ opera por meio do: ‘para além de toda dúvida razoável’ (Bard), enquanto no ‘objetivista’ aplica-se a ‘insuficiência probatória’ pela não superação do ‘Standard Probatório’. Em ambas as hipóteses, o julgamento exige grau elevado de ‘confirmação’ (subjetivo ou objetivo) da imputação;” ROSA, Alexandre Morais da. Guia do processo penal estratégico: de acordo com a teoria dos jogos e MCDA-A. Florianópolis: Emais, 2021. p. 255

[3] AGRAVO REGIMENTAL EM HABEAS CORPUS. CONSTITUCIONAL. PENAL E PROCESSO PENAL. EXECUÇÃO ANTECIPADA DA PENA. INCONSTITUCIONALIDADE. VIOLAÇÃO DA GARANTIA CONSTITUCIONAL DA PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA. DECLARAÇÃO DE CONSTITUCIONALIDADE DO ART. 283 DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL (ADCs 43/DF, 44/DF e 54/DF). (…) I — A execução antecipada da pena, antes do trânsito em julgado da sentença penal condenatória, viola a garantia constitucional da presunção de inocência (art. 5°, LVII, da CF/1988) II – O art. 283 do CPP foi declarado constitucional pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal no julgamento das ADCs 43, 44 e 54, de relatoria do Ministro Marco Aurélio. III — A decretação de prisão antes do trânsito em julgado somente se justifica na modalidade cautelar, quando preenchidos os requisitos do art. 312 do CPP. (…) (STF, HC 152.919 AgR, rel. Ricardo Lewandowski, j. em 6/12/2019)

[4] “Como se percebe, o ‘in dubio pro reo’ não incide apenas na decisão de mérito da causa, ou seja, quando se decida pela culpa ou pela inocência do imputado. Ele integra a norma de juízo em cada e em todas as decisões judiciais penais que impliquem restrições à esfera de direitos do cidadão decorrentes da persecução penal.” MORAES, Maurício Zanoide de. Presunção de inocência no processo penal brasileiro: análise de sua estrutura normativa para a elaboração legislativa e para a decisão judicial. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010. p. 406.

[5] Sobre este aspecto remetemos o leitor para o capítulo 3 desta obra, bem como sugerimos a leitura da Parte II (Modelos Decisórios — Roteiro Prático para Juízes) do livro “Plenário do Tribunal do Júri” (PEREIRA E SILVA, Rodrigo Faucz; AVELAR, Daniel Ribeiro Surdi de. Plenário do Tribunal do Júri. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2020. p. 225-242)

[6] Devemos refletir no contraditório como uma referência que transcende o interesse das partes, servindo também como garantia de juízo e norte para uma política processual participativa, na medida em que estabelece uma técnica de formação e avaliação idônea a confirmar ou a afastar uma hipótese deduzida na dinâmica processual (FERRUA, Paolo. Il giudizio penale: fatto e valore giuridico. In La prova nel dibattimento penale. 4ª. ed. Giappichelli: Torino, 2010, p. 320).

[7] Tema já abordado em SAMPAIO, Denis. A regra do contraditório no Novo Código de Processo Civil e sua “possível”” influência no Direito Processual Penal. In Coleção Repercussões do Novo CPC — Processo Penal. Vol 13. Niterói: Jus Podivm, 2016, p. 554s.

[8] Conforme CONTI, Carlotta. Il diritto delle prove penali. Carlotta Conti e Paolo Tonini (org.). Milano: Giuffrè, 2012.p. 36.

[9] Neste sentido, CABRAL, Antonio. Coisa Julgada e Preclusões Dinâmicas. Entre continuidade, mudança e transição de posições processuais estáveis. Niterói: JusPodivm, 2013, p. 316.

Referências

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