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Não tenho certeza, mas convicção de que foi uma jogada de mestre

O artigo aborda a estratégia utilizada pelo procurador Deltan Dallagnol ao apresentar informações em vez de denúncias formais, apontando uma nova dinâmica na operação “lava jato”. O autor propõe a análise dessa situação sob a perspectiva da Teoria dos Jogos, enfatizando como o mercado de delações funciona como um leilão de informações, onde os delatores oferecem dados valiosos em troca de benefícios penais. A discussão revela a necessidade de repensar as práticas jurídicas tradicionais à luz dessas novas abordagens no processo penal.

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O procurador da República Deltan Dallagnol, um dos responsáveis pela operação “lava jato”, apresentou o famoso PowerPoint em que apontava o ex-presidente Lula como sendo o chefe da organização criminosa. Entretanto, não formulou denúncia imputando a conduta. Boa parte dos articulistas e dos juristas entendeu a “jogada” como sendo fora de propósito. Arrisco uma hipótese alternativa, reconhecendo os méritos do leilão de informações, via delação premiada.

Continua sendo ingênua a leitura que se faz do modo em que as práticas da operação “lava jato” são implementadas. Boa parte da doutrina não se deu conta de que vivemos novas coordenadas para compreensão adequada do que se passa. Continuar a procurar nas categorias do processo penal continental, herdada pela geração de juristas, a solução para os impasses é ingênuo. Arrisco dizer que boa parte não entende o que se pretende.

Insisto em ler a dinâmica da operação pela via da Teoria dos Jogos[1]. Aliás, escrevi um capítulo sobre a temática no Guia Compacto do Processo Penal Conforme a Teoria dos Jogos, onde sublinho, também, a lógica do juiz Sergio Moro. Não pretendo, novamente, indicar as minhas objeções. O que sublinho, de modo ostensivo, é que devemos compreender o “mercado da colaboração/delação premiada” como ele é, sem leituras “Pollyana”, do “jogo do contente”.

A lógica do mercado incidente na delação/colaboração foi objeto da coluna anterior (aqui). A proposta é a de metaforizar a delação como um mercado de compra e venda de informação (provas). De um lado, existe o monopólio do comprador — Estado, via Ministério Público ou delegado de polícia — e, do outro, possíveis vendedores de informação (colaboradores/delatores). Havendo interesse recíproco na compra e venda de informação compartilhada, resta a fixação de seu preço. O comprador está interessado em obter informações capazes de imputar responsabilidade penal ao delator e também a terceiros, aceitando, com isso, reduzir o preço penal (pena, regime etc.). Os critérios para fixação do preço são flutuantes e dependem da qualidade, quantidade e credibilidade do material vendido, enfim, das recompensas dos negociadores.

Minha hipótese é a de que o procurador da República Deltan Dallagnol, se lido pela lógica do mercado, fez uma oferta pública das informações que deseja comprar. Dito de outro modo: descreveu os detalhes de uma organização criminosa em que não tem provas, mas, sim, convicção. Lançou, portanto, oferta para os potenciais vendedores de informações privilegiadas (possíveis delatores, investigados, ainda não investigados etc.) a grande oportunidade de, antecipando a ação, buscarem o Ministério Público com informações de qualidade e quantidade suficiente para confirmar suas convicções. O mecanismo é o mesmo de leilões. Exemplificativamente, eu posso querer comprar um carro esporte Ferrari. Anuncio publicamente que desejo comprar e espero que os vendedores do produto me procurem. O mercado se une entre vendedores dispostos a obter a informação, pagando com benefícios penais (redução, isenção da pena e regimes diferenciados etc.) e possíveis investigados ou em vias de investigação.

Nesse mercado de compra e venda de informação, o valor de face da informação é maior se é valiosa, ou seja, se é nova e aderente às convicções que se tem. A pressuposição de que pode ser verdade um fato ou conduta, encontra no mercado de colaboradores/delatores ambiente idôneo para negociação.

Assim, longe de ser ingenuidade, como alguns professam, a tática do lance público de interesse em confirmar as convicções, no fundo, é uma jogada de mestre. De um comprador com monopólio da compra, capaz de apresentar a qualquer um que tenha o que deseja, a possibilidade de venda. O mercado é flutuante, com novos arranjos e fundamentalmente opera na lógica do matching, tão bem desenhado por Alvin E. Roth, Prêmio Nobel de Economia. Aliás, o livro dele — Como Funcionam os Mercados — deveria ser leitura obrigatória para quem se aventura a compreender as facetas ocultas de um jogo que não opera na lógica do devido processo penal, mas por oferta e compra de informações.

Talvez tudo que tenha dito seja somente uma hipótese, mas, se você sabe de alguma coisa e pode lucrar com isso, quem sabe seja um grande negócio vender as informações de terceiros… Lembre-se de que, no jogo da delação, se você souber a informação X e ela for vendida antes por outro delator, sua informação “mica”, a saber, perde o valor. Exemplifico: se você está doente e precisa do remédio Y, quem dispõe do produto pode aumentar o valor de venda dada a escassez do remédio. Mas, se outro agente oferece o mesmo remédio e vende, você fica com o remédio sem lucrar. O mercado funciona no tempo e ritmo certo, nem muito rápido, nem muito devagar. Operar nessa nova lógica do processo penal não é para amadores. Posso estar redondamente enganado, ou não. Apresentei apenas uma hipótese. Semana próxima falarei da cláusula rebus sic stantibus das delações homologadas.

[1] Escrevi várias colunas sobre o tema no “Limite Penal” e no “Diário de Classe”, aqui na ConJur, bem como no livro Guia Compacto do Processo Penal Conforme a Teoria dos Jogos (Florianópolis: Empório do Direito, 2016).

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