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Encarceramento feminino cresce, e sociedade paga caro por isso

O artigo aborda o crescimento do encarceramento feminino, destacando seu custo elevado para a sociedade e questionando a eficácia do sistema penal atual. O autor, Alexandre Morais da Rosa, analisa como a prisão de mulheres, muitas vezes envolvidas em tráfico de drogas, gera um ônus financeiro significativo e propõe a reavaliação de políticas penais, sugerindo medidas alternativas que contribuam para a reinserção social e a redução das desigualdades. Além disso, critica a falta de racionalidade na negação de indultos, enfatizando que isso reflete preconceitos arraigados.

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Salvo bem poucos, os conduzidos por tráfico moram em zonas excluídas (como se um dia tivessem sido incluídas), não se tratando, em absoluto, dos gestores do “negócio” da droga. São “acionistas do nada”, na feliz expressão de Orlando Zaccone[1]. Aliás, a ingenuidade, mesclada de cinismo, faz com que se prenda um exército de desdentados e mal nutridos em nome do bem do justo e dos moralistas de plantão. E a mulher, em muitos casos, também vai junto.

Custo alto Como já afirmei, segundo dados do Tribunal de Contas de Santa Catarina, em 2012, cada preso custava ao mês, para o contribuinte, no regime de autogestão, R$ 1.649,03, enquanto no regime de cogestão, R$ 3.010,92. Assim é que a manutenção de uma pessoa presa em Santa Catarina, por ano, não sairá por menos de R$ 20 mil. Além da existência de diversos problemas, dentre eles a superlotação, violações de Direitos, o que resta apontar é que uma simples condenação por tráfico, muitas vezes do “mula”, por cinco anos, custará R$ 100 mil (critiquei isso aqui)

O Ministro do STF, Ricardo Lewandowski, em artigo publicado na Folha de S.Paulo, afirma que cada preso não sairá por menos de R$2,5 mil ao mês. Assim, um ano de prisão custará R$30 mil.

A primeira ilusão é a da privatização. Na verdade, privatizar é um negócio milionário e que conta com o apoio dos departamentos de marketing de quem lucra com as prisões, basta ler Loic Wacquant, falando dos EUA: “O aprisionamento com fins lucrativos reaparecerá a partir de 1983, açambarcando, rapidamente, a décima segunda parte do “mercado” nacional, ou seja, cerca de 150.000 detentos, três vezes a população penitenciária da França. Tais empresas, cotadas em bolsa de valores, propalam taxas recordes de crescimento e de lucro. A “nova economia” americana, não é apenas a da internet e a das tecnologias de informação: é também, a que industrializa o castigo. A título de ilustração, vale lembrar que as prisões do Estado da Califórnia empregam duas vezes mais pessoas do que a Microsoft…” Além do que, pelos dados, cada ano de preso custaria, em Santa Catarina, R$ 36 mil. E nós pagamos.

É um verdadeiro paradoxo, dado que se ilude a população com um direito penal máximo e apaziguador, quando na verdade, a prisão não atende mais aos anseios que se pretende, bem assim significa um novo mercado para quem lucra, inclusive com o Processo Penal do Espetáculo (Rubens Casara[2]). A manipulação da opinião pública (na falta de outro conceito) e do aparato de segurança pública/Judiciário, constroem o fato de termos hoje a terceira população carcerária do mundo, com pífios resultados. E um custo brutal.

De mais a mais, a ideia de que punição resolve problemas sociais anda arraigada em uma população que está com medo (Alexandre Bizzoto[3]) e que não sabe outro caminho mais democrático. O “efeito manada” se faz presente, manipulado sem que nos demos conta. Precisamos, então, conversar sobre os custos da prisão, inclusive cautelar, dado o custo mensal de se manter alguém presumidamente inocente.

Assim é que este breve escrito procura fazer inserir, em cada decisão judicial, na linha do que indica o Conselho Nacional de Políticas Criminais (a necessidade de indicação do custo mensal de cada preso, por estabelecimento penal, nos termos do artigo 6º), a fatura de quanto custará a execução da pena. Em Santa Catarina, por exemplo, cada ano de pena custará R$20 mil. Feitas as contas e assustados com os valores, quem sabe, possamos repensar a lógica do encarceramento por meio de medidas alternativas (redutores de dano) ou mesmo apontar que não há custo-benefício (trade-off). Quem sabe possamos ser mais inteligentes com o nosso dinheiro, já que o orçamento do Estado é único e poderíamos usar em saúde e educação, por exemplo. A condenação gera efeitos na vida de todos nós, especialmente se fizermos uma simples conta no Brasil: 700 mil presos x R$2,5 mil = R$ 1,75 bilhão.

Com estas contas podemos, assim, entender que o Direito Penal deveria ser mínimo e que estamos procurando a resposta para nossa segurança no lugar errado, diz Zaffaroni[4]. A proposta é a de que, que pelo menos, o Judiciário faça as contas de quanto custa punir alguém e se o dinheiro não poderia ser usado em questões mais relevantes que mitiguem a criminalização. Mas seria necessário rever posições cristalizadas e que alimentam uma infinidade de interesses de estamentos que lucram, muito, com nossa alienação. Enquanto isso o estado de Santa Catarina, por exemplo, gastou em 2012, R$ 292.565.511,64 com um sistema falido e que se privatizado, torna-se mais oneroso ainda.

Em resumo: cada decisão penal condenatória deveria apresentar, prestando contas, quanto custará ao contribuinte, a fatura total da condenação. Depois podemos nos perguntar se há trade-off. E se for o caso deixar de aplicar a pena ou mesmo reduzi-la?

Poderia ser motivo de um indulto especial? A imensa maioria das mulheres encarceradas não apresenta riscos maiores de reiteração e poderia, muito bem, se for o caso, permanecer em regime aberto. Os impactos, aliás, na família são imensos, especialmente aos filhos, consoante demonstraram Marli Canello Modesti (Mulheres Aprisionadas: As drogas e as dores da privação de liberdade) e Thais Zanetti de Mello Moretto (Da Realidade Social ao Discurso Jurídico-Penal: O Encarceramento Feminino por Tráfico de Drogas e o Insucesso do Proibicionismo Criminalizador).

Nesse sentido, o Conselho Nacional de Justiça promoveu diversos encontros sobre a temática do Encarceramento Feminino, produzindo a Carta de Brasília, na qual consta: “Considerar que, diante do aumento do número de mulheres encarceradas no Brasil na última década, um certo número delas não representa maior risco para a segurança da sociedade, de modo que o seu encarceramento pode dificultar ou inviabilizar sua futura reinserção social, propondo ao Congresso Nacional, por meio dos atores do sistema de justiça criminal e da sociedade civil, a efetivação ou criação de mecanismos legais que permitam melhor avaliação dos riscos e classificação das presas, facultando-se, quando for o caso, a adoção de medidas alternativos à pena privativa de liberdade, especialmente no caso de presas grávidas por ocasião da prática do delito, mães de filhos que sejam delas dependentes econômica ou emocionalmente, evitando-se, o quanto possível, a desagregação ou destruição do grupo familiar.”

Daí que a negação a priori do indulto para mulheres encarceradas decorre muito mais do preconceito generalizado do que da racionalidade que pode se operar. Pensemos: a) as mulheres condenadas por tráfico não praticaram crimes graves; b) não representam, a priori, o perigo que se imagina; c) implicam em custos excessivos de manutenção do regime prisional; d) podem ser acompanhadas em regime aberto. Obama fez nos EUA, por diversas razões, nos mostra Kenarik Boujikian.

E aí? Enfim, do ponto de vista lógico, em um país com lotação carcerária e com escassez de recursos, negar o indulto ou pelo menos comutação para boa parte das mulheres encarceradas, em crimes sem violência, é uma posição perdulária. E quem paga a conta somos todos nós. Punidas sem sentido e nós pagando a imensa conta.

[1] ZACCONE, Orlando. Acionistas do nada: quem são os traficantes de drogas. Rio de Janeiro: Revan, 2007. [2] CASARA, Rubens. Processo Penal do Espetáculo. Florianópolis: Empório do Direito, 2015. [3] BIZZOTO, Alexander. A mão invisível do medo e o pensamento criminal libertário. Florianópolis: Empório do Direito, 2015. [4] ZAFFARONI, Eugênio Raul. O Inimigo no Direito Penal. Rio de Janeiro: Revan, 2007.

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