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Revelia é incompatível com o processo penal

O artigo aborda a incompatibilidade da revelia com o processo penal, elucidando que o réu não é obrigado a comparecer a todos os atos processuais, exceto em situações específicas. O autor critica a aplicação inadequada de conceitos do processo civil no penal, ressaltando que a ausência do réu não deve acarretar sanções. Destaca que a defesa técnica é suficiente, preservando os direitos constitucionais do acusado e reafirmando a presunção de inocência, sem penalidades em caso de não comparecimento.

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Juiz(a): Onde está o réu?

Defesa: Doutor(a) o réu não virá na audiência. Se necessário, a defesa solicita a dispensa do comparecimento nesta audiência em que serão ouvidas as testemunhas de acusação porque…

MP: Nem pensar, é dever dele estar presente! O réu é obrigado a estar presente em todos os atos do processo! Tem que decretar a revelia!

Defesa: Não, não é dever do réu estar presente na audiência. Ele não está em liberdade provisória e tampouco submetido a qualquer medida cautelar diversa que crie essa obrigação. Ele vem na audiência quando a defesa entender necessário.

Juiz(a): Então vou decretar a revelia.

Defesa: Mas Doutor(a), isso é desnecessário e sem qualquer sentido ou fundamento…

Juiz(a): Mas eu vou decretar a revelia.

Defesa: Ok, e quais serão os efeitos dessa ‘revelia’?

Esse é um diálogo que infelizmente ainda ocorre em muitas salas de audiência, fruto de uma equivocada compreensão acerca do espaço processual ocupado pelo acusado e, principalmente, uma errônea transmissão de categorias (absolutamente inadequadas) do processo civil para o processo penal. Mais uma herança da malfadada Teoria Geral do Processo e manifestação da cultura autoritária de alguns julgadores.

Primeiro ponto: está o réu obrigado a comparecer a todos os atos do processo? Como regra, não. Apenas quando o dever de comparecimento for determinado na concessão da liberdade provisória, após a prisão em flagrante, nos termos do artigo 310, parágrafo único do Código de Processo Penal. Outra hipótese de obrigação de comparecimento pode decorrer da incidência das medidas cautelares diversas, do artigo 319, I ou VIII ou da fiança do artigo 350 do CPP. Enfim, são todas situações em que o acusado foi preso em flagrante ou preventivamente e a liberdade é concedida mediante o dever de comparecer aos atos do processo.

Fora desses casos, comparecer em juízo é uma faculdade, que atende aos interesses da defesa (pessoal e técnica), jamais um ‘dever’ processual cujo descumprimento acarrete uma sanção. É claro que, excepcionalmente, o não comparecimento aliado a outros elementos concretos, pode justificar uma prisão preventiva nos termos do artigo 312 do CPP (garantia da aplicação da lei penal). Mas essa é uma situação pontual, grave e aliada a outros dados fáticos que demonstrem a existência de periculum libertatis. Do contrário, o simples não comparecimento do acusado na audiência não pode acarretar qualquer consequência negativa, por absoluta inexistência de um dever de comparecimento. Andou bem o legislador quando estabeleceu — na reforma de 2008 — o direito do acusado não comparecer ao plenário do júri. Deveria ter expressamente estendido essa previsão para todo e qualquer procedimento, para romper com a cultura inquisitória e autoritária vigente.

No processo penal, não existe distribuição de cargas, pois o réu, ao ser (constitucionalmente) presumidamente inocente, não tem qualquer dever de atividade processual. Mais do que isso, da sua inércia nenhum prejuízo jurídico-processual pode brotar. Assim, toda carga está nas mãos do acusador.

Inclusive, em relação ao reconhecimento pessoal, fornecimento de material genético, padrões de escrita etc., como o imputado não é obrigado a produzir prova contra si mesmo, sua presença na audiência também não é obrigatória. Insisto, ele não é ‘objeto’ de prova e não está obrigado a colaborar para que o acusador se liberte da sua carga probatória. E mais, a carga da prova é inteiramente do acusador e se ele se libertar de forma plena, é legítima a condenação. Se não o fizer, o critério pragmático de solução será a absolvição. Não incumbe ao juiz contribuir para que o Ministério Público se liberte de sua carga probatória e nem produza prova de ofício.

Infelizmente muitos atores judiciários ainda tratam o acusado — ainda que inconscientemente — como ‘objeto’ do processo e ‘objeto’ de prova, como alguém que está ali para sofrer uma punição processual, antes mesmo de se chegar na pena, e que deve se submeter a todo tipo de intervenção do poder estatal pacificamente. É fruto de mentalidades autoritárias que não veem o acusado como sujeito de direito, cuja presunção de inocência impõe o ‘dever de tratamento’ de inocente. É gente que já considera o imputado como culpado a partir do recebimento da denúncia, tanto que o submete a ‘pena processual’, ao tratamento de completa submissão ao ritual de poder, como se culpado o fosse. Ainda que não assumam, é assim que operam de forma inconsciente e quase automática. É manifestação de absoluta falta de respeito pelo réu como sujeito de direito.

Infelizmente muitos juízes não conseguem compreender uma regra básica da estrutura dialética do processo: condenar ou absolver são equivalente axiológicos para a Justiça. Ou seja, ele cumpre muito bem o seu papel e corresponde a todas as expectativas jurídicas criadas quando condena, mas também quando absolve. Sem falar que a presunção de inocência deve acarretar uma pré-ocupação mental do julgador e uma preocupação em efetivamente tratar o imputado como inocente. Logo, o acusado comparecer ou não na audiência é uma faculdade e estratégia da defesa, sem que se possa fazer qualquer juízo negativo de valor pelo legítimo exercício direito de defesa pessoal, positiva ou negativa.

Mas e a revelia?

Não há que se falar em “revelia” no processo penal[1] (ou pelo menos não no sentido próprio do termo, o que significa dizer que a utilização será sempre imprópria e inadequada), pois a inatividade do réu não conduz a nenhum tipo de sanção processual. Seria o erro de chamar de ‘revel’ mas sem poder dar eficácia a qualquer das consequências de ser ‘revel’, criando um revel não revel…

A contumácia ou revelia, como explica Delmanto Junior[2], é carregada de conotação negativa, extremamente pejorativa, significando ultraje, desdém, ilícito, rebeldia[3] etc.; daí por que, como afirma o autor, “sua aplicação afigura-se, por si só, totalmente incompatível com a concepção de que não há como dissociar a inatividade do acusado, de um lado, do exercício dos direitos a ele constitucionalmente assegurados da ampla defesa e do silêncio, de outro”. Não existe censura ou verdadeiro prejuízo jurídico em relação à conduta do réu que, por exemplo, não comparece ao interrogatório ou não permite que se lhe extraia material genético para realização de perícia.

Não existe, no processo penal, revelia em sentido próprio. A inatividade processual (incluindo a omissão e a ausência) não encontra qualquer tipo de reprovação jurídica. Não conduz a nenhuma presunção, exceto a de inocência, que continua inabalável. Nada de presumir-se a autoria porque o réu não compareceu… Jamais.

Também se deve ponderar que admitir a revelia e seus efeitos conduziria a admitir um processo penal contumacial, absolutamente incompatível com o processo penal contraditório[4] assegurado no artigo 5º, inciso LV, da Constituição e também no artigo 261 do CPP[5].

A presença da defesa técnica, ainda que o acusado tenha sido devidamente intimado mas esteja ausente, é suficiente, pois o advogado constituído (ou nomeado) é o réu em juízo, é a defesa efetiva no ato.

Em suma, por qualquer lado que se aborde, a revelia e a contumácia são incompatíveis com o processo penal brasileiro. Obrigatoriamente o juiz terá de intimar o defensor de todos os atos do processo e, principalmente, se o réu comparecer no final da instrução, deverá obrigatoriamente ser interrogado (respeitando-se o direito de silêncio, é claro). Constitui uma nulidade absoluta o réu, presente na audiência, não ser interrogado porque anteriormente foi decretada sua “revelia”.

Enfim, nenhum dos efeitos da revelia se aplica no processo penal, sendo completamente inadequada a utilização dessa categoria, pois não recepcionada pelo processo no marco constitucional. Na perspectiva do processo penal, não existe revelia. Pode haver processo em situação de ausência do réu, quando o citado ou intimado não comparece. O ato será realizado com a defesa técnica sem qualquer restrição, mas também sem qualquer tipo de punição processual.

Infelizmente, por falta de rigor técnico, é bastante comum a utilização pelos tribunais brasileiros do termo “revelia”, quando na verdade estamos diante de mera ausência.

Retomando o diálogo inicial, quando questionado o juízo sobre quais os efeitos concretos da ‘revelia’, estabeleceu-se um silêncio sepulcral. O silêncio constrangedor de quem invoca um “argumento de autoridade”, sem qualquer “autoridade no argumento”…

[1] Para uma análise mais ampla desse tema, recomendamos consultar nossa obra “Direito Processual Penal”, 13a edição, publicado pela editora Saraiva. [2] DELMANTO JUNIOR, Roberto. “Inatividade no Processo Penal Brasileiro”. São Paulo, Revista dos Tribunais, 2004, p.71. [3] Expressão essa (rebeldia) escolhida pelo legislador espanhol na Ley de Enjuiciamiento Criminal para definir a situação jurídica do réu que não comparece no processo penal quando chamado. [4] Conforme DELMANTO JUNIOR, op. cit., p. 373. [5] Art. 261. Nenhum acusado, ainda que ausente ou foragido, será processado ou julgado sem defensor.

Referências

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