Artigos Conjur – De quem viola direitos e garantias fundamentais, o inimigo sou eu

Artigos Conjur
Artigos Conjur || De quem viola direitos e ga…Início / Conteúdos / Artigos / Conjur
Artigo || Artigos dos experts no Conjur

De quem viola direitos e garantias fundamentais, o inimigo sou eu

O artigo aborda a crítica à concepção de um “direito penal do inimigo”, defendendo que as táticas de combate à corrupção vêm comprometendo direitos e garantias fundamentais, gerando um sistema judicial parcial e corrupto. A análise foca em um contexto de revelações sobre a operação “lava jato”, em que se evidenciam vínculos inadequados entre juízes e procuradores, colocando em xeque a imparcialidade do processo penal e a efetividade das garantias constitucionais, afirmando que a verdadeira corrupção não se combate com práticas corruptas.

Artigo no Conjur

No entender de Jakobs, que aborda a legitimidade de um tratamento diferenciado àqueles que rotula como inimigos, deveria existir um direito penal do cidadão e outro direito penal do inimigo, para a preservação do próprio direito penal do cidadão[2]. Assim, nesse espaço, idealizou-se a corrupção como um inimigo e, com táticas de uma guerra-onde-tudo-vale, fere-se de morte a Constituição para combater esse inimigo.

Ocorre, que a confusão dos conceitos de “guerra” ou “combate à” com o processo penal faz nascer inimigos de ambos os lados. Há os inimigos daqueles que ferem o sistema acusatório; transgridem o processo penal; violam os princípios e garantias fundamentais; e esbofeteiam a face da Constituição Federal. Desses, o inimigo sou eu!

No dia 9 de junho, o site The Intercept Brasil iniciou a revelação de conversas ocorridas entre o ex-juiz e membros do Ministério Público responsáveis pela operação “lava jato” em Curitiba. Os diálogos apontam para a existência de relações espúrias, tramas processuais e a corrupção daqueles que se diziam paladinos de combate, justamente, à… corrupção.

Não se tratava da “corrupção penal tradicional” (solicitar ou receber vantagem indevida). Ao que tudo indica, tratava-se de corrupção sistêmica institucionalizada. Buscou-se corromper o “ser”, desvirtuando a verdadeira função do Estado-juiz para satisfazer, única e exclusivamente, seus anseios, interesses pessoais e aprovação do grande público para se estabelecer um projeto de poder. Mais do que isso, corrompeu-se o devido processo e a garantia de ser julgado por um juiz imparcial, de forma jamais vista.

O primeiro argumento levantado pelos (agora) fiscais da lei (antes travestidos unicamente de órgão de acusação-inquisidor) foi da ilicitude das provas hackeadas de seus telefones. Sabemos todos da proteção constitucional do sigilo das comunicações e também, por outro lado, da inexistência de direitos absolutos.

Não se pretende com isso a “convalidação” da prova ilícita em lícita. Em relação à utilização dessas provas contra o juiz ou os procuradores, desejamos que tenham bons advogados, que sofram um processo justo, presidido por um juiz verdadeiramente imparcial, que respeite o princípio acusatório e seus direitos e garantias fundamentais.

Mas é interessante que esse mesmo ex-juiz, ao vazar ilicitamente conversas telefônicas, no passado, argumentou em torno da supremacia do interesse público e a necessidade de que o povo tomasse conhecimento daqueles diálogos. O mesmo poderia ser invocado agora. Ou ainda, quem não lembra da tese de admissibilidade da prova ilícita, sustentada nas “10 medidas anticorrupção” (na verdade, “anti-a-Constituição”) por essas mesmas autoridades que agora a demonizam?

Também é inevitável não questionar: será que Moro ou qualquer dos procuradores da República gostaria de ser julgado em um processo onde o MP e o juiz trocam mensagens privadas para definir “estratégias”; o juiz indica uma “fonte séria” para o MP ir atrás; encomenda uma “nota” para rebater o “showzinho da defesa”; onde o juiz sugere que determinada procuradora faça treinamento porque “para inquirição em audiência ela não vai muito bem”; enfim, mantém uma relação com esse nível de promiscuidade e intimidade?

Você, leitor(a), faça um exercício imaginético e se coloque como réu nesse processo, gostaria de ser julgado nesse “faz de conta” processual? Responda honestamente… Elementar que não.

É indene de dúvidas que uma prova obtida por meio ilícito deve sempre ser admitida em um processo quando esta for beneficiar o réu[3]. Trata-se da teoria da admissibilidade da prova ilícita a partir da proporcionalidade pro reo, admitida pela maioria da doutrina e jurisprudência pátria. E mais, ainda que a prova ilícita fosse obtida por um dos réus no processo, ainda assim deveria ser aceita, pois estariam acobertados por uma espécie de legítima defesa ou estado de necessidade para provar a nulidade ocorrida no processo ou sua inocência. Mas recordemos que, no caso em tela, as provas foram obtidas por terceiros e disponibilizadas publicamente. Ou seja, qualquer acusado em um desses processos maculados pela atuação de um verdadeiro consórcio de justiceiros e um juiz absolutamente parcial e comprometido poderia usar essa prova sem nenhuma conexão com a ilicitude originária. É, verdadeiramente, uma prova obtida por fonte independente, como consagra o artigo 157 do CPP, e nem ilícita poderia ser considerada.

Assim, o fato é que as conversas revelaram uma relação promíscua entre o órgão de acusação e o órgão julgador, uma verdadeira protocooperação velada. Na biologia, protocooperação é a relação entre indivíduos em que, apesar de viverem independentemente um do outro, estabelecem uma afinidade para que ambos sejam beneficiados. Um exemplo é a relação entre aves-palito e os crocodilos, onde o crocodilo abre a boca e permite que a ave-palito pouse dentro dela para se alimentar. Assim, o crocodilo fica livre das sujeiras, e a ave-palito obtém alimento de maneira fácil e segura.

Por essa metáfora, vê-se a possibilidade de o órgão acusador mostrar as imperfeições, defeitos e sujeiras das acusações de suas mandíbulas. Assim, sem pestanejar, o julgador, desconsiderando a posição de estranhamento, alheamento (terzietà) que deve manter, foge da sua função imparcial e se prontifica a orientar o modo de atuação, dá estratégias sobre as ordens das operações, reclama da inércia das investigações e estimula notas para agredir o exercício da defesa, tratando-a como mero “showzinho”.

As conversas reveladas evidenciam uma amizade íntima entre o ex-juiz e os procuradores, além do claro e direto aconselhamento do ex-juiz ao Ministério Público — o que fere diretamente os incisos I e IV, do artigo 254 e a igualdade de tratamento prevista na Convenção Americana de Direitos Humanos. Sem falar que fere de morte o princípio supremo do processo penal: a imparcialidade do juiz.

Mas propomos aqui mais um exercício de imaginação: nos diálogos vazados existem diversos grupos de conversas. Há o grupo onde procuradores conversam entre si e há os grupos de procuradores que conversam com o ex-juiz. Assim, mentalmente, vamos trocar o nome de “Moro” pelo nome de qualquer procurador.

Ao realizar essa troca, veremos que não há diferença no diálogo ou no modo de atuação. A maneira com que o ex-juiz orquestrava os fatos, indicava provas, zombava da defesa ou auxiliava em como atuar em audiência mostrava que seu papel ali era de qualquer coisa, menos de juiz. A confusão do papel do Estado-juiz com o órgão de acusação foi tamanha que não é um exagero dizer que se tratou de hipótese de impedimento (artigo 252 do CPP), e não de suspeição, pois o que se vê nos diálogos é que o ex-juiz verdadeiramente desempenhou a função de acusador, ferindo o artigo 252, I e II, do Código de Processo Penal. Desse modo, mortalmente ferida está a imparcialidade.

É a posição do juiz do processo penal que define a eficácia do contraditório e, principalmente, a sua imparcialidade[4]. É o respeito ao sistema acusatório e aos direitos e garantias fundamentais que demonstra a evolução do processo penal. A simbiose existente entre as funções de julgador e de acusador evidencia uma tentativa de ressurreição típica do sistema inquisitivo, onde a figura do juiz se confunde com a do acusador, agindo fora dos parâmetros legais, sem paridade de armas entre acusação e defesa, porque a figura da acusação também se confunde, justamente, com a figura do juiz.

No caso Piersack vs. Bélgica, o Tribunal Europeu de Direitos humanos afirmou que “todo juiz em relação ao qual possa haver razões legítimas para duvidar de sua imparcialidade deve abster-se de julgar o processo. O que está em jogo é a confiança que os tribunais devem inspirar nos cidadãos em uma sociedade democrática”.

Assim, quem perde com a parcialidade do Poder Judiciário é o próprio Poder Judiciário. Como afirmava Ihering, “para a autoridade judiciária que tem violado o direito não há acusador mais terrível que a figura sombria e continuamente ameaçadora do homem, que a lesão do sentimento legal tornou criminoso; é a sua própria sombra sob traços bem sanguinolentos”’[5].

Daqueles que se corrompem da verdadeira função estatal, ferem o sistema acusatório, entram em conluio para admitir provas ilícitas, violam direitos e garantias fundamentais, o inimigo sou eu! Não se combate corrupção com corrupção! E o grupo de inimigos deve crescer a cada dia, sob pena de se derrubar a República e tornar letra morta o Estado Democrático de Direito apregoado pela Constituição Federal.

Do que se mostrou dos diálogos até agora, a alegada corrupção foi investigada e julgada, também, com fartura de corrupção. Corrupção do devido processo, corrupção da imparcialidade, corrupção das regras mais comezinhas do processo penal. Mas, afinal, a lei é para todos? Quem são os corruptos nesse imbróglio?

[1] LOPES Jr. Aury. Fundamentos do processo penal: introdução crítica. 4 ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2018. p. 57. [2] JAKOBS, Gunther. Derecho penal delenemigo. Trad. Manuel CancioMeliá. Madrid: Civitas, 2003. p. 42. [3] LOPES Jr, Direito processual penal. 16 ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2019. p. 398. [4] LOPES Jr. Aury. Fundamentos do processo penal: introdução crítica. 4 ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2018. p. 195. [5] IHERING, Rudolf Von. A luta pelo Direito. Coleção a obra prima de cada autor. p. 44.

Referências

Acesso Completo! || Tenha acesso aos conteúdos e ferramentas exclusivas

Comunidade Criminal Player

Elabore sua melhor defesa com apoio dos maiores nomes do Direito Criminal!

Junte-se aos mais de 1.000 membros da maior comunidade digital de advocacia criminal no Brasil. Experimente o ecossistema que já transforma a prática de advogados em todo o país, com mais de 5.000 conteúdos estratégicos e ferramentas avançadas de IA.

Converse com IAs treinadas nos acervos de Aury Lopes Jr, Alexandre Morais da Rosa, Rodrigo Faucz, Gabriel Bulhões, Cristiano Maronna e outros gigantes da área. Explore jurisprudência do STJ com busca inteligente, análise de ANPP, depoimentos e muito mais. Tudo com base em fontes reais e verificadas.

Ferramentas Criminal Player

Ferramentas de IA para estratégias defensivas avançadas

  • IAs dos Experts: Consulte as estratégias de Aury Lopes Jr, Alexandre Morais da Rosa, Rodrigo Faucz, Gabriel Bulhões e outros grandes nomes por meio de IAs treinadas em seus acervos
  • IAs de Jurisprudência: Busque precedentes com IAs semânticas em uma base exclusiva com mais de 200 mil acórdãos do STJ, filtrados por ministro relator ou tema
  • Ferramentas para criminalistas: Use IA para aplicar IRAC em decisões, interpretar depoimentos com CBCA e avaliar ANPP com precisão e rapidez
Ferramentas Criminal Player

Por que essas ferramentas da Criminal Player são diferentes?

  • GPT-4 com curadoria jurídica: Utilizamos IA de última geração, ajustada para respostas precisas, estratégicas e alinhadas à prática penal
  • Fontes verificadas e linkadas: Sempre que um precedente é citado, mostramos o link direto para a decisão original no site do tribunal. Transparência total, sem risco de alucinações
  • Base de conhecimento fechada: A IA responde apenas com conteúdos selecionados da Criminal Player, garantindo fidelidade à metodologia dos nossos especialistas
  • Respostas com visão estratégica: As interações são treinadas para seguir o raciocínio dos experts e adaptar-se à realidade do caso
  • Fácil de usar, rápido de aplicar: Acesso prático, linguagem clara e sem necessidade de dominar técnicas complexas de IA
Comunidade Criminal Player

Mais de 5.000 conteúdos para transformar sua atuação!

  • Curso Teoria dos Jogos e Processo Penal Estratégico: Com Alexandre Morais da Rosa e essencial para quem busca estratégia aplicada no processo penal
  • Curso Defesa em Alta Performance: Conteúdo do projeto Defesa Solidária, agora exclusivo na Criminal Player
  • Aulas ao vivo e gravadas toda semana: Com os maiores nomes do Direito Criminal e Processo Penal
  • Acervo com 130+ Experts: Aulas, artigos, vídeos, indicações de livros e materiais para todas as fases da defesa
  • IA de Conteúdos: Acesso a todo o acervo e sugestão de conteúdos relevantes para a sua necessidade
Comunidade Criminal Player

A força da maior comunidade digital para criminalistas

  • Ambiente de apoio real: Conecte-se com colegas em fóruns e grupos no WhatsApp para discutir casos, compartilhar estratégias e trocar experiências em tempo real
  • Eventos presenciais exclusivos: Participe de imersões, congressos e experiências ao lado de Aury Lopes Jr, Alexandre Morais da Rosa e outros grandes nomes do Direito
  • Benefícios para membros: Assinantes têm acesso antecipado, descontos e vantagens exclusivas nos eventos da comunidade

Assine e tenha acesso completo!

  • 75+ ferramentas de IA para estratégias jurídicas com base em experts e jurisprudência real
  • Busca inteligente em precedentes e legislações, com links diretos para as fontes oficiais
  • Curso de Alexandre Morais da Rosa sobre Teoria dos Jogos e Processo Penal Estratégico
  • Curso Defesa em Alta Performance com Jader Marques, Kakay, Min. Rogério Schietti, Faucz e outros
  • 5.000+ conteúdos exclusivos com aulas ao vivo, aulas gravadas, grupos de estudo e muito mais
  • Fóruns e grupos no WhatsApp para discutir casos e trocar experiências com outros criminalistas
  • Condições especiais em eventos presenciais, imersões e congressos com grandes nomes do Direito
Assinatura Criminal Player MensalAssinatura Criminal Player SemestralAssinatura Criminal Player Anual

Para mais detalhes sobre os planos, fale com nosso atendimento.

Quero testar antes

Faça seu cadastro como visitante e teste GRÁTIS por 7 dias

  • Ferramentas de IA com experts e jurisprudência do STJ
  • Aulas ao vivo com grandes nomes do Direito Criminal
  • Acesso aos conteúdos abertos da comunidade

Já sou visitante

Se você já é visitante e quer experimentar GRÁTIS por 7 dias as ferramentas, solicite seu acesso.