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Como a delação premiada transforma processo em mercado judicial

O artigo aborda a transformação do Processo Penal brasileiro através da delação premiada e a sua relação com a lógica da barganha. Os autores discutem como a negociação de penas e sanções altera a produção de verdades jurídicas, enfatizando a necessidade de novos pressupostos para entender a dinâmica entre os “jogadores” do sistema. A análise explora também as implicações éticas e os limites legais dessa prática, destacando as capacidades necessárias para que os envolvidos possam negociar de forma eficaz.

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A barganha[2], aliás, é inerente à vida econômica e significa novo modo de pensar o Processo Penal[3]. Tentar encaixar a barganha a partir das categorias clássicas do Processo Penal brasileiro é o erro lógico da abordagem. Precisamos de novos pressupostos de compreensão, especialmente no tocante à distinção entre “direitos fundamentais” e “privilégios”, já que a disponibilidade da ação penal e o do direito (e não dever) ao processo serão os pressupostos ao estabelecimento do mercado da barganha. Ainda que a legalidade[4] presida a atuação estatal, a abertura de espaços de consenso modifica o regime de produção de verdades jurídicas, vinculando-se ao contexto das funções, lugares e poderes dos jogadores/julgadores[5].

Assim é que não confundindo “legalidade” com “oportunidade”, surgem espaços de negociação[6] em que a lei autoriza que o titular da ação penal possa negociar com o acusado e seu defensor o enquadramento legal, as penas e o regime de cumprimento. A oportunidade, todavia, deve significar a tomada de decisão sobre cursos de ação, não se confundindo com a plena disponibilidade, incidindo controle jurisdicional dos limites no momento da homologação.

O jogo inerente à decisão pressupõe a qualidade e quantidade de informações capazes de justificar a estratégia dominante, vinculada às recompensas possíveis, em que o mercado de trocas se estabelece.

Jogadores e recompensas A oportunidade da ação penal precisa de novas lentes para sua compreensão, já que informado pelo pragmatismo e utilitarismo, diante das recompensas dos agentes processuais. Será necessário inventariar, a partir da Teoria dos Jogos, quem são os jogadores, quais as regras que acolhem, as táticas usuais, a estratégia pretendida e as recompensas, os grupos de pressão, a Teoria do Caso. As expectativas de comportamento decorrem da qualidade e quantidade de informações que se obtiver da estrutura do contexto.

Diante da diminuição da carga de trabalho de jogadores/julgadores públicos, além da justificativa de redução de custos de produção, e da possível emoção propiciada pelo jogo da barganha, conta com ampla adesão por parte dos agentes públicos[7].

Pressupostos de validade Em sendo acolhida a barganha, deve-se estabelecer quais as hipóteses de incidência e pressupostos de validade. Dito de outra forma: o que se deve ter são os requisitos e limites legais de autorização sobre a disponibilidade do objeto da ação penal (caso penal) e o procedimento para barganha[8]. No sistema americano, informado por modo de pensar diverso, francamente pragmático, os limites de atuação do acusador são amplos, propiciando, com isso, a negociação do enquadramento jurídico, das sanções e dos efeitos da conduta. Isso implica em alterar, substancialmente, a maneira pela qual estamos acostumados a construir verdades no processo penal, dado que o consenso retira a carga da afirmação, por decisão judicial, da efetiva ocorrência da conduta. A confirmação da conduta, para fins legais, acontece por manifestação de vontade sobre seu conteúdo, de comum acordo e chancelada pelo estado-juiz. Diante da informação (provas) amealhadas, abre-se espaço para criação de um “mercado penal” em que as estratégias e táticas, moduladas pela Teoria dos Jogos, podem se fazer ver.

A equiparação dos efeitos do acordo à sentença decorrente de um processo penal tradicional implica na superação da instrução, com a exigência, todavia, de garantia dos mecanismos de formação do acordo. Por isso, deve ser: a) voluntária e informada, entendida como a possibilidade de o acusado, orientando pelo defensor, manifestar-se livre de pressões sobre as recompensas do acordo proposto, bem assim do jogador-acusador na obtenção de resultados mais breves e com a inserção de cláusulas probatórias (colaboração premiada) em face de terceiros; b) negociada e de boa-fé, em que o acervo de informações (provas e indícios) é amplamente debatido, apresentado, rejeitado, até o acordo apresentado ao juiz. Com isso supera-se o julgamento formal, os custos e problemas probatórios (incerteza), em nome de recompensas de ambas as partes, pelas quais a eficiência do sistema – aparentemente – estaria garantido.

O “preço” da conduta atende à lógica da dissuasão e da intimidação[9], na linha da análise econômica do crime, com as recompensas de cada jogador/julgador e do Sistema Penal. Tanto assim que Suprema Corte validou por diversas vezes o manejo da barganha (Brady v. United States, Santobello v. New York e Blackledg v. Allison) em face de argumentos consequencialistas de justificação, da tradição e do possível controle jurisdicional dos abusos. Prevalece, assim, a lógica da redução de custos, da noção de privilégio do direito ao processo e da liberdade do acusado e dos jogadores em buscar o ponto de acordo mais favorável a ambos, mediados pelo estado-juiz[10].

O papel do juiz não é o de participar da negociação e, sim, de validar seu resultado. O controle deve ser posterior, apurando-se a prevalência da legalidade, da livre manifestação de vontade (sem pressões ou coações — físicas ou psicológicas, Suprema Corte em Brady v. United States), bem assim o conteúdo (objeto) do acordo (se há base fática). O acusado deve ter, a partir da participação de defensor, a compreensão das acusações, das consequências da barganha e dos direitos negociados[11] Realizada com coação indevida[12] a manifestação da vontade estará viciada e, portanto, deve-se declarar a ausência de requisito de formação do acordo.

A capacidade de negociação faz toda a diferença. Tenho um grande amigo que negocia carros. Sinto até vergonha de ir com ele na concessionária, pois a “choradeira”, os “blefes”, as ofertas de “pegar ou largar” parecem-me loucura. Não nasci para negociar carros. Mas posso aprender. Na última vez que estive com ele fiquei observando a maneira que se portava e indaguei, posteriormente, como sabia que o valor do veículo poderia ser baixado? Respondeu-me que os valores estão todos na “internet”, mas o “trouxa”, aqui, não sabia procurar. Ele tinha informação qualificada sobre os valores, as margens de lucro, bem assim o estoque de veículos — por isso tinha ido até o pátio da concessionária. Buscou inventariar as possibilidades táticas, além do que também disse para irmos mais no final do mês porque, descobri depois, o estoque precisa ser renovado.

Quem se aventura a jogar na barganha não pode ser amador. Precisa compreender sobre “Teoria de Negociação”. Embora o jogador-acusador deva jogar limpo, pode acontecer de omitir provas, carregar as tintas em possíveis provas e ameaçar o acusado de uma pena maior se não acordar[13]. Isso faz parte das interações, mas o limite deveria ser controlado pelo estado-juiz. Entretanto, como as negociações acontecem à margem do controle jurisdicional, torna-se difícil mensurar os requisitos de validade, dando azo à manipulação e ao jogo sujo. É da interação entre os jogadores que negociam informações e os benefícios que surge o termo de colaboração. Diferente do jogo de xadrez em que todas as jogadas são previsíveis[14], no Processo Penal somente da interação, do levantamento da reputação, expectativa tática e recompensas é que se pode estabelecer qual a estratégia no mercado da barganha. O que se pode verificar nesse contexto é a prevalência das regras de barganha próprias do mercado, como a sobrecarga penal, consistente na tática de no início das negociações, o jogador acusador acrescentar imputações (tipos ou qualificadoras) para o fim de ter margem de negociação, bem assim sentenças “pesadas”, com prisão cautelar, para o forçamento da ação delatória. O problema é a promessa ética depende da adesão de cada jogador…

[1] VASCONCELLOS, Vinícius Gomes de. Barganha e Justiça Criminal Negocial: Análise das tendências de expansão dos espaços de consenso no Processo Penal brasileiro. São Paulo: Ibccrim, 2015, p. 28. [2] Idem. p. 68. [3] SCHÜNEMANN, Bernd.¿Crisis del procedimiento penal? ¿ Marcha triunfal del proceso penal norte-americando en el mundo? In: SCHÜNEMANN, Bernd. Temas actuales y permanentes del derecho penal después del milênio. Madrid: Tecnos, 2002, p. 288-302; COSTA, Eduardo Maia. Princípio da oportunidade: muitos vícios, poucas virtudes. Revista do Ministério Público de Lisboa, v. 22, n. 85, p. 37-49, Lisboa, jan-marc., 2001. [4] VASCONCELLOS, Vinícius Gomes de. Barganha e Justiça Criminal Negocial: Análise das tendências de expansão dos espaços de consenso no Processo Penal brasileiro. São Paulo: Ibccrim, 2015, Vinicius p. 43. [5] GIACOMOLLI, Nereu José. Legalidade, oportunidade e consenso no processo penal na perspectiva das garantias constitucionais. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2006, p. 50. [6] VASCONCELLOS, Vinícius Gomes de. Barganha e Justiça Criminal Negocial: Análise das tendências de expansão dos espaços de consenso no Processo Penal brasileiro. São Paulo: Ibccrim, 2015, p. 55. [7] Idem. p. 88. [8] Ibidem. p. 49. [9] Ibidem. p. 85. [10] Crítica consistente ao jogo da barganha: ALSCHULER, Albert. W. Implementing the criminal defendant’s right to trial: alternatives the plea barganing system. University of Chicago Law Review, v. 50, n. 3, p. 931-1.050, 1983. VASCONCELLOS, Vinícius Gomes de. Barganha e Justiça Criminal Negocial: Análise das tendências de expansão dos espaços de consenso no Processo Penal brasileiro. São Paulo: Ibccrim, 2015, p. 73. [11] VASCONCELLOS, Vinícius Gomes de. Barganha e Justiça Criminal Negocial: Análise das tendências de expansão dos espaços de consenso no Processo Penal brasileiro. São Paulo: Ibccrim, 2015. p. 93. [12] Idem. p. 91. [13] Ibidem. p. 92. [14] BÊRNI, Duilio de Avila. Teoria dos Jogos: Jogos de estratégia, estratégia decisória, teoria da decisão. Rio de Janeiro: Reichmann & Affonso, 2004, p. 13 No xadrez existe o melhor jeito de jogar e não cabe o blefe. “Assim, ao centrarmos nosso interesse na interação estratégica, já eliminamos três caminhos: o da interação sincera, o dos jogos de azar e o dos jogos que têm melhor maneira de jogar. Interessa-nos a situação em que há interação entre agentes, sendo que a ação de alguns influencia o bem-estar dos demais, e vice-versa”.

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