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O mantra da verdade real nas provas da OAB e nos concursos

O artigo aborda a crítica à ideia de verdade real no processo penal e suas implicações em provas da OAB e concursos públicos. O autor, Alexandre Morais da Rosa, destaca a distinção entre verdade formal e material, evidenciando a impossibilidade de se conhecer toda a verdade e os riscos da crença ingênua na verdade absoluta. A discussão ressalta como essa crença pode influenciar a prática jurídica e moldar a atuação dos operadores do direito, levando à necessidade de revisão e questionamento dos pressupostos acerca da verdade no contexto judicial.

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As condições de possibilidade da produção dos regimes de verdade no processo penal devem ser problematizadas. É claro que os partidários da verdade fundante não entendem a crítica, até porque o mundo é o limite pelo qual foram adestrados. Logo, para eles, não faz sentido. E a grande, imensa maioria, é composta de togados e membros do Ministério Público. Não raro, se indagados, respondem: “A verdade é a Verdade”. São tautológicos e de uma ingenuidade filosófica obscena[3].

A distinção entre verdade formal e material demanda reconhecer em Kant[4] sua origem. Essa distinção entre duas formas de verdade forjou o mal-entendido. A verdade formal vinculava proposições a leis do pensamento, falseando a realidade, enquanto a segunda fundia essas percepções.

A teoria da história mostra que fatos tidos como verdadeiros são controvertidos e que a versão oficial pode se distanciar do que de fato ocorreu, embora nunca se possa colocar uma última e definitiva versão[5]. É claro que o processo, ao ser aparentemente retrospectivo[6] (mas é prospectivo), implica na escolha dos elementos mais interessantes, os quais restam sublinhados, incidindo o viés retrospectivo. Sempre, contudo, são parciais e representam interesses não ditos. É nos jogos de linguagem[7] que o significante probatório ganhará sentido no contexto em que é invocado.

A ilusão medieval da verdade real[8], quem sabe, parta da alucinação de que se pode saber tudo[9]. Aliás, o lema para se decidir com qualidade é: “Devemos saber tudo e saberemos”, lançando-se no mundo de investigação sem limites, nem regras. Afinal, em nome da verdade (do sujeito) tudo vale. O lugar do processo no contexto inquisitório é da ordem do estorvo.

A questão é que o regime de informações, ou melhor, o subjogo probatório — desenvolvido no livro Guia Compacto do Processo Penal conforme a Teoria dos Jogos[10] — também está regulado por lei e, com as sutilezas da linguagem, prenhe de enganos linguísticos. A aposta na imparcialidade do julgador seria o mecanismo garantidor da verificação, não fosse ilusório. Isso porque há uma impossibilidade em conhecer tudo, desde o lugar até o sujeito. O infinito que se pretende conhecer no processo judicial, em ato, somente pode acontecer em potência. Em outras palavras: o infinito de provas só é possível em potência, jamais em ato[11].

Aclarando a afirmação podemos dizer que, se quisermos conhecer todos os números naturais (1, 2, 3 e assim por diante), poderíamos começar nossa vida infantil e morreríamos sem chegar ao final. Aliás, qualquer pessoa ou mesmo computador jamais poderia chegar ao infinito. A objeção de que no processo penal não se opera com infinitos, mas sim com singulares, exigiria que antes se estabelecesse o conjunto dos significantes possíveis, mas isso é ilusório. Sempre pode aparecer uma nova prova, uma nova testemunha, um novo documento, uma mudança de declarações. Para propiciar essa abertura ao futuro é que a revisão criminal é prevista.

De outro lado, para que o processo penal tenha início, meio e fim, restringem-se as provas, sob pena de nunca se terminar. E se decide com o que é mostrado pelos jogadores, na fusão de horizontes de mapas mentais que o dispositivo do processo penal proporciona. Porém, o imaginário pode roubar a cena. O mantra da verdade real é o meio de enganar a coletividade e o próprio julgador de que pode estabelecer a verdade. E alguns deliram acreditando.

O mais bizarro é que, como professor de processo penal, digo aos acadêmicos que, se forem fazer provas da OAB ou de concursos e perguntarem se o princípio da verdade real informa o processo penal, devem enganar e responder sim. Afinal, eles gostam de ser enganados. Faz parte do jogo dos concursos públicos.

[1] WARAT, Luis Alberto. Introdução Geral ao Direito: a epistemologia jurídica da modernidade. Porto Alegre: Sérgio Fabris, 1995, p. 13: “Nas atividades cotidianas — teóricas, práticas e acadêmicas —, os juristas encontram-se fortemente influenciados por uma constelação de representações, imagens, pré-conceitos, crenças, ficções, habitus de censura enunciativa, metáforas, estereótipos e normas éticas que governam e disciplinam anonimamente seus atos de decisão e enunciação”. [2] TARUFFO, Michele. La prueba. Madrid: Marcial Pons, 2008, p. 26: “La idea de una verdad absoluta puede ser una hipótesis abstracta en um contexto filosófico amplio, pero no se puede sostener racionalmente que una verdad absoluta pueda y deba ser establecida en ningún dominio del conocimiento humano, y ni qué decir tiene del contexto judicial”. [3] PACELLI DE OLIVEIRA, Eugênio. Curso de Processo Penal. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010, p. 346: “Talvez o mal maior causado pelo citado princípio da verdade real tenha sido a disseminação de uma cultura inquisitiva, que terminou por atingir praticamente todos os órgãos estatais responsáveis pela persecução penal. Com efeito, a crença inabalável segundo a qual a verdade estava efetivamente ao alcance do Estado foi a responsável pela implantação da ideia acerca da necessidade inadiável de sua perseguição, como meta principal do processo penal. O aludido princípio, batizado como da verdade real, tinha incumbência de legitimar eventuais desvios das autoridades públicas, além de justificar a ampla iniciativa probatória reservada ao juiz em nosso processo penal. A expressão, como que portadora de de efeitos mágicos, autorizava uma atuação judicial supletiva e substitutiva da atuação ministerial (ou da acusação). Dissemos autorizava, no passado, por entendermos que, desde 1988, tal não é mais possível a igualdade a par conditio (paridade de armas), o contraditório e a ampla defesa, bem como a imparcialidade, de convicção e de atuação, do juiz, impedem-no”. [4] KANT, Emmanuel. Crítica da razão pura. Trad. J. Rodrigues de Merege. Rio de Janeiro: Ediouro, 2000. [5] GAGNEBIN, Jeanne Marie. História e Narração em Walter Benjamin. São Paulo: Perspectiva, 2009. [6] CASARA, Rubens R.R. Interpretação Retrospectiva: sociedade brasileira e processo penal. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2004. [7] WITTGENSTEIN. Ludwig. Investigações filosóficas. Trad. José Carlos Bruni. São Paulo: Nova Cultural, 1999, p. 53: “Mas então o emprego da palavra não está regulamentado; o ‘jogo’ que jogamos com ela não está regulamentado. Ele não está inteiramente limitado por regras; mas também não há nenhuma regra no tênis que prescreva até que altura é permitido lançar a bola nem com quanta força; mas o tênis é um jogo e também tem regras”. [8] ROQUE, Tatiana. História da Matemática. Zahar: Rio de Janeiro, 2014, p. 24: “Cada época acaba elaborando, sobre o passado, as histórias que se adaptam, de alguma forma, à visão que possui sobre si mesma”. [9] ÁVILA, Gustavo Noronha de; GUALAND, Dieter Mayrhofer; PIRES FILHO, Luiz Alberto Brasil Simões. A obsessão pela verdade e algumas de suas consequências para o processo penal. In: AZEVEDO, Rodrigo Ghiringhelli de; CARVALHO, Salo de. A crise no processo penal e as novas formas de administração da Justiça criminal. Porto Alegre: Notadez, 2006, p.43-44: “Acima de tudo, a verdade real é um mito, que deve ser desconstruído, e apenas serviu (e ainda serve) para justificar os atos abusivos praticados pelo Estado. Falar em verdade real é falar em algo absolutamente impossível de ser alcançado, a começar pela inexistência de verdades absolutas. A própria ciência encarregou-se de demonstrar isto. Ademais, não há que se esquecer que o crime é um fato histórico (para isso servem a prova e o próprio processo) é sempre minimalista e imperfeita”. [10] MORAIS DA ROSA, Alexandre. Guia Compacto do Processo Penal conforme a Teoria dos Jogos. Florianópolis: Empório do Direito, 2016. [11] Uma possível objeção religiosa e talvez que explique muito da pretensão divina dos julgadores é a apresentada pela Escolástica, segundo a qual o “infinito em ato” é um atributo exclusivo da Divindade (Legendre).

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