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Inquérito policial não pode ser meio de vingança pessoal

O artigo aborda a função do inquérito policial como uma ferramenta destinada à coleta de elementos informativos para verificar a materialidade e indícios de autoria de crimes, sem que sirva como meio de vingança pessoal. Destaca a importância de uma investigação impessoal, focada nos fatos e não em características pessoais dos envolvidos, e enfatiza a necessidade de imparcialidade para evitar abusos e garantir a integridade do Estado de Direito. Além disso, menciona que um inquérito bem conduzido deve ser a base para decisões judiciais justas, evitando direcionamentos de natureza tendenciosa.

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De início, duas considerações a respeito dessa regra legal. A primeira é que o inquérito policial não se destina, em regra, à formação de provas.[1] Buscam-se, na verdade, elementos informativos para análise da justa causa processual penal, isto é, verificação de materialidade criminosa e indícios de autoria. A segunda é que a cognição da investigação preliminar é limitada[2]; portanto não se produzem “todas as provas” (sic), mas os elementos informativos suficientes e necessários para a deflagração (ou não) de ação processual penal pelo respectivo legitimado (ativo).

Superadas essas questões preambulares, pode-se agora explorar o núcleo dessa previsão legal: o caráter factual da investigação criminal. O inquérito policial deve ser uma pesquisa técnico-jurídica a partir de uma notícia de fato supostamente criminoso, e não conforme eventuais pessoas assim implicadas na persecução penal. O foco está, ou melhor, deveria sempre estar na base fática (investigada), e não na rotulação pessoal (do investigado).

Isso pode parecer, à primeira vista, somente um jogo de palavras; contudo, a prática demonstra justamente o contrário. Se o órgão de investigação não tiver plena consciência de que o inquérito policial se destina, respeitados os limites normativos constitucionais e convencionais, à busca de evidências informativas concretas a respeito da notitia criminis (e suas circunstâncias), o risco de abuso é demasiadamente elevado.

Esse tipo de exigência metodológica investigativa mostra-se condizente com determinado modelo jurídico material, tido como menos irracional e violento, o direito penal do ato (ou do fato), em contraposição às ideais ligadas a um direito penal de autor.[3] Com efeito, num ambiente democrático, fundado no Estado de Direito, incumbe às agências públicas do sistema de persecução criminal sério compromisso com uma investigação criminal factual, e não por simples modos de vida, estilos de pensamento, estados políticos ou posicionamento ideológicos de quem quer que seja. Sem uma notícia de fato concreto aparentemente delitivo não há que se falar em qualquer investigação preliminar processual penal.

Importante frisar que o delegado de polícia, na condução do inquérito policial, tem o dever constitucional, a partir da garantia do devido procedimento legal, de agir com impessoalidade na busca por elementos de informação. Incumbe, portanto, ao órgão de investigação manter a mesma distância de quaisquer dos envolvidos no caso penal, em especial da vítima e do suspeito, bem como afastar-se de interesses parciais ou pretensões exclusivas dos sujeitos processuais.

Repita-se que ao longo do procedimento investigativo não se deve preterir (ou preferir) dados que sirvam ao esclarecimento da notícia de fato (e suas circunstâncias) apenas por serem favoráveis (ou desfavoráveis) ao imputado. Aliás, em diversas legislações estrangeiras, como a chilena[4] e a italiana[5], há expressa referência a esse dever ético e jurídico do Ministério Público enquanto responsável pela direção das investigações preliminares nesses sistemas, quando se fala, então, em um imperativo de “objetividade” [6] nessa instância persecutória criminal. A mesma lógica deve(ria) se aplicar, por aqui, no âmbito da Polícia Judiciária Investigativa, quanto ao modo de presidência (e condução) do inquérito policial.

Em suma, toda atividade oficial de coleta informativa preliminar a respeito de um possível fato delitivo deve buscar, nos limites da justa causa processual penal, os mais diferentes tipos de vestígios criminosos[7], sem qualquer parcialidade ou (uni)direcionamento apuratório. Justo porque, independente dos órgãos e sujeitos envolvidos, a investigação criminal deve ser, antes de qualquer coisa, uma pesquisa factual e comprometida com os parâmetros estritos do Estado de Direito. Do contrário, pura vingança individual travestida de investigação estatal.

[1] Conforme Badaró e Gomes Filho, “os elementos trazidos pela investigação não constituem, a rigor, provas no sentido técnico-processual do termo, mas informações de caráter provisório, aptas somente a subsidiar a formulação de uma acusação perante o juiz ou, ainda, servir de fundamento para admissão dessa acusação e, eventualmente, para a decretação de alguma medida de natureza cautelar” (BADARÓ, Gustavo Henrique Righi Ivahy; GOMES FILHO, Antônio Magalhães. Prova e Sucedâneos de Prova no Processo Penal Brasileiro. Revista Brasileira de Ciências Criminais. São Paulo, Revista dos Tribunais, n. 65, mar./abr. 2007, p. 193).

[2] MACHADO, Leonardo Marcondes. Introdução Crítica à Investigação Preliminar. 01 ed. Belo Horizonte: Editora D’Plácido, 2018, p. 103.

[3] O tradicional “direito penal de autor” supõe que a essência do delito reside em uma característica do sujeito criminoso, ou seja, o delito figura como “sintoma de um estado do autor, sempre inferior ao das demais pessoas consideradas normais”. Cite-se, ainda, um “novo” direito penal de autor “que, sob a forma de direito penal do risco, antecipa a tipicidade na direção de atos de tentativa e mesmo preparatórios”. Já o “direito penal do ato”, negando características ônticas que diferenciem os conflitos criminalizados de outras hipóteses conflitivas (não criminalizadas), estabelece limites importantes ao exercício da punição criminal como a exigência de que os fatos se restrinjam aos provocados por ações humanas, alcançadas pela criminalização primária e segundo as balizas culpabilidade pelo ato (ZAFFARONI, Eugenio Raúl; BATISTA, Nilo; ALAGIA, Alejandro; SLOKAR, Alejandro. Direito Penal Brasileiro: teoria geral do direito penal. v. 1. 03 ed. Rio de Janeiro: Revan, 2006, pp. 131 – 135).

[4] Constitución Política de la República de Chile. Art. 80-A. “Un organismo autónomo, jerarquizado, con el nombre de Ministerio Público, dirigirá en forma exclusiva la investigación de los hechos constitutivos de delitos, los que determinen la participación punible y los que acrediten la inocencia del imputado (…)” / Ley Organica Constitucional Del Ministerio Publico. Art. 3º. “En el ejercicio de su función, los fiscales del Ministerio Público adecuarán sus actos a un criterio objetivo, velando únicamente por la correcta aplicación de la ley. De acuerdo con ese criterio, deberán investigar con igual celo no sólo los hechos y circunstancias que funden o agraven la responsabilidad del imputado, sino también los que le eximan de ella, la extingan o la atenúen”.

[5] Codice di Procedura Penale. Art. 358. Attività di indagine del pubblico ministero. “1. Il pubblico ministero compie ogni attività necessaria ai fini indicati nell’articolo 326 e svolge altresì accertamenti su fatti e circostanze a favore della persona sottoposta alle indagini”.

[6] A partir do dever funcional de objetividade, tem-se que, no modelo chileno, los fiscales están obligados no sólo a indagar aquellos hechos relacionados con su propia estrategia de investigación, a partir de los antecedentes disponibles, sino también aquellos invocados por el imputado o su defensa para excluir, eximir o mitigar su responsabilidad penal” (LENNON, María Inés Horvitz; MASLE, Julián López. Derecho Procesal Penal Chileno. t. I. Santiago: Editorial Juridica de Chile, 2002, p. 453).

[7] FENOLL, Jordi Nieva. Fundamentos de Derecho Procesal Penal. Madrid: Edisofer/Buenos Aires:EditorialBdeF, 2012, p. 102.

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