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Gina Muniz: O direito do réu ao silêncio parcial

O artigo aborda o direito processual fundamental do réu ao silêncio parcial, discutindo como esse direito é garantido pela Constituição e convencionais do processo penal. A autora defende que o réu pode escolher quais perguntas responder, incluindo a opção de silenciar frente a determinadas indagações, sem que isso configure deslealdade processual. A análise critica decisões judiciais que negam esse direito, afirmando que tal postura fere princípios do contraditório e do devido processo legal.

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Recentemente, circulou nas redes sociais do país a gravação de uma suposta audiência na qual uma juíza, cuja identidade ou unidade jurisdicional são indiferentes para os fins do presente artigo, negou ao réu o direito de ser interrogado, diante da informação por ele prestada de que só responderia às perguntas formuladas por seu defensor. A negativa da magistrada foi (indevidamente) fundamentada no desrespeito ao contraditório e consequente inconstitucionalidade de um silêncio parcial do acusado [1].

O ponto nodal do presente artigo é justamente discorrer sobre a forma como esse depoimento pode ser prestado, em uma leitura constitucional e convencional do processo penal.

O acusado tem direito ao silêncio no que tange aos fatos que lhe são imputados. Esse direito encontra guarida no princípio nemo tenetur se detegere e também no princípio da presunção de inocência enquanto norma probatória, vez que é incumbência do órgão de acusação provar a culpa do acusado, mediante a produção de provas lícitas. Ademais, pontua-se que a presunção de inocência não configura posição de vantagem, mas, sim, de equilíbrio da relação jurisdicionado-Estado durante o iter da persecução penal [2].

O direito ao silêncio do réu pode ser exercido de forma total ou parcial. Ou seja, o acusado pode responder a todas as perguntas que lhe forem feitas pelos mais diversos agentes jurídicos (juiz, promotor, assistente de acusação e advogado do corréu) ou responder apenas aos questionamentos de um deles ou responder apenas algumas perguntas de cada um deles ou ainda permanecer calado (autodefesa negativa). O réu pode, inclusive, antes de responder qualquer indagação, consultar o seu advogado/defensor público sobre a conveniência de falar ou permanecer calado. Entende-se, inclusive, como deslealdade processual qualquer pressão ou coação exercida sobre o réu que opta por fazer uso do seu direito ao silêncio [3].

Dito de outro modo: o acusado pode responder apenas as perguntas que entender válidas para sua estratégia de defesa. Essa é a interpretação que resulta de uma leitura constitucional (artigo 5°, inciso LXIII da CF) e convencional (artigo 8.2, “g”, da Convenção Americana de Direitos Humanos) do artigo 186 do CPP. O acusado pode e inclusive deve, se for melhor para sua defesa, apenas responder as perguntas de seu defensor. Não se pode alegar o que o réu está agindo com deslealdade processual, pois não descumpre nenhum dever de colaboração simplesmente por exercer regularmente um direito que lhe é constitucionalmente garantido. Existem vozes a defender que nem deveria ser facultado ao juiz a possibilidade de fazer perguntas ao acusado, vez que o processo penal brasileiro é parametrizado pelo sistema acusatório [4].

Deve ainda ser assegurado ao acusado que a ausência de manifestação não pode ser juridicamente valorada em seu desfavor. Enfatiza-se, inclusive, que a falta de informação ao acusado sobre seu direito ao silêncio, o chamado Miranda Warnings, tem o condão de tornar ilícita a prova porventura produzida.

Frisa-se também que o direito ao silêncio vigora em toda a persecução penal, independentemente da natureza ou gravidade do crime apurado e a despeito do interesse social na repressão criminosa.

O direito ao silêncio não significa, todavia, que a defesa, na dimensão pessoal ou técnica, esteja impedida de produzir provas. Afinal, ao réu é reconhecida a qualidade de sujeito processual e, como leciona Costa Andrade:

“Só pode falar-se de um sujeito processual, com legitimidade para intervir com eficácia conformadora sobre o processo, quando o arguido persiste, por força de sua liberdade e responsabilidade, senhor de suas declarações, decidindo à margem de toda a coerção sobre se e como quer pronunciar-se” [5].

No caso em comento, a juíza apontou como afronta ao contraditório a opção do réu de responder apenas as perguntas de seu defensor. A bem da verdade, foi a decisão de negar a realização do interrogatório que feriu o princípio do contraditório, haja vista que o acusado foi impedido de rechaçar as provas apresentadas pela acusação no curso do processo. O interrogatório é o último ato processual justamente para assegurar ao réu a amplitude de sua defesa.

A magistrada considerou a opção pelo silêncio parcial do réu como inconstitucional. Houve uma inversão do viés axiológico-normativo, pois o que realmente configurou afronta aos mandamentos de nossa Carta Magna foi a sua decisão de privar o acusado de exercer amplamente seu direito à defesa, mormente quando o interrogatório é a expressão máxima do exercício da autodefesa. A única solução ao caso deve ser a decretação da nulidade do ato judicial.

O direito ao silêncio, assim como os demais direitos processuais fundamentais [6], embora seja, em regra, exercido individualmente, é previsto em benefício de todos. Destarte, é preciso ponderar que uma persecução penal justa e equilibrada é benéfica a toda a coletividade. Tão importante quanto a existência do processo penal é a forma como ele é desenvolvido, levando-se em consideração que — se entre as suas finalidades vigora a busca da verdade — objetiva, outrossim, a salvaguarda dos direitos fundamentais. A postura da referida juíza é uma afronta ao processo penal democrático e revela o autoritarismo que ainda impera na práxis da Justiça penal brasileira.

Referências bibliográficas ANDRADE, Manuel da Costa. Sobre as proibições de prova em processo penal. Reimpressão. Coimbra: Coimbra Editora, 2013.

CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito constitucional e teoria da Constituição. 7. Ed (17. Reimpressão). Coimbra: Almedina, 2003

CANOTILHO, J. J. Gomes; MOREIRA, Vital. Constituição da República Portuguesa Anotada. Volume I. 3 ed. Coimbra: Coimbra Editora, 1993.

LOPES JR, Aury. Direito Processual Penal. São Paulo: Saraiva, 2019

ROSA, Alexandre Morais da. Guia do Processo Penal conforme a teoria dos jogos. 6. ed. Florianópolis: Emais, 2020

[1] Infelizmente, não se trata de caso isolado no Brasil. É comum que alguns juízes e promotores tomem como afronta a escolha do réu por um silêncio parcial. A título de exemplo, citamos o processo n° 2007.01.1.122602-44, que tramitou na 1° Vara Criminal de Brasília, ocasião em que a juíza taxou de “silêncio seletivo” a tática defensiva do réu de não responder às perguntas da acusação.

[2] O princípio da presunção de inocência é especialmente importante quando se reconhece “uma radical desigualdade material de partida entre a acusação (normalmente apoiada no poder institucional do Estado) e a defesa”. Cf. CANOTILHO, J. J. Gomes; MOREIRA, Vital. Constituição da República Portuguesa Anotada. Volume I. 3 ed. Coimbra: Coimbra Editora, 1993, p. 202.

[3] LOPES JR, Aury. Direito Processual Penal. São Paulo: Saraiva, 2019, p.444-445.

[4] ROSA, Alexandre Morais da. Guia do Processo Penal conforme a teoria dos jogos. 6. ed. Florianópolis: Emais, 2020, p. 748.

[5] Cf. ANDRADE, Manuel da Costa. Sobre as proibições de prova em processo penal. Reimpressão. Coimbra: Coimbra Editora, 2013, p. 122.

[6] Expressão colhida em CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito constitucional e teoria da Constituição. 7. Ed (17. Reimpressão). Coimbra: Almedina, 2003, p. 446

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