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Coutinho e Medeiros: Improbidade, matéria penal e tribunais

O artigo aborda as recentes alterações introduzidas pela Lei nº 14.230/2021 na legislação sobre improbidade administrativa e sua interpretação pela jurisprudência dos tribunais superiores, especialmente o STF e o STJ. Ele explora as nuances da retroatividade das normas, a necessidade de comprovação de dolo para a tipificação dos atos de improbidade e as implicações da independência entre as esferas cíveis e penais. A análise revela um cenário de incerteza e conflito nas decisões judiciais, destacando a importância de um entendimento mais homogêneo para a segurança jurídica.

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Em outubro de 2021, com a entrada em vigor da Lei nº 14.230/2021, as regras aplicáveis aos casos e processos decorrentes da (suposta) prática de atos de improbidade (originalmente definidas pela Lei nº 8.429/1992) foram alteradas, substancialmente. Desde estão, a jurisprudência dos tribunais superiores, predisposta a orientar a interpretação do novo texto legal, vem sendo adaptada. Porém, de forma ainda oscilante.

Até agora, há decisões que terminam por conferir larga operatividade às mudanças implementadas, enquanto outras, restringiram-na. E o cenário de instabilidade — prejudicial à segurança jurídica — que a variabilidade jurisprudencial, sozinha, já costuma criar, aqui, fica agravada pelo fato de algumas dessas decisões serem conflitantes.

A análise pelo STF do leading case que resultou na consolidação do Tema nº 1.199, não foi longe ao ponto de abarcar todas as novas disposições, mais benéficas ao acusado, incorporadas pela Lei nº 14.230/2021 à LIA, tampouco encerrou a discussão acerca da (in)viabilidade de retroação de todas elas. As próprias teses, ao final, fixadas, assim sinalizam: “1) É necessária a comprovação de responsabilidade subjetiva para a tipificação dos atos de improbidade administrativa, exigindo-se — nos artigos 9º, 10 e 11 da LIA — a presença do elemento subjetivo – DOLO; 2) A norma benéfica da Lei 14.230/2021 — revogação da modalidade culposa do ato de improbidade administrativa —, é IRRETROATIVA, em virtude do artigo 5º, inciso XXXVI, da Constituição Federal, não tendo incidência em relação à eficácia da coisa julgada; nem tampouco durante o processo de execução das penas e seus incidentes; 3) A nova Lei 14.230/2021 aplica-se aos atos de improbidade administrativa culposos praticados na vigência do texto anterior da lei, porém sem condenação transitada em julgado, em virtude da revogação expressa do texto anterior; devendo o juízo competente analisar eventual dolo por parte do agente; 4) O novo regime prescricional previsto na Lei 14.230/2021 é IRRETROATIVO, aplicando-se os novos marcos temporais a partir da publicação da lei”.

Não há dúvida de que o STF, com isso, limitou bastante os efeitos que a plena incidência do artigo 5º, XL, da CR (“a lei penal não retroagirá, salvo para beneficiar o réu”), poderia alcançar dentro dos processos decorrentes de ações de improbidade, o que já deu margem a críticas. Sobretudo, porque o regime jurídico a que esses casos se submetem é conformado pelos princípios constitucionais do direito administrativo sancionador — os quais, basicamente, correspondem àqueles em face dos quais a Constituição assegura direitos específicos aos acusados em geral —, pressuposto que, aliás, ficou, pacificado após a reforma da LIA, com a inclusão no artigo 1º, do §4º (“[a]plicam-se ao sistema da improbidade disciplinado nesta Lei os princípios constitucionais do direito administrativo sancionador”).

Sem falar que o sentido de “lei penal”, para uma ordem jurídica fundada em valores axiológicos-normativos iguais àqueles consagrados no texto constitucional de 1988, não pode se fechar na literalidade de um termo. Ao contrário, ele (o sentido do texto legal) precisa assumir densidade material [1].

O STJ, nada obstante, foi além do que o STF já havia ido. Ao fim e ao cabo, ao resolver o AREsp nº 1877917 (supracitado), o STJ reduziu o espaço de aplicação da regra constitucional em questão a uma única hipótese de incidência, em casos de improbidade. É bem provável, de consequência, que essa discussão ainda ganhe novos desdobramentos. Mesmo porque, num outro julgamento recente — de caso análogo, mesmo não envolvendo atos de improbidade —, o próprio STJ entendeu cabível a retroação de lei mais benéfica, na esfera administrativo-sancionatória, defendendo, dentre outras coisas, “ser possível extrair do artigo 5º, XL, da Constituição da República princípio implícito do Direito Sancionatório, qual seja: a lei mais benéfica retroage. Isso porque, se até no caso de sanção penal, que é a mais grave das punições, a Lei Maior determina a retroação da lei mais benéfica, com razão é cabível a retroatividade da lei no caso de sanções menos graves, como a administrativa”. Trata-se do AgInst em REsp nº 2024133, decidido em março de 2023.

Por outro lado, em que pese o STF ter suspendido, no bojo da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 7236, a eficácia do §4º, do artigo 21, da LIA (com redação dada pela Lei nº 14.230/2021), um dos dispositivos que mais inovou (positivamente) no ordenamento, ampliando a margem de comunicabilidade/repercussão de decisões criminais sobre ações de improbidade referidas aos mesmos fatos [2], o STJ, na oportunidade em que teve chance de falar sobre o assunto, entendeu, reportando-se à Constituição, que esse ato (de suspensão) não atinge o ne bis in idem.

Tal decisão, também de março de 2023, foi firmada no âmbito de um recurso em Habeas Corpus — o RHC nº 173448, que versava sobre crimes contra a Administração Pública, logo, matéria penal —; e é emblemática em várias passagens, começando pela afirmação trazida no sentido de que “a independência das esferas tem por objetivo o exame particularizado do fato narrado, com base em cada ramo do direito, devendo as consequências cíveis e administrativas ser aferidas pelo juízo cível e as repercussões penais pelo Juízo criminal, dada a especialização de cada esfera”, sob a advertência de que, “[n]o entanto, as consequências jurídicas recaem sobre o mesmo fato”.

Na sequência, conclusões de extrema relevância são deduzidas. Dentre elas as seguintes: 1) “[n]essa linha de intelecção, não é possível que o dolo da conduta em si não esteja demonstrado no juízo cível e se revele no juízo penal, porquanto se trata do mesmo fato, na medida em que a ausência do requisito subjetivo provado interfere na caracterização da própria tipicidade do delito, mormente se se considera a doutrina finalista (que insere o elemento subjetivo no tipo), bem como que os fatos aduzidos na denúncia não admitem uma figura culposa, culminando-se, dessa forma em atipicidade, ensejadora do trancamento ora visado”; 2) “[t]rata-se de crime contra a Administração Pública, cuja especificidade recomenda atentar para o que decidido, sobre os fatos, na esfera cível. Ademais, deve se levar em consideração que o artigo 21, §4º, da Lei 8.429/1992, incluído pela Lei nº 14.230/2021, disciplina que ‘a absolvição criminal em ação que discuta os mesmos fatos, confirmada por decisão colegiada, impede o trâmite da ação da qual trata esta Lei, havendo comunicação com todos os fundamentos de absolvição previstos no artigo 386 do Decreto-Lei nº 3.689, de 3 de outubro de 1941 (Código de Processo Penal)’”; 3) “[a] suspensão do artigo 21, §4º, da Lei 8.429/1992, na redação dada pela Lei nº 14.230/2021 (ADI 7.236/DF) não atinge a vedação constitucional do ne bis in idem (…) e sem justa causa não há persecução penal”; 4) “[a]pesar de, pela letra da lei, o contrário não justificar o encerramento da ação penal, inevitável concluir que a absolvição na ação de improbidade administrativa, na hipótese dos autos, em virtude da ausência de dolo e da ausência de obtenção de vantagem indevida, esvazia a justa causa para manutenção da ação penal”.

Esse entendimento do STJ, mais do que alargar a operatividade da Lei nº 14.230/2023, prestigia à racionalidade subjacente a ela — refletida, senão em todos, em boa parte dos seus dispositivos —, empurrando na direção do desenvolvimento de uma dinâmica de atuação das instâncias persecutórias competentes mais integrada e menos propensa a incorrer em bis in idem, o que significa um grande avanço.

A real e profícua defesa da probidade, coisa da mais alta importância, passa muito mais pela racionalização das técnicas de intervenção punitivo-estatais e pelo respeito às regras (constitucionais) do jogo, do que pela insistência em manter aceso um discurso (retórico) de combate à impunidade e à corrupção. Isso, no fundo, promove a continuidade do emprego de métodos anacrônicos e de baixa sincronicidade com a lógica do sistema constitucional, com prejuízo a interesses e direitos individuais e coletivos. Por isto, almeja-se que a jurisprudência comece a andar, daqui para diante, mais em compasso com esses dois últimos julgados do STJ, do que com aqueles (do STJ e do STF) mencionados primeiro.

[1] Sobre o mesmo tema: https://www.conjur.com.br/2022-mai-20/limite-penal-retroatividade-lei-benigna-improbidade.

[2] E, vindo, assim, a permitir um início de ressignificação para a máxima da Independência entre as Instâncias, não raro empregada para justificar intoleráveis burlas à vedação ao bis in idem. Para uma análise mais aprofundada da questão, vide: https://www.cadernosdedereitoactual.es/ojs/index.php/cadernos/article/view/887

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