Artigos Conjur – Caso Ramagem mostra que Abin é o DOI-Codi da modernidade

Artigos Conjur
Artigos Conjur || Caso Ramagem mostra que Abi…Início / Conteúdos / Artigos / Conjur
Artigo || Artigos dos experts no Conjur

Caso Ramagem mostra que Abin é o DOI-Codi da modernidade

O artigo aborda a atuação da Agência Brasileira de Inteligência (Abin) em investigações criminais, criticando a usurpação de funções da polícia judiciária e ressaltando os perigos da violação de direitos fundamentais. O autor, Luís Guilherme Vieira, analisa o crescimento da criminalidade e a precariedade das informações oficiais, alertando que a confiabilidade das provas produzidas pela Abin compromete o devido processo penal. O texto também menciona a importância de respeitar a função constitucional de cada órgão no combate ao crime.

Artigo no Conjur

O ministro Ricardo Lewandowski sequer assumiu o Ministério da Justiça e já declarou que a sua prioridade será o enfrentamento das milícias, dos crimes organizados, do tráfico de entorpecentes etc.; enfim, é só mais um a ditar a mesmíssima precedência em sua agenda.

Em ano eleitoral, os pré-candidatos a prefeitos alvoroçados com o oportuno discurso de forte apelo popular espalham idênticas predominâncias, como se a temática estivesse no âmbito de suas atribuições.

A segurança pública foi um dos mais ferventes assuntos nas últimas eleições para presidente da República e governadores, diferindo a temática para resolver (sonho ou delírio?) ou minimizar o problema, postas sob óticas completamente díspares, não raro edificadas em solo arenoso.

Luís Guilherme Vieira tarja

Neste enfrentamento do discurso, a Agência Brasileira de Inteligência (Abin) não foi deslembrada, pelo contrário, foi apresentada como órgão que seria posto em atividade para tal desiderato usurpando, às escâncaras, às atribuições das autoridades policiais (e do Ministério Público, em face de decisão, que se discorda, do Pleno do Supremo Tribunal Federal).

Fato é que o exponencial crescimento da criminalidade (aparente, porque a maioria absoluta dos crimes não é registrada nas delegacias policiais; quiçá, registrada, não é investigada) nos últimos quase 40 anos só aumenta em proporções (mais que) geométricas e o horizonte longe está de ser avistado.

Os dados estatísticos não desmentem a assertiva. A título de ilustração, se se levar em conta somente o número de presos hoje no Brasil – independentemente de se questionar a sua legalidade; tirando os que respondem a processos em liberdade ou cumprindo medidas alternativas à prisão etc. – está na casa de 1 milhão. Ou seja: em 1995 o país tinha 150 mil e em 2024 cerca de 1 milhão [1]!

Desnecessário, pois, qualquer profissional em estatística para desvelar as incorretas informações divulgadas por agentes dos poderes públicos e replicadas, de maneira acrítica (talvez intencional) por parte da grande mídia e redes sociais. Enfim, as palavras os ventos levam, mas o verbo fica cravado nas pedras; os historiadores do futuro apontarão o fato sem pejo.

Alienígenas ao sistema processual Defendem, em clichês retóricos, o investimento na Abin (“que objetiva produzir e difundir conhecimentos às autoridades competentes [os chefes dos Poderes Executivos], relativos a fatos e situações que ocorram dentro e fora do território nacional, de imediata ou potencial influência sobre o processo decisório, a ação governamental e a salvaguarda da sociedade e do Estado”) e em contrainteligência (“que objetiva prevenir, detectar, obstruir e neutralizar a inteligência adversa e as ações que constituam ameaça à salvaguarda de dados, conhecimentos, pessoas, áreas e instalações de interesse da sociedade e do Estado”), como medida eficaz a combater a criminalidade, como se a agência, repita-se, detivesse tal atribuição – e, ainda que tivesse, haveria de ter dons mágicos.

A atuação da Abin em investigações criminais usurpa as funções da polícia judiciária em uma afronta à democracia. Além de partir de uma orientação deturpada do estabelecido na Constituição da República e no Código de Processo Penal, ao consentir com a investigação de crimes promovida por aqueles que deveriam atuar, preventivamente, em situações referentes a assuntos de segurança de ações governamentais, confere-se licitude/legitimidade à prova produzida por quem não detém atribuição vilipendiando, em decorrência, os direitos e as garantias da pessoa humana, mormente daquelas que se encontram arrastadas às mazelas de um processo penal, como pontificava Francesco Carnelutti.

O propósito de uma investigação criminal é justamente evitar acusações temerárias e/ou abusivas, considerado que o processo penal, se vier a ser inaugurado, tem como fundamento a preservação da instrumentalidade constitucional.

Ao se facultar que a Abin investigue crimes, sendo esse o lastro (ou um dos lastros) à propositura de processos penais, significa comentar que o Estado está autorizando, em desrespeito a Constituição, o que lhe é defeso, que alienígenas ao sistema processual investiguem crimes e produzam provas sem nenhum controle do Ministério Público e do Judiciário, este nas hipóteses de existir reserva de jurisdição, malferindo, inclusive, o sistema de custódia da prova no processo penal[2]; é um escárnio.

O inquérito policial, diferentemente, inicia-se após a prática do delito, com o objetivo de investigar os fatos, materializando-os, e individualizando a conduta do investigado, tudo devendo ser documentado e mediante o controle externo do Ministério Público.

Procedimento deve ser formal, documentado e acessível A sociedade tem que ter certeza de que no curso da investigação criminal não haverá abusos por parte do poder acusatório penal. Portanto, aquele há de atender ao interesse de eficácia dos direitos fundamentais dos cidadãos, de modo a evitar acusações e processos infundados e/ou temerários; neste campo não vige o vale-tudo; ao revés, o vale-tudo pode levar os contendores a responsabilização administrativa punitiva, a inquérito policial, a ação de improbidade e de danos moral e materiais.

Daí a importância de que o inquérito policial seja conduzido a partir de um procedimento formal, documentado e acessível ao investigado e ao seu advogado. O filtro processual contra as provas ilícitas ou ilegítimas depende, como leciona Geraldo Prado [3], justamente possibilitar o rastreio das provas à sua fonte de origem; não sendo assim, sucumbirá à paridade de armas e demais princípios constitucionais tão caros ao devido processo penal.

Contrainteligência não se confunde com investigação criminal A Abin é o órgão central do Sistema Brasileiro de Inteligência (Lei 9.883/1999) e tem por finalidade fornecer ao presidente da República informações e análises estratégicas, oportunas e confiáveis, necessárias ao exercício das respectivas funções, mirando que políticas públicas sejam implementadas e postas a serviço da soberania nacional.

Na literalidade do artigo 4º da precitada lei, compete a Abin: (i) planejar e executar ações, inclusive sigilosas, relativas à obtenção e análise de dados para a produção de conhecimentos destinados a assessorar o presidente da República; (ii) planejar e executar a proteção de conhecimentos sensíveis, relativos aos interesses e à segurança do Estado e da sociedade; (iii) avaliar as ameaças, internas e externas, à ordem constitucional; e (iv) promover o desenvolvimento de recursos humanos e da doutrina de inteligência, e realizar estudos e pesquisas para o exercício e aprimoramento dessa atividade intelectiva.

Os procedimentos de construção e maturação das atividades de inteligência e de contrainteligência não se confundem com uma investigação criminal, pois enquanto esta procura elucidar crimes, aquelas visam, preventivamente, conhecer os atores e os fenômenos mais abrangentes, dados indispensáveis ao processo decisório do chefe de Estado, para que políticas públicas mais eficazes possam ser desenhadas e implementadas.

Afinal, não deve o Judiciário, mesmo sendo confrontado com situação fático-jurídica de expansão dos métodos ocultos de investigação, por mais graves e rumorosos sejam os crimes, aquiescer diante de violação a direitos e garantias fundamentais. Não deve o Judiciário, com receio de desagradar a opinião pública, validar provas produzidas por quem, constitucionalmente, não detém atribuição.

O caso que envolve o ex-diretor da Abin, Alexandre Ramagem, poderá ser, espera-se, um divisor de águas nos desvios de função e crimes perpetrados amiúde por agentes da agência para atender os mais espúrios interesses que não são os da nação brasileira, devendo ser a ele assegurados todos os seus direitos e garantias constitucionais. Não há de ter revanchismo e os meios jamais justificarão os fins em um Estado Democrático de Direito.

[1] Nova Lei de Drogas: cadeia para quem precisa de cadeia. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2022-nov-09/luis-guilherme-vieira-cadeia-quem-cadeia/. Acessado em: 26/1/2023.

[2] PRADO, Geraldo. A Cadeia de Custódia da Prova no Processo Penal. São Paulo: Marcial Pons, 2019.

[3] Idem.

Referências

Relacionados || Outros conteúdos desse assunto
    Mais artigos || Outros conteúdos desse tipo
      Luis Guilherme Vieira || Mais conteúdos do expert
        Acesso Completo! || Tenha acesso aos conteúdos e ferramentas exclusivas

        Comunidade Criminal Player

        Elabore sua melhor defesa com apoio dos maiores nomes do Direito Criminal!

        Junte-se aos mais de 1.000 membros da maior comunidade digital de advocacia criminal no Brasil. Experimente o ecossistema que já transforma a prática de advogados em todo o país, com mais de 5.000 conteúdos estratégicos e ferramentas avançadas de IA.

        Converse com IAs treinadas nos acervos de Aury Lopes Jr, Alexandre Morais da Rosa, Rodrigo Faucz, Gabriel Bulhões, Cristiano Maronna e outros gigantes da área. Explore jurisprudência do STJ com busca inteligente, análise de ANPP, depoimentos e muito mais. Tudo com base em fontes reais e verificadas.

        Ferramentas Criminal Player

        Ferramentas de IA para estratégias defensivas avançadas

        • IAs dos Experts: Consulte as estratégias de Aury Lopes Jr, Alexandre Morais da Rosa, Rodrigo Faucz, Gabriel Bulhões e outros grandes nomes por meio de IAs treinadas em seus acervos
        • IAs de Jurisprudência: Busque precedentes com IAs semânticas em uma base exclusiva com mais de 200 mil acórdãos do STJ, filtrados por ministro relator ou tema
        • Ferramentas para criminalistas: Use IA para aplicar IRAC em decisões, interpretar depoimentos com CBCA e avaliar ANPP com precisão e rapidez
        Ferramentas Criminal Player

        Por que essas ferramentas da Criminal Player são diferentes?

        • GPT-4 com curadoria jurídica: Utilizamos IA de última geração, ajustada para respostas precisas, estratégicas e alinhadas à prática penal
        • Fontes verificadas e linkadas: Sempre que um precedente é citado, mostramos o link direto para a decisão original no site do tribunal. Transparência total, sem risco de alucinações
        • Base de conhecimento fechada: A IA responde apenas com conteúdos selecionados da Criminal Player, garantindo fidelidade à metodologia dos nossos especialistas
        • Respostas com visão estratégica: As interações são treinadas para seguir o raciocínio dos experts e adaptar-se à realidade do caso
        • Fácil de usar, rápido de aplicar: Acesso prático, linguagem clara e sem necessidade de dominar técnicas complexas de IA
        Comunidade Criminal Player

        Mais de 5.000 conteúdos para transformar sua atuação!

        • Curso Teoria dos Jogos e Processo Penal Estratégico: Com Alexandre Morais da Rosa e essencial para quem busca estratégia aplicada no processo penal
        • Curso Defesa em Alta Performance: Conteúdo do projeto Defesa Solidária, agora exclusivo na Criminal Player
        • Aulas ao vivo e gravadas toda semana: Com os maiores nomes do Direito Criminal e Processo Penal
        • Acervo com 130+ Experts: Aulas, artigos, vídeos, indicações de livros e materiais para todas as fases da defesa
        • IA de Conteúdos: Acesso a todo o acervo e sugestão de conteúdos relevantes para a sua necessidade
        Comunidade Criminal Player

        A força da maior comunidade digital para criminalistas

        • Ambiente de apoio real: Conecte-se com colegas em fóruns e grupos no WhatsApp para discutir casos, compartilhar estratégias e trocar experiências em tempo real
        • Eventos presenciais exclusivos: Participe de imersões, congressos e experiências ao lado de Aury Lopes Jr, Alexandre Morais da Rosa e outros grandes nomes do Direito
        • Benefícios para membros: Assinantes têm acesso antecipado, descontos e vantagens exclusivas nos eventos da comunidade

        Assine e tenha acesso completo!

        • 75+ ferramentas de IA para estratégias jurídicas com base em experts e jurisprudência real
        • Busca inteligente em precedentes e legislações, com links diretos para as fontes oficiais
        • Curso de Alexandre Morais da Rosa sobre Teoria dos Jogos e Processo Penal Estratégico
        • Curso Defesa em Alta Performance com Jader Marques, Kakay, Min. Rogério Schietti, Faucz e outros
        • 5.000+ conteúdos exclusivos com aulas ao vivo, aulas gravadas, grupos de estudo e muito mais
        • Fóruns e grupos no WhatsApp para discutir casos e trocar experiências com outros criminalistas
        • Condições especiais em eventos presenciais, imersões e congressos com grandes nomes do Direito
        Assinatura Criminal Player MensalAssinatura Criminal Player SemestralAssinatura Criminal Player Anual

        Para mais detalhes sobre os planos, fale com nosso atendimento.

        Quero testar antes

        Faça seu cadastro como visitante e teste GRÁTIS por 7 dias

        • Ferramentas de IA com experts e jurisprudência do STJ
        • Aulas ao vivo com grandes nomes do Direito Criminal
        • Acesso aos conteúdos abertos da comunidade

        Já sou visitante

        Se você já é visitante e quer experimentar GRÁTIS por 7 dias as ferramentas, solicite seu acesso.