Artigos Empório do Direito – Rocinha: quem é o dono do morro? – por fernanda mambrini rudolfo

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Rocinha: quem é o dono do morro? – por fernanda mambrini rudolfo

O artigo aborda a complexa situação da Rocinha, refletindo sobre a violência e o papel do Estado na comunidade. A autora, Fernanda Mambrini Rudolfo, questiona a legitimidade das ações policiais e a omissão do Estado em relação às necessidades dos moradores, enfatizando que as medidas repressivas não são soluções efetivas, mas sim uma violação de direitos. Além disso, discute a hipocrisia do Estado ao clamar ser “o Dono do Morro” sem atuar de maneira responsável e justa com a população vulnerável.

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Nos últimos dias, os holofotes se voltaram à Rocinha e à violência que assola a comunidade carioca. Os espectadores da mídia sensacionalista brasileira se depararam com imagens que demonizavam boa parte dos moradores dessa verdadeira cidade incrustada no Rio de Janeiro e tornavam imaculado o Estado policial.

Passou-se a comemorar notícias como “Policiais do Batalhão de Polícia de Choque começaram a atuar na Rocinha”, “Policiais do BOPE iniciaram atuação na Rocinha e policiais do Batalhão de Ações com Cães no Vidigal”, “A PM reforçou o cerco à comunidade em todos os seus acessos”, “Policiais de outras UPPs e do Batalhão de Policiamento em Grandes Eventos reforçaram a segurança na região”, “Exército começará a atuar no entorno da Rocinha”. Será que tais anúncios são realmente dignos de comemoração?

Por que se enaltecem atos de violência em relação a populações em situação de tamanha vulnerabilidade, em detrimento de lutar por mais direitos às pessoas que vivem nesses locais? Ou se há de crer que as carências enfrentadas pelos moradores nada têm a ver com os altos índices de violência que se verificam? Trata-se de mera coincidência que a criminalidade (ou melhor, a criminalização) se dê com muito mais relevo em comunidades carentes? Certamente, não. E, nesses casos, em que o Estado permanece em total inércia durante quase todo o tempo, permitindo que os cidadãos fiquem abandonados à própria sorte – ou ao próprio azar –, tem-se a audácia de comemorar a atuação de tropas de choque (o próprio nome indica a que verdadeiramente servem) e das Forças Armadas (absolutamente despreparadas para conflitos como tais)?

Mesmo em épocas de suposta normalidade, o único braço estatal que alcança essas pessoas é o policial. E não como algo positivo, muito pelo contrário. Vejam-se, por exemplo, as UPPs – Unidades de Polícia Pacificadora. Em que circunstâncias agentes de polícia podem/conseguem atuar com finalidade pacificadora? Isso, mormente quando se trata de comunidades vulneráveis. Aliás, se a ideia fosse tão boa, certamente haveria UPPs no Leblon, não na Rocinha.

E não se está aqui a falar nada que não seja reconhecido pela própria corporação. Há cerca de um mês, o novo comandante da Rota, tropa de elite da Polícia Militar de São Paulo, afirmou em entrevista que abordagem nos Jardins (bairro “nobre” da cidade) tem que ser diferente da periferia[1]. Sem qualquer vergonha. Essa é a realidade não só em São Paulo, mas em todos os demais Estados da Federação. E, nesse contexto, espera-se que o povo (re)aja como?

Não estou aqui a sustentar a legitimidade de muitos dos atos praticados, mas a dividir a responsabilidade deles entre várias autoridades que apenas apontam dedos e lançam sentenças condenatórias. Muito fácil julgar, imputando todo o ônus à parte mais fraca, àquelas pessoas que cresceram sem saúde, sem educação, sem lazer, convivendo com a atuação de agentes estatais corruptos, sofrendo as mais diversas violações de direitos. Difícil é reconhecer que o Estado – por meio de seus representantes – também é responsável, e muito.

Por isso, de nada adianta investir em tropas de elite e armamento de guerra – pelo contrário, isso caracteriza apenas mais violações de direitos –, se não se começa a ver que são famílias que vivem naquelas casas, que são filhos que caminham por aquelas ruas, que são mães que choram por aqueles corpos.

Misha Glenny narrou, na obra O Dono do Morro – Um homem e a batalha pelo Rio, como Antônio se tornou Nem da Rocinha. Narrou um pouco do surgimento e do desenvolvimento dessa comunidade, vítima de tanta estigmatização e tanto preconceito, mas, acima de tudo, do descaso estatal. Não à toa lideranças comunitárias se destacam com tanta facilidade, ainda que ligadas à prática de condutas criminalizadas.

De repente, apenas porque os “inconvenientes” começam a agir de modo que passa a atrapalhar além do admitido, o Estado lembra que aquele território também é seu e quer passar a ser o “Dono do Morro”, só que não faz o dever de casa. Então, conclui que só agir com mais violência resolve. Um Estado policialesco, que legitima penas de morte aplicadas pela própria polícia, que admite a seletividade do sistema e nem sequer busca superá-la, que vê sua população carcerária crescendo exponencialmente, já a terceira maior do mundo[2]. Por outro lado, a violência não diminui. Algo parece errado nessa equação, não?

Então, volta-se à pergunta inicial. Há algo a comemorar na atuação estatal? Definitivamente, não. Ao contrário do que se sustenta, não se está a proteger o povo, mas a violar ainda mais direitos. O Estado está preocupado apenas com uma parcela da população, não com aquelas pessoas em situação de vulnerabilidade, as que verdadeiramente precisam da sua ampla proteção. O Estado só está brincando de ser o Dono do Morro.

Notas e Referências:

[1] https://noticias.uol.com.br/cotidiano/ultimas-noticias/2017/08/24/abordagem-no-jardins-e-na-periferia-tem-de-ser-diferente-diz-novo-comandante-da-rota.htm

[2] http://www.justica.gov.br/noticias/mj-divulgara-novo-relatorio-do-infopen-nesta-terca-feira/relatorio-depen-versao-web.pdf

Imagem Ilustrativa do Post: Introducing Rocinha // Foto de: Fabio Venni // Sem alterações

Disponível em: https://www.flickr.com/photos/fabiovenni/320554141

Licença de uso: http://creativecommons.org/licenses/by/4.0/legalcode

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