Artigos Empório do Direito – In dubio pro justitia socialis e a legitimidade no processo coletivo: elementos para a aferição da legitimidade ministerial e defensorial na 2ª onda de acesso à justiça

Artigos Empório do Direito
Artigos Empório do Direito || In dubio pro justitia socia…Início / Conteúdos / Artigos / Empório do Direito
Artigo || Artigos no Empório do Direito

In dubio pro justitia socialis e a legitimidade no processo coletivo: elementos para a aferição da legitimidade ministerial e defensorial na 2ª onda de acesso à justiça

O artigo aborda a legitimidade no processo coletivo, discutindo a atuação do Ministério Público e da Defensoria Pública frente às críticas que enfrentam e à importância de garantir o acesso à Justiça. Examina a possibilidade de controle judicial da legitimidade coletiva na Ação Civil Pública e propõe a adoção do princípio in dubio pro justitia socialis como forma de fortalecer a legitimidade desses atores no contexto da 2ª onda de acesso à Justiça. Em última análise, defende que a relevância social dos direitos tratados deve pautar a legitimidade nas ações coletivas, assegurando a efetividade da Justiça social.

Artigo no Empório do Direito

As discussões sobre a legitimidade coletiva costumam despertar bons debates judiciais e acadêmicos, mormente quanto aos agentes públicos legitimados. A contenda se inicia na definição do controle da legitimidade em Ação Civil Pública, se ope legis – bastando a manifesta vontade da legislação –, ou ope iudicis, na qual seria cabível o controle judicial da legitimidade coletiva.

Há tempos, o Ministério Público e a Defensoria Pública sofrem ataques antidemocráticos em sua legitimidade coletiva por parte dos interessados em sua não atuação coletiva. Os argumentos contrários são em vários sentidos: impossibilidade de defesa de direitos individualmente disponíveis por parte de um; impossibilidade de aferição da hipossuficiência econômica concreta no outro caso. Porém, todos os argumentos contrários às referidas legitimações coletivas são também contrários à chamada “2ª onda de acesso à Justiça”, à Jurisdição de direitos coletivos, de Mauro Cappelletti e Bryant Garth.

À luz do inciso XXXV, do artigo 5º, da Constituição, é preciso garantir a inafastabilidade do controle jurisdicional em relação aos direitos coletivos. Nesse sentido, é imperioso indicar um eixo legitimador do atuar ministerial e defensorial coletivo para que o acesso à justiça coletiva por atores processuais públicos não caia em desuso, descrédito ou limitações indevidas.

Nesse passo, já há algum tempo, o Judiciário evita afastar a legitimidade ministerial – mesmo em se tratando de direitos individuais homogêneos disponíveis. Assim sucedeu, por exemplo, quando o Supremo Tribunal Federal garantiu a legitimidade ao Ministério Público para o trato de questões indenizatórias de DPVAT. Reformando decisão do Superior Tribunal de Justiça (AgRg nos EREsp nº 855.165-GO), concluiu o STF que “[…] a lesão desses interesses individuais acaba não apenas atingindo a esfera jurídica dos titulares do direito individualmente considerados, mas também comprometendo bens, institutos ou valores jurídicos superiores, cuja preservação é cara a uma comunidade maior de pessoas. Em casos tais, a tutela jurisdicional desses direitos se reveste de interesse social qualificado, o que legitima a propositura da ação pelo Ministério Público […]” (RE nº 631.111-GO, DJe 30.10.14).

Ademais, admitiu-se também – desta feita no âmbito do STJ –, a legitimidade ministerial em ação coletiva benéfica a moradores de condomínio certo e identificado (AgRg no AREsp nº 562.857-RS, DJe 17.11.14), graças à relevância do bem jurídico sub judice. Destarte, a relevância social do bem sub judice no processo coletivo é questão que deve e pode delinear a legitimidade na segunda onda de acesso à Justiça.

Com efeito, em relação à Defensoria Pública não tem sido diferente. Em primeiro plano, é preciso sobrelevar o julgamento da ADI n. 3943 (STF), em 7/5/2015, na qual o Supremo Tribunal Federal julgou totalmente improcedente a ADI que almejava afastar ou limitar a legitimidade defensorial coletiva. Assim, há tendência à leitura mais ampliativa da retrocitada legitimidade ativa. Com a mesma razão, assinalou Cássio Scarpinella Bueno (2013, p. 192): “Trata-se, em última análise, do mesmo entendimento que reconhece ao Ministério Público ampla legitimidade ativa para agir no âmbito do ‘direito processual coletivo’, sem que isto, por si só, signifique qualquer mácula ao reconhecimento da legitimidade da Defensoria Pública, ou, até mesmo, da Advocacia Privada”.

Noutro âmbito, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) – em decisões constitucionalizadas pelo inciso XXXV do art. 5º da Constituição –, posicionou-se no mesmo sentido: “[…]. 6. ‘É imperioso reiterar, conforme precedentes do Superior Tribunal de Justiça, que a legitimatio ad causam da Defensoria Pública para intentar ação civil pública na defesa de interesses transindividuais de hipossuficientes é reconhecida antes mesmo do advento da Lei nº 11.448/07, dada a relevância social (e jurídica) do direito que se pretende tutelar e do próprio fim do ordenamento jurídico brasileiro: assegurar a dignidade da pessoa humana, entendida como núcleo central dos direitos fundamentais’ (REsp nº 1.106.515-MG, Primeira Turma, Rel. Min. Arnaldo Esteves Lima, DJe 02.02.11). […]”. (REsp nº 1.264.116-RS, 2ª Turma, Rel. Min. HERMAN BENJAMIN, DJe 13.04.12.)

E ainda: “[…]. Ação Civil Pública. Defesa coletiva dos consumidores. […] Interesses individuais homogêneos. Legitimidade ativa do órgão especializado vinculado à Defensoria Pública do Estado. […]. III – Reconhecida arelevância social, ainda que se trate de direitos essencialmente individuais, vislumbra-se o interesse da sociedade na solução coletiva do litígio, seja como forma de atender às políticas judiciárias no sentido de se propiciar a defesa plena do consumidor, com a consequente facilitação ao acesso à Justiça, seja para garantir a segurança jurídica em tema de extrema relevância, evitando-se a existência de decisões conflitantes. Recurso especial provido.” (STJ, REsp nº 555.111-RJ, 3ª T., Rel. Min. CASTRO FILHO, DJ 18.12.06.)

Nessa esteira, em caso de adoção judicial da teoria do controle ope iudicis da legitimidade coletiva, questiona-se: se houver dúvida acerca da legitimidade ministerial ou defensorial (e de qualquer outro legitimado coletivo) e sobre a relevância social dos direitos demandados em Juízo, qual seria o critério a ser utilizado pelo Poder Judiciário para solucionar a problemática?

Pois bem, defende-se como resposta adequada à indagação supracitada, a adoção do princípio in dubio pro justitia socialis aplicada à solução de dúvida acerca da legitimidade coletiva (MAIA, 2015, p. 42-45) – na dúvida, em favor do acesso à 2ª onda de acesso à Justiça e da busca por efetividade da Justiça Social. Tal princípio fora usado inicialmente pela Suprema Corte Argentina, em 13 de setembro de 1974, no contexto da aplicação de direitos sociais – por essa razão, entende-se por sua aplicabilidade também quanto à solução de dúvidas sobre a legitimidade coletiva quando em discussão direitos sociais da população.

Oportunamente, compreende-se que a ideia de aplicação do princípio in dubio pro Justitia Socialis já foi adotada implicitamente pelo STJ no Recurso Especial nº 931.513-RS, com acórdão relatado pelo Ministro Herman Benjamin – conforme a seguinte redação: “[…]. 1. Quanto mais democrática uma sociedade, maior e mais livre deve ser o grau de acesso aos Tribunais que se espera seja garantido pela Constituição e pela lei à pessoa, individual ou coletivamente. 2. Na Ação Civil Pública, em caso de dúvida sobre a legitimação para agir de sujeito intermediário – Ministério Público, Defensoria Pública e associações, p. ex. –, sobretudo se estiver em jogo a dignidade da pessoa humana, o juiz deve optar por reconhecê-la e, assim, abrir as portas para a solução judicial de litígios que, a ser diferente, jamais veriam seu dia na Corte. […]. (Primeira Seção, DJe 27.09.10.)”

Com efeito, a aplicação do princípio in dubio pro justitia socialis também findará por garantir a proibição do retrocesso quanto ao tema da legitimação coletiva dos atores públicos do processo coletivo – sentido em que apontam Didier Jr. e Zaneti Jr. (2014, p. 196): “Incide, no caso, o princípio da proibição do retrocesso toda vez que a lei legitime mais de um representante adequado para o ajuizamento da ação coletiva. Essa é a vontade da Constituição […]”.

Por fim, entende-se que a adoção da relevância social do direito coletivo sub judice ao lado do princípio in dubio pro justitia socialis poderá garantir mais efetividade à 2ª onda de acesso à Justiça e assim também maior legitimidade democrática aos debates judiciários acerca das soluções judiciais para temáticas relevantes à sociedade e às comunidades brasileiras – evitando-se o retrocesso social quanto à 2ª onda renovatória de acesso à Justiça.

Gostou do Artigo????

Leia outros texto do Colunista aqui

Notas e Referências:

BUENO, Cássio Scarpinella. Curso sistematizado de Direito Processual. V. 2. T. III. São Paulo: Saraiva, 2013.

CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryant. Acesso à Justiça. Tradução Ellen Gracie Northfleet. Porto Alegre: Fabris, 1988.

DIDIER JR., Fredie; ZANETI JR., Hermes. Curso de Direito Processual Civil. 9. ed. V. 4. Salvador: Jus Podivm, 2014.

MAIA, Maurilio Casas. Os necessitados de Carnelutti e o mito de Sísifo: a (i)legitimidade coletiva da Defensoria Pública para a tutela dos encarcerados, Revista Jurídica Consulex, Brasília (DF), v. 436, p. 42-45, 15 mar. 2015.

Maurilio Casas Maia é Mestre em Ciências Jurídicas pela Universidade Federal da Paraíba (UFPB). Pós-Graduado lato sensu em Direito Público: Constitucional e Administrativo; Direitos Civil e Processual Civil. Professor de carreira da Universidade Federal do Amazonas (UFAM) e Defensor Público (DPE-AM).

Email: [email protected]

Imagem Ilustrativa do Post: Group of men in the street holding signs in English and Yiddish // Foto de: Kheel Center // Sem alterações

Disponível em: https://www.flickr.com/photos/kheelcenter/5279161893

Licença de uso: http://creativecommons.org/licenses/by/4.0/legalcode

Referências

Relacionados || Outros conteúdos desse assunto
    Mais artigos || Outros conteúdos desse tipo
      Maurilio Casas Maia || Mais conteúdos do expert
        Acesso Completo! || Tenha acesso aos conteúdos e ferramentas exclusivas

        Comunidade Criminal Player

        Elabore sua melhor defesa com apoio dos maiores nomes do Direito Criminal!

        Junte-se aos mais de 1.000 membros da maior comunidade digital de advocacia criminal no Brasil. Experimente o ecossistema que já transforma a prática de advogados em todo o país, com mais de 5.000 conteúdos estratégicos e ferramentas avançadas de IA.

        Converse com IAs treinadas nos acervos de Aury Lopes Jr, Alexandre Morais da Rosa, Rodrigo Faucz, Gabriel Bulhões, Cristiano Maronna e outros gigantes da área. Explore jurisprudência do STJ com busca inteligente, análise de ANPP, depoimentos e muito mais. Tudo com base em fontes reais e verificadas.

        Ferramentas Criminal Player

        Ferramentas de IA para estratégias defensivas avançadas

        • IAs dos Experts: Consulte as estratégias de Aury Lopes Jr, Alexandre Morais da Rosa, Rodrigo Faucz, Gabriel Bulhões e outros grandes nomes por meio de IAs treinadas em seus acervos
        • IAs de Jurisprudência: Busque precedentes com IAs semânticas em uma base exclusiva com mais de 200 mil acórdãos do STJ, filtrados por ministro relator ou tema
        • Ferramentas para criminalistas: Use IA para aplicar IRAC em decisões, interpretar depoimentos com CBCA e avaliar ANPP com precisão e rapidez
        Ferramentas Criminal Player

        Por que essas ferramentas da Criminal Player são diferentes?

        • GPT-4 com curadoria jurídica: Utilizamos IA de última geração, ajustada para respostas precisas, estratégicas e alinhadas à prática penal
        • Fontes verificadas e linkadas: Sempre que um precedente é citado, mostramos o link direto para a decisão original no site do tribunal. Transparência total, sem risco de alucinações
        • Base de conhecimento fechada: A IA responde apenas com conteúdos selecionados da Criminal Player, garantindo fidelidade à metodologia dos nossos especialistas
        • Respostas com visão estratégica: As interações são treinadas para seguir o raciocínio dos experts e adaptar-se à realidade do caso
        • Fácil de usar, rápido de aplicar: Acesso prático, linguagem clara e sem necessidade de dominar técnicas complexas de IA
        Comunidade Criminal Player

        Mais de 5.000 conteúdos para transformar sua atuação!

        • Curso Teoria dos Jogos e Processo Penal Estratégico: Com Alexandre Morais da Rosa e essencial para quem busca estratégia aplicada no processo penal
        • Curso Defesa em Alta Performance: Conteúdo do projeto Defesa Solidária, agora exclusivo na Criminal Player
        • Aulas ao vivo e gravadas toda semana: Com os maiores nomes do Direito Criminal e Processo Penal
        • Acervo com 130+ Experts: Aulas, artigos, vídeos, indicações de livros e materiais para todas as fases da defesa
        • IA de Conteúdos: Acesso a todo o acervo e sugestão de conteúdos relevantes para a sua necessidade
        Comunidade Criminal Player

        A força da maior comunidade digital para criminalistas

        • Ambiente de apoio real: Conecte-se com colegas em fóruns e grupos no WhatsApp para discutir casos, compartilhar estratégias e trocar experiências em tempo real
        • Eventos presenciais exclusivos: Participe de imersões, congressos e experiências ao lado de Aury Lopes Jr, Alexandre Morais da Rosa e outros grandes nomes do Direito
        • Benefícios para membros: Assinantes têm acesso antecipado, descontos e vantagens exclusivas nos eventos da comunidade

        Assine e tenha acesso completo!

        • 75+ ferramentas de IA para estratégias jurídicas com base em experts e jurisprudência real
        • Busca inteligente em precedentes e legislações, com links diretos para as fontes oficiais
        • Curso de Alexandre Morais da Rosa sobre Teoria dos Jogos e Processo Penal Estratégico
        • Curso Defesa em Alta Performance com Jader Marques, Kakay, Min. Rogério Schietti, Faucz e outros
        • 5.000+ conteúdos exclusivos com aulas ao vivo, aulas gravadas, grupos de estudo e muito mais
        • Fóruns e grupos no WhatsApp para discutir casos e trocar experiências com outros criminalistas
        • Condições especiais em eventos presenciais, imersões e congressos com grandes nomes do Direito
        Assinatura Criminal Player MensalAssinatura Criminal Player SemestralAssinatura Criminal Player Anual

        Para mais detalhes sobre os planos, fale com nosso atendimento.

        Quero testar antes

        Faça seu cadastro como visitante e teste GRÁTIS por 7 dias

        • Ferramentas de IA com experts e jurisprudência do STJ
        • Aulas ao vivo com grandes nomes do Direito Criminal
        • Acesso aos conteúdos abertos da comunidade

        Já sou visitante

        Se você já é visitante e quer experimentar GRÁTIS por 7 dias as ferramentas, solicite seu acesso.