Artigos Conjur – Pra ser sincero não espero que você minta: a súmula é pop

Artigos Conjur
Artigos Conjur || Pra ser sincero não espero …Início / Conteúdos / Artigos / Conjur
Artigo || Artigos dos experts no Conjur

Pra ser sincero não espero que você minta: a súmula é pop

O artigo aborda a transformação da súmula vinculante no sistema jurídico brasileiro, comparando-a a uma imagem que não exige interpretação, mas sim a aceitação de um sentido pré-estabelecido. Alexandre Morais da Rosa discute a relação entre textos e imagens, destacando a crescente judicialização e a manipulação desse novo “bem de consumo” jurídico, que busca simplificar e uniformizar decisões. O autor alerta para os perigos dessa superficialidade, que pode resultar em uma “justiça por imagens”, ofuscando a profundidade e a complexidade das argumentações jurídicas.

Artigo no Conjur

Jean-Luc Godard disse que “palavra” e “imagem” são como cadeira e mesa: “para estar à mesa necessitamos das duas”. Desvelar – velando – as implicações de uma compreensão da “Súmula (Vinculante) como se imagem fosse” significa a função da Súmula como imagem – porque o texto está para ser interpretado, e a imagem está dada, não demanda o mesmo registro de interpretação de textos (embora possa haver projeção). Assim, a Súmula funciona como imagem — em que não cabe interpretação, pois já está retratada – o que demanda reconhecer alguns pressupostos da mirada. Claro que esta mirada não é neutra; nem poderia. Parte da compreensão de um modelo – não compactuado — de “Justiça Eficiente” (que se alastra), bem como pela nova função e lugar dos magistrados brasileiros, nesta “Justiça por Imagens”. O argumento de que a escalada da judicialização crescente pede uma coerência e uniformização é real, porém não da maneira como se estruturou no Brasil.

A manipulação da Súmula apresentada “como se imagem fosse” elevada à condição de novo bem de consumo, implica numa nova forma de compreender e decidir no campo jurídico relegitimante da “Filosofia da Consciência”. Em uma sociedade cada vez mais “escópica”, em que o “ver” e o “olhar” (Zizek, Quinet e Joly) acompanham e cercam os sujeitos por todos os lados, parece um tanto quanto ingênua (ou talvez cínica) a postura do Direito, pelo “senso comum teórico” (Warat), em se alienar desta questão. Não sem razão, contudo, desde o ponto de vista da sublimação da política, entendida como a “despolitização da decisão judicial”, busca-se a alucinação da sideração escópica.

Um mundo de imagens que nos é mostrado no dia-a-dia. O que comer, vestir, fumar, consumir, enfim, a “violência simbólica” (Bourdieu) dessa estratégia nos arrosta diariamente, não sendo o campo do Direito alheio a este movimento. A naturalização dos efeitos das imagens mostradas opera como se fosse algo dado, perfeitamente adequado, sem que seja perceptível, entretanto, o que se esconde por detrás da mensagem, no discurso latente. Isso porque não há neutralidade capaz de fazer crer na pasteurização da imagem. Elas sempre dizem, num diálogo com o outro e o outro, enfim, há um para além da mera “mostração” da imagem (súmula) que precisa ser apontado. Por isto é necessário as decifrar e interpretar, não para descobrir uma verdade latente, pois seria incorrer em pura “Filosofia da Consciência”, tão bem denunciada por Lenio Streck, mas para compreender-se um pouco mais dos mecanismos operacionais/instrumentais que podem ser utilizados pelo poder, muitas vezes, para manipular e colonizar o sentido (consciente ou inconscientemente). Será necessário saber de onde a Súmula surgiu e seu trajeto argumentativo. E existem muitas súmulas sem fundamento legal, baseadas em julgados anteriores à Constituição e que são repetidas sem reflexão democrática em nome do já fixado. Por todas, a Súmula 231 do STJ que tem como fundamento texto de lei revogado (confira aqui).

A pretensa oposição entre imagem e texto apresenta-se equivocada, justamente porque há uma complementaridade entre estes registros, enfim, uma relação incessante entre os significantes e as imagens mentais e/ou reais que proporcionam em face dos concernidos. Há uma “circulariedade” significante entre imagem e texto operada na dimensão única da linguagem, desprovida de metalinguagem redentora. Nesta seara não há fórmulas prontas, nem mesmo possibilidade de se realizar, nos limites deste escrito, digressões maiores (recomendo Martine Joly). A ideia é a de lançar miradas sobre esta questão, na perspectiva de que possa ser debatida e ressignificada, sempre depois. Só depois. Talvez na linha de uma “Hermenêutica Jurídica de Imagens”. A abordagem aqui pretende desvelar, pois, os modos de produção de sentido através da “mostração” da súmula como imagem e não como significante textual. Está vinculada diretamente à compreensão de sujeito, dado que é produzida, debatida, significada e reconhecida entre sujeitos capazes de um debate intersubjetivo. Por isto é possível falar de imagens jurídicas prontas para o consumo.

A imagem provoca a indicação de limites bem mais cercados do que os significantes encadeados em discursos demonstradores da fundamentação justamente por conferir a sensação de preenchimento rápido — e imaginário — da cadeia de significantes. Apresenta-se como um enunciado catalisador e de consumo fácil. A súmula traz consigo uma estratégia gregária de repetição para consolidação de um sentido, já-dado como correto e verdadeiro. Funciona muito mais eficazmente do que a reiteração de julgados, longos votos, profusão de ementas, tornando mais fácil a aquisição do sentido fixado. Além disso, nos termos do modelo brasileiro, deixa de lado toda a discussão preliminar (os argumentos debatidos) ao se restringir a uma proposição (negativa ou positiva) de como se decidir, no futuro. Parece que surge ex nihil.

A sensação de um enunciado sumular editado pelo Supremo Tribunal Federal (ou outro Tribunal) dá a falsa impressão de se tratar de uma mera proposição neutra, decorrente de um processo de atribuição de sentido efetuado pelos “intérpretes autorizados”, capaz, de por si, ressignificar o sentido do texto, mas com um plus: seu caráter definitivo. Talvez seja um retorno, em nome da “segurança jurídica” das relações sociais, à “interpretação verdadeira substancial”, palavra do enunciador. Amém. Talvez possa ser o sintoma de como o Jurídico é manipulado por outros campos, especialmente Economia e Publicidade, na obtenção de assentimentos não consentidos em sentidos definitivos por força de uma violência discursiva. Eis a função da súmula: imagem apresentada como fixa, estável e definitiva, com os riscos democráticos do apagamento do dever de racionalidade e motivação das decisões judiciais. Muita imagem e pouca interpretação. A súmula é pop. “Todo mundo tá relendo/ o que nunca foi lido/ Todo mundo está comprando/ os mais vendidos” (Humberto Gessinger).

Referências

Relacionados || Outros conteúdos desse assunto
    Mais artigos || Outros conteúdos desse tipo
      Alexandre Morais da Rosa || Mais conteúdos do expert
        Acesso Completo! || Tenha acesso aos conteúdos e ferramentas exclusivas

        Comunidade Criminal Player

        Elabore sua melhor defesa com apoio dos maiores nomes do Direito Criminal!

        Junte-se aos mais de 1.000 membros da maior comunidade digital de advocacia criminal no Brasil. Experimente o ecossistema que já transforma a prática de advogados em todo o país, com mais de 5.000 conteúdos estratégicos e ferramentas avançadas de IA.

        Converse com IAs treinadas nos acervos de Aury Lopes Jr, Alexandre Morais da Rosa, Rodrigo Faucz, Gabriel Bulhões, Cristiano Maronna e outros gigantes da área. Explore jurisprudência do STJ com busca inteligente, análise de ANPP, depoimentos e muito mais. Tudo com base em fontes reais e verificadas.

        Ferramentas Criminal Player

        Ferramentas de IA para estratégias defensivas avançadas

        • IAs dos Experts: Consulte as estratégias de Aury Lopes Jr, Alexandre Morais da Rosa, Rodrigo Faucz, Gabriel Bulhões e outros grandes nomes por meio de IAs treinadas em seus acervos
        • IAs de Jurisprudência: Busque precedentes com IAs semânticas em uma base exclusiva com mais de 200 mil acórdãos do STJ, filtrados por ministro relator ou tema
        • Ferramentas para criminalistas: Use IA para aplicar IRAC em decisões, interpretar depoimentos com CBCA e avaliar ANPP com precisão e rapidez
        Ferramentas Criminal Player

        Por que essas ferramentas da Criminal Player são diferentes?

        • GPT-4 com curadoria jurídica: Utilizamos IA de última geração, ajustada para respostas precisas, estratégicas e alinhadas à prática penal
        • Fontes verificadas e linkadas: Sempre que um precedente é citado, mostramos o link direto para a decisão original no site do tribunal. Transparência total, sem risco de alucinações
        • Base de conhecimento fechada: A IA responde apenas com conteúdos selecionados da Criminal Player, garantindo fidelidade à metodologia dos nossos especialistas
        • Respostas com visão estratégica: As interações são treinadas para seguir o raciocínio dos experts e adaptar-se à realidade do caso
        • Fácil de usar, rápido de aplicar: Acesso prático, linguagem clara e sem necessidade de dominar técnicas complexas de IA
        Comunidade Criminal Player

        Mais de 5.000 conteúdos para transformar sua atuação!

        • Curso Teoria dos Jogos e Processo Penal Estratégico: Com Alexandre Morais da Rosa e essencial para quem busca estratégia aplicada no processo penal
        • Curso Defesa em Alta Performance: Conteúdo do projeto Defesa Solidária, agora exclusivo na Criminal Player
        • Aulas ao vivo e gravadas toda semana: Com os maiores nomes do Direito Criminal e Processo Penal
        • Acervo com 130+ Experts: Aulas, artigos, vídeos, indicações de livros e materiais para todas as fases da defesa
        • IA de Conteúdos: Acesso a todo o acervo e sugestão de conteúdos relevantes para a sua necessidade
        Comunidade Criminal Player

        A força da maior comunidade digital para criminalistas

        • Ambiente de apoio real: Conecte-se com colegas em fóruns e grupos no WhatsApp para discutir casos, compartilhar estratégias e trocar experiências em tempo real
        • Eventos presenciais exclusivos: Participe de imersões, congressos e experiências ao lado de Aury Lopes Jr, Alexandre Morais da Rosa e outros grandes nomes do Direito
        • Benefícios para membros: Assinantes têm acesso antecipado, descontos e vantagens exclusivas nos eventos da comunidade

        Assine e tenha acesso completo!

        • 75+ ferramentas de IA para estratégias jurídicas com base em experts e jurisprudência real
        • Busca inteligente em precedentes e legislações, com links diretos para as fontes oficiais
        • Curso de Alexandre Morais da Rosa sobre Teoria dos Jogos e Processo Penal Estratégico
        • Curso Defesa em Alta Performance com Jader Marques, Kakay, Min. Rogério Schietti, Faucz e outros
        • 5.000+ conteúdos exclusivos com aulas ao vivo, aulas gravadas, grupos de estudo e muito mais
        • Fóruns e grupos no WhatsApp para discutir casos e trocar experiências com outros criminalistas
        • Condições especiais em eventos presenciais, imersões e congressos com grandes nomes do Direito
        Assinatura Criminal Player MensalAssinatura Criminal Player SemestralAssinatura Criminal Player Anual

        Para mais detalhes sobre os planos, fale com nosso atendimento.

        Quero testar antes

        Faça seu cadastro como visitante e teste GRÁTIS por 7 dias

        • Ferramentas de IA com experts e jurisprudência do STJ
        • Aulas ao vivo com grandes nomes do Direito Criminal
        • Acesso aos conteúdos abertos da comunidade

        Já sou visitante

        Se você já é visitante e quer experimentar GRÁTIS por 7 dias as ferramentas, solicite seu acesso.