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Podem os algoritmos racionalizar a cadeia de custódia digital?

O artigo aborda a aplicação de algoritmos na racionalização da cadeia de custódia digital no contexto da investigação criminal. Os autores discutem como a tecnologia pode melhorar a coleta e verificação de provas digitais, destacando a importância da paridade de armas tecnológicas entre acusação e defesa. Além disso, enfatizam a necessidade de uma supervisão judiciária rigorosa e a criação de diretrizes claras para garantir a eficácia e a integridade das evidências digitais.

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Sob o título “Podem os algoritmos racionalizar a investigação criminal?”, Marcella Mascarenhas Nardelli e Fabiana Alves Mascarenhas apresentaram o uso de “máquinas” para melhoria do desempenho da atividade investigatória (veja aqui), anotando: “Descreve-se que a maneira viável para investigadores da polícia ou julgadores de fato sistematizarem a informação reunida é a construção de narrativas sobre o que poderia ter acontecido, que explicariam o que poderia ter causado a disponibilidade das provas. Por sua vez, defende-se ainda um método de construção de argumentos a partir da prova disponível para as hipóteses, aplicando generalizações de senso comum. O projeto de software — denominado AVER’s —, portanto, descreve um modelo formal que combina as duas formas de raciocínio e o visualiza com base nessa perspectiva combinada” [1].

A invasão da tecnologia no ambiente probatório é realidade constante, com a tendência cada vez mais presente de que os profissionais alheios às oportunidades disponíveis sejam ultrapassados por força da defasagem tecnológica. A nossa atividade jurídica está rodeada de dispositivos inteligentes e meios de “checagem” dos requisitos de validade e de eficácia das evidências já produzidas e das possíveis de se realizar. O desconhecimento ou o negacionismo se constituem como comportamentos dominados. O choque tecnológico precisa ser assumido por quem deseja manter ou ampliar a performance. O modelo analógico de investigação, acusação e defesa ainda opera nos casos de complexidade baixa ou média, enquanto nos de alta e maxi, a debilidade tecnológica passou a compor o contexto mínimo de atuação. Em qualquer das complexidades, associar meios digitais é fator de vantagem competitiva. O desconhecimento dos instrumentos disponíveis e o “medo” do desconhecido e sobre os “custos” precisa ser enfrentado de modo direto pelos que desejam manter condições de “jogabilidade” no processo penal 4.0.

A “jogabilidade” pressupõe paridade de armas entre as partes e julgador atento às trapaças. No campo da disparidade, já não se trata apenas da largada desvantajosa da defesa em relação à acusação, condição quase imanente que decorre da vantagem cognitiva para o acusador durante a investigação (os elementos de investigação já produzidos são conhecidos pelo acusador, mas não necessariamente pela defesa, sobretudo aqueles relacionados às diligências em execução). Trata-se agora, também, da disparidade tecnológica, que opera em dois campos distintos: a) obtenção e produção de provas; e, b) controle e checagem das provas apresentadas pelo oponente. O primeiro consiste na disponibilidade de acesso aos meios de obtenção e/ou produção de evidências por parte dos agentes estatais e também dos defensores providos de meios tecnológico e recursos em relação aos demais imputados e defensores carentes de meios, por ausência de orçamento e/ou desconhecimento sequer da existência. O resultado é o de que a apuração dos indicadores fáticos para atribuição de culpa se mostra desequilibrada, isto é, a ineficiência probatória pode gerar erros (falsos positivos ou negativos) por não terem sido empregas as melhores armas tecnológicas disponíveis. O segundo opera na lógica de que se a acusação realiza investigação valendo-se de sofisticados recursos tecnológicos, a defesa precisa dispor de softwares capazes de conferir acesso ao formato dos arquivos (mídias digitais), nem sempre de fácil obtenção, além de dispor, em regra, de pouco tempo disponível para auditabilidade e efetiva confrontação. O fator tempo favorece à acusação que controla a investigação, reúne os elementos e apresenta a acusação estruturada, enquanto a defesa deve responder, o prazo da resposta à acusação, indicando as provas que deseja produzir. Se o imputado não realizou trabalho anterior de compliance, o acesso ao material defensivo resta prejudicado, ainda mais quando o agente está preso, houve apreensão de computadores e bloqueio de patrimônio (restrição de meios financeiros ao exercício da defesa). Ademais, quando a acusação deliberadamente vale-se da tática de juntar volumes e mais volumes de dados e documentos, de forma desorganizada, com senhas não fornecidas, referências a outros processos e/ou investigações autônomas, a leitura do contexto real do caso penal resta prejudicada. A tática de dissimulação e de vantagem decorrente da assimetria de informação (não apresentar tudo, aguardando o movimento defensivo), por mais que viole a Boa-fé Objetiva e a “Regra de Brady”, prejudica a determinação da Teoria do Caso pela defesa, além de impedir a “checagem” e a “auditabilidade” de todo o material suporte da acusação.

É nesse contexto que se inserem as discussões acerca da cadeia de custódia da prova. Mormente em relação às provas digitais, por conta da facilidade de manipulação (fake news, deep fake etc.), a cadeia de custódia é indispensável. Como advertido por Janaina Matida: “é preciso que a cadeia de custódia das provas não se reduza à cadeia de aproveitamento de irregularidades. A promessa de um processo penal acusatório seriamente comprometido com a presunção de inocência só pode ser satisfeita quando o que acontece em investigação preliminar também seja objeto de nossas reflexões. A determinação adequadamente fatos, considerando o compromisso com a redução dos riscos de se condenar inocentes próprio do processo penal, não pode ser atingida enquanto a investigação preliminar seja conservada como um reino de arbitrariedades e surpresas contra a defesa, favores e condescendências para a acusação” [3].

Se a acusação obtém ou produz evidências por meio de tecnologia não disponível no mercado ou ainda com custos relevantes, a negativa de acesso e disponibilidade dos softwares à defesa, impede a verificação da observância da cadeia de custódia digital (por ausência a de meios tecnológicos). A oferta, sem custos, à defesa, dos mecanismos utilizados para fins de acesso ao conteúdo, auditabilidade e verificação do material é condição de validade e de eficácia da prova. Deve-se conceder acesso e/ou licença de uso do programa ou software, durante todo o processo, para defensores públicos e privados, sem qualquer custo.

A paridade de armas tecnológicas pressupõe a possibilidade efetiva (e não potencial, a depender de recursos privados) de contraditório significativo sobre a qualidade, credibilidade e confiabilidade dos meios e dos trajetos empregados. Do contrário, não se trata de vantagem tecnológica, mas de subtração das condições mínimas do dever de “informação” sobre o conteúdo da prova produzida, violadora do devido processo legal e da presunção de inocência. Não se pode ignorar que o ônus da prova pertence exclusivamente ao acusador, o qual abrange também o ônus de provar que é lícita a prova produzida.

Ao mesmo tempo em que não se pode proibir o uso da tecnologia no ambiente processual, é vedado que a vantagem tecnológica circunstancial impeça o exercício da ampla defesa. A postura de exigir acesso, apontar a impossibilidade do exercício da defesa, deve ser demonstrada ao julgador, porque no ambiente 4.0, as coordenadas pressupõem adequação de meios, sob pena de não se instaurar o contraditório significativo, obstando a participação da defesa na construção do provimento jurisdicional. A indicação expressa e circunstanciada dos softwares e bancos de dados utilizados na investigação estão contidos no conceito de cadeia de custódia digital, já que surgiram do esforço investigativo (em fontes fechadas e abertas) realizado pelos agentes da investigação. Por isso, o cumprimento do ônus acusatório da cadeia de custódia digital engloba o trajeto investigativo, não se confundido com o resultado apresentado no “Relatório da Investigação”. Será preciso demonstrar: a) quem; b) quando; c) como; d) onde; e) por que; f) para que; g) o que; e, h) com que motivação. A responsabilidade pelos métodos utilizados, o controle da “pescaria probatória”, do “compartilhamento espúrio” de dados e informações agregados de investigações autônomas, por exemplo, precisa estar documentada de modo a autorizar a identificação dos indicadores democráticos da epistemologia da prova. A inobservância abre espaço para discussão sobre a “quebra” da cadeia de custódia digital, o reconhecimento da ilicitude e/ou invalidade do material apresentado[4].

É nesse sentido que o ponto de partida de Marcella Mascarenhas e Fabiana Mascarenhas serve-nos de ponto de chegada [5]. Algoritmos, por operarem comparando e compondo dados, podem, sem dúvida, racionalizar a cadeia de custódia. Obviamente, alguns ajustes são necessários: a) é preciso criar um checklist oficial da cadeia de custódia digital (o qual deve ser incluído no CPP, pois o atual regramento dos artigos 158-A a 158-F parece-nos insuficiente para tratar da prova digital), em conformidade com manuais já desenvolvidos, mas que precisam ser amplamente discutidos na comunidade jurídica, técnico-especializada (peritos nas respectivas áreas de formação) e sociedade civil; b) é preciso que esses critérios sejam convertidos em dados analisáveis (texto, imagem ou som de qualidade) pelos algoritmos; c) esses dados devem ser os mais completos, claros e nítidos (qualidade do dado) possíveis; d) a verificação da cadeia de custódia é reserva jurisdicional, de modo que o trabalho realizado por algoritmos policiais e ministeriais usurparia indevidamente a jurisdição, logo só pode pertencer ao Judiciário; e) toda a atividade precisa ser supervisionada pelo juiz natural; f) eventuais resultados negativos (insuficiência, violação, ausência ou incompletude) servem para inadmitir a prova, ao mesmo tempo que os positivos ainda se submetem ao contraditório (não implicam na admissão automática da prova); g) toda decisão sobre cadeia de custódia deve ser fundamentada (artigo 93, IX, CRFB; artigo 315, §2º, CPP) e, no caso de avaliação por algoritmo, tal circunstância deve constar expressamente na decisão para que as partes possam controlar; e g) eventual inconsistência entre a avaliação pelo algoritmo e o controle das partes (verificação do trabalho, com conferência entre informações da cadeia de custódia e o checklist oficial) deve implicar na inadmissão da prova. É o que estamos fazendo na Plataforma RoadMapCrime (em breve).

[1] NARDELLI, Marcella Mascarenhas; MASCARENHAS, Fabiana Alves. Podem os algoritmos racionalizar a investigação criminal. Consultor Jurídico, São Paulo, 19 mar. 2021. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2021-mar-19/limite-penal-podem-algoritmos-racionalizar-investigacao-criminal.

[2] PRADO, Geraldo. Breves notas sobre o fundamento constitucional da cadeia de custódia da prova digital. Consultor Jurídico, São Paulo, 21 jan. 2021. Disponível em: https://www.conjur.com.brhttps://www.conjur.com.br/wp-content/uploads/2023/09/artigo-geraldo-prado.pdf.

[3] MATIDA, Janaina. A cadeia de custódia é condição necessária para a redução dos riscos de condenações de inocentes. Boletim IBCCRIM, n. 331, jun. 2020, p. 8.

[4] PRADO, Geraldo. Breves notas sobre o fundamento constitucional da cadeia de custódia da prova digital. Consultor Jurídico, São Paulo, 21 jan. 2021. Disponível em: https://www.conjur.com.brhttps://www.conjur.com.br/wp-content/uploads/2023/09/artigo-geraldo-prado.pdf: “violada a cadeia de custódia da prova digital incide imperiosa proibição de valoração da prova assim obtida. É o corpo de delito que se converte em algo juridicamente imprestável à luz do direito fundamental à integridade dos sistemas informáticos e o igualmente fundamental direito à confidencialidade, princípios constitucionais implícitos assim como o é o direito fundamental à autodeterminação informativa.”

[5] NARDELLI, Marcella Mascarenhas; MASCARENHAS, Fabiana Alves. Podem os algoritmos racionalizar a investigação criminal. Consultor Jurídico, São Paulo, 19 mar. 2021. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2021-mar-19/limite-penal-podem-algoritmos-racionalizar-investigacao-criminal: “Tanto a adequada definição da hipótese fática a ser sustentada pela acusação em juízo — a qual indicará todas as questões de fato subjacentes à pretensão acusatória —, quanto a confiabilidade do conjunto probatório que servirá de base para a decisão judicial dependem, em grande medida, que a investigação criminal se desenvolva de forma racional e a partir de parâmetros acertados. Os rumos da atividade de busca e coleta de elementos informativos na fase preliminar condicionarão, por certo, a confiabilidade do juízo de fato que terá lugar na etapa processual.”

Referências

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