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O artigo 422 do CPP e a ordem de intimação: uma orientação constitucional

O artigo aborda a interpretação do artigo 422 do Código de Processo Penal no contexto do Tribunal do Júri, enfatizando a necessidade de que a defesa se manifeste após o Ministério Público, para assegurar a paridade de armas e a plenitude de defesa. Os autores discutem a importância dessa ordem de intimação, especialmente à luz das garantias constitucionais e das mudanças trazidas pela nova legislação. A análise revela que, apesar da falta de uma previsão expressa, a hermenêutica constitucional requer esse entendimento para garantir um contraditório efetivo e uma defesa robusta no processo penal.

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O Tribunal do Júri, por si só, constitui uma garantia fundamental do cidadão, tanto que está posicionado sistematicamente no artigo 5º, inciso XXXVIII. O procedimento do júri, portanto, exige uma leitura orientada pelos princípios estruturantes do processo penal acusatório, ainda mais pela gravidade das matérias que mobiliza e pela centralidade da atuação da defesa.

Entre os diversos dispositivos que o regulam, o artigo 422 do Código de Processo Penal, que dispõe sobre a intimação das partes para apresentação do rol de testemunhas e de requerimentos, frequentemente tem sido objeto de interpretações errôneas quanto à ordem de manifestação das partes. Não há dúvidas, frente ao modelo constitucional e convencional, de que o Ministério Público e, eventualmente, o assistente de acusação devem se manifestar em primeiro lugar, tratando-se de prazo sucessivo, isto é, a defesa é a última a se manifestar [1].

É importante reconhecer, de partida, que o texto do artigo 422 do CPP não estabelece expressamente uma ordem entre as manifestações da acusação e da defesa. Pelo menos não a partir de um primeiro olhar. A redação legal limita-se a prever que, encerrada a fase do artigo 421, as partes serão intimadas para, no prazo de cinco dias, apresentarem rol de testemunhas que irão comparecer à sessão de julgamento, juntar documentos e requerer diligências. Constitui, portanto, uma norma aberta, que requer interpretação sistemática e constitucionalmente orientada, especialmente diante das peculiaridades do rito do Tribunal do Júri.

DJEN e o prazo para manifestação da defesa

Nesse contexto, não se trata de mera discussão procedimental, mas de um ponto estrategicamente sensível para a atuação defensiva. Intimar acusação e defesa de forma simultânea pode parecer, em aparência, paritário; contudo, essa simultaneidade ignora a estrutura assimétrica do processo penal acusatório, no qual a defesa atua reativamente. Permitir que a defesa apenas tome conhecimento dos pedidos acusatórios após já ter se manifestado, ou sem sabê-los, esvazia o contraditório substancial e fragiliza a própria lógica do julgamento penal democrático.

Essa preocupação torna-se ainda mais aguda com a implementação recente da Resolução CNJ nº 569/2024, que, a partir de maio de 2025, instituiu o Diário de Justiça Eletrônico Nacional (DJEN) como instrumento de intimação para advogados privados. Com isso, o prazo para manifestação da defesa passou a correr imediatamente da publicação no DJEN, sem os tradicionais dez dias contados da intimação pessoal que ainda beneficiam membros do Ministério Público e da Defensoria Pública. O resultado prático é alarmante: em algumas comarcas, a defesa privada é compelida a se manifestar antes mesmo do início do prazo do Ministério Público, reforçando um cenário de evidente violação à paridade de armas e à lógica do contraditório. Trata-se, portanto, de situação ainda mais grave do que a mera simultaneidade: é o esvaziamento cronológico do contraditório.

É precisamente por isso que a correta compreensão do artigo 422 exige sua leitura à luz da plenitude de defesa (CF, artigo 5º, XXXVIII, “a”), garantia específica do Tribunal do Júri, mais densa que a ampla defesa tradicional. Em outras palavras, a defesa deve ser a última a se manifestar por força de sua posição constitucionalmente protegida e da necessidade de formular uma resposta informada e estratégica aos requerimentos da acusação. Sem contar que, por ser uma fase formal de manifestação, a defesa inclusive poderá impugnar questões que tenham ocorrido anteriormente.

Perceba-se que esta interpretação é coerente com todo o procedimento processual penal. É absolutamente impensável exigir que a resposta à acusação seja apresentada sem saber o exato conteúdo da denúncia. Até mesmo o rol de testemunhas da acusação será crucial para que a defesa selecione adequadamente quais as testemunhas de defesa servirão para confrontar a hipótese acusatória. Ora, a lógica da peça do artigo 422 é a mesma: a necessidade de escolha de uma (ou algumas) testemunha(s) específica(s) para refutar a(s) testemunha(s) de acusação. Se o prazo de apresentação da peça for comum, é impossível exercer apropriadamente a defesa no procedimento.

Direito de falar por último

Outro exemplo é a apresentação de alegações finais. Não há qualquer discussão de que a defesa se manifesta por último. Aliás, o Informativo 949 do Supremo Tribunal Federal (HC 157.627 AgR / PR), reconheceu que até mesmo entre acusados, o réu colaborador deve se manifestar antes do que o delatado, assentando-se que “o direito fundamental ao contraditório e à ampla defesa deve permear todo o processo legal, garantindo-se sempre a possibilidade de manifestações oportunas da defesa”.

No HC 166.373/PR, em que a matéria também se relacionava com a ordem de manifestação entre acusados colaboradores e não colaboradores, o STF apontou que sequer se estava “discutindo o caráter sucessivo entre as manifestações de acusação e defesa, mas sim entre defesa e defesa”, deixando explícito que a primeira questão é (ou deveria ser) absolutamente indubitável. Na decisão, o ministro relator explicou que “não se discute que inexiste regra processual que assegure expressamente a postulada ordem sucessiva de manifestações defensivas”, no entanto, a controvérsia deve ser realizada no âmbito dos “princípios constitucionais que desvelam o estatuto constitucional do direito de defesa”.

O ministro redator do voto, Alexandre de Moraes, explicou de maneira incisiva “o direito de falar por último está contido no exercício pleno da ampla defesa englobando a possibilidade de refutar TODAS, absolutamente TODAS as informações, alegações, depoimentos, insinuações, provas e indícios em geral que possam, direta ou indiretamente, influenciar e fundamentar uma futura condenação penal, entre elas as alegações do delator”.

A jurisprudência caminha de forma hesitante sobre o artigo 422. Apesar de uma busca simples nas ferramentas de busca de jurisprudência dos tribunais estaduais apontarem haver entendimento praticamente pacificado sobre a necessidade de se respeitar a ordem do modelo acusatório, há precedentes, inclusive do Superior Tribunal de Justiça, que entendem pela discricionariedade judicial quanto à ordem das manifestações, admitindo a intimação simultânea das partes. Exemplo é o RHC nº 95.771/RJ (relator: ministro Reynaldo Soares da Fonseca), no qual se entendeu que “a concessão de prazo sucessivo de 5 dias, bem como da retirada dos autos em cartório, para apresentação de memoriais, é discricionária, em virtude do princípio do livre convencimento do juiz”, e que caberia à defesa demonstrar o efetivo prejuízo.

Com a devida vênia, entendemos que essa compreensão fragiliza garantias fundamentais e projeta sobre a defesa um ônus desproporcional: provar prejuízo decorrente de uma manifestação simultânea que, por definição, impede o conhecimento prévio das estratégias acusatórias. Em realidade, trata-se de uma exigência paradoxal, que esvazia a própria essência da garantia violada e ignora o imperativo de uma leitura pro reo em situações de ambiguidade procedimental.

Ao contrário do que sustenta o entendimento acima, o respeito à paridade de armas, especialmente no Júri, pressupõe, em certos momentos, uma assimetria procedimental garantidora, como ocorre na última palavra do interrogatório ou na manifestação posterior nos debates. A garantia de a defesa ser a última a se manifestar é expressão prática da ideia de paridade, não seu oposto.

O próprio contraditório, como bem abaliza a doutrina, é a reação à pretensão acusatória do Estado, o que implica que a defesa não apenas pode, mas deve falar depois da acusação. Falar depois não é privilégio, mas condição lógica para que se contradite com eficácia o que foi dito antes. Quando essa ordem é invertida ou ignorada, não há contraditório, há apenas exposição paralela [2].

O contraditório não pode ser interpretado apenas como uma simples isonomia entre as partes, mas sim deve ser caracterizada “a partir da referência informação-reação, podendo postular provas, oferecer alegações impugnar eventuais decisões judiciais, verdadeiros atos de expressão. (…). Por isso, diante da fragilidade democrática de mera informação e possibilidade de atuação, a regra do contraditório deve ser vista como método de conhecimentos e regra de formação da prova penal e de coprodução da decisão” [3].

Por derradeiro, lembre-se que mesmo pela visão histórica, desde a Lei 11.689 de 2008 a peça do artigo 422 substituiu o libelo-crime acusatório. Isto é, continua sendo a peça da acusação que inaugura a segunda fase do procedimento do tribunal do júri. Para além das testemunhas, é na peça do 422 que o Ministério Público poderá requerer diligências probatórias. Desta forma, inegavelmente possui uma carga acusatória que refletirá no julgamento em plenário.

Em suma, embora o artigo 422 do CPP não imponha de forma expressa a ordem sucessiva de intimação, a hermenêutica constitucional e convencional exige que se compreenda como obrigatória a intimação da defesa somente após a acusação. Não há que se falar em contraditório sem a participação ativa no debate processual. Indo além, o respeito à plenitude de defesa, ao contraditório substancial e à lógica dialética do processo penal impõem essa ordem como uma decorrência necessária do modelo acusatório. Não se trata de capricho interpretativo, mas de fidelidade à Constituição, e à própria razão de ser do processo penal em um Estado Democrático de Direito.

[1] “Em respeito aos princípios da plenitude de defesa e do contraditório, o prazo é sucessivo, devendo a defesa se manifestar após transcorrido o prazo da acusação e da assistência de acusação.” FAUCZ, Rodrigo; AVELAR, Daniel. Manual do Tribunal do Júri. 4ª ed., rev., atual., ampl. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2025. p. 363.

[2] Citando o Prof. Antonio Scarance Fernandes “são elementos essenciais do contraditório a necessidade de informação e a possibilidade de reação”. FERNANDES, Antonio Scarance. Processo penal constitucional, 7. Ed., São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2012. p. 65.

[3] SAMPAIO, Denis. A regra do contraditório no Novo Código de Processo Civil e sua “possível” influência no Direito Processual Penal. Processo Penal. v. 13. Juspodivm. 2016.

Referências

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